sábado, 25 de outubro de 2008


Helen Keller bacharel
Helen Adams Keller (1880-1968) fotografada em 1904, no dia da sua formatura (graduation ceremony) em Filosofia no Radcliff College.
Nos países anglo-saxónicos, cujas universidades conferiam grande visibilidade ao cerimonial de formatura de bacharéis, os trajes talares académicos não sofreram ao longo de oitocentos a erosão vivida na Europa continental. Novas universidades criadas ao longo do século XIX na Grã-Bretanha e seus domínios ultramarinos adoptaram trajes neo-talares revivalistas baseados nas tradições de Oxford e Cambridge.
Nos EUA, entre 1893-1895, diversas universidades aproximaram-se dos paradigmas configurados por Oxford e Harvard, em conformidade com os trabalhos propostos pela "Intercollegiate Comission, de que resultou o primeiro "Code of Academic Regalia".
Devido ao facto de terem mantido a feição talar das vestes académicas, as universidades anglo-saxónicas responderam com pragmatismo à presença das primeiras alunas matriculadas. Mais complexa na Grã-Bretanha, simplificada nos EUA, a "cap and gown" tornou-se unissexo para alunas e professoras do ensino superior, conformam documentam fotografias tomadas desde a década de 1880. Seria também este o caminho seguido pelas mulheres diplomadas em Direito que se lançaram na exercitação de profissões como advogada e de magistrada.
Em Coimbra, onde se manteve até finais de 1910 a cerimónia de formatura e a obrigatoriedade da "capa e batina", a conversão do antigo traje talar num conjunto burguês masculino à base de casaca/calça comprida (=pequeno uniforme), ditou a opção pela não adopção de um traje académico unissexo. As primeiras alunas, chegadas em 1891, andavam em vestido preto, andaina que podiam completar com capa de estudante e pasta com fitas.
Em alguns estabelecimentos portugueses de ensino superior não universitário havia trajes profissionais para docentes, mas não trajes discentes nem cerimónias oficiais de formatura. Esta situação possibilitou desde 1889 uma corrida em crescendo à capa e batina dos estudantes de Coimbra por parte dos alunos das escolas politécnicas e médico-cirúrgicas de Lisboa e Porto.
A emergência de tunas nos liceus e politécnicos desde ca. 1890, o activismo estudantil recauchetado pela efervescência nacionalista espoletada pelo Ultimato Britânico, e um conjunto de festividades de carnaval/fim de ano apropriadas e re-inventadas pelos estudantes do Portugal continental e insular, fizeram concentrar as atenções na capa e batina de Coimbra.
A demanda portuguesa de trajes académicos discentes, em processo de incrementação nos liceus e politécnicos portugueses no crepúsculo de oitocentos não pode dissociar-se do clima de perturbação emocial e identitária gerada pela Conferência de Berlim de 1884-1985, nem do grande encontro internacional de legações académicas que marcaram presença no 8º Centenário da Universidade de Bolonha (1888).
O discurso produzido em Coimbra por franjas juvenis pró-abolicionistas que procuravam associar os trajes académicos e as insígnias ao obscurantismo e ao clericalismo contavam apenas a sua "verdade" e ocultavam a realidade internacional. E a realidade internacional coeva movimentava-se no sentido de os estudantes universitários dos EUA, Espanha, França, Áustria, Suiça, Alemanha, Bélgica e Suécia, afirmarem a sua identidade através de bonés, faixas peitorais, espadas, capas e capotes.
A opção portuguesa, prevalecente após a Revolução Republicana de 1910, resultou num desencontro bifurcante entre traje talar docente e não traje discente, com adesão à capa e batina masculina de Coimbra. A aposta em traje da casa para docentes e traje de fora para alunos não estava de acordo com os paradigmas "clássicos" europeus, então sintonizados com três opções masculinas predominantes:
-a) adopção do abolicionismo radical, ou rejeição de traje profissional como elemento identitário estruturante, a exemplo das soluções seguidas por alunos e docentes do Curso Superior de Letras (1859), Instituto de Agronomia e Veterinária (1886) e Instituto Industrial e Comercial de Lisboa (1894) e Porto (1891);
-b) não consagração institucional de trajes discentes nas escolas politécnicas e médico-cirúrgicas de Lisboa e Porto (1836-1837). Na esteira do paradigma francês herdado da Revolução de 1789 e da governação napoleónica, a haver lugar a traje neste tipo de estabelecimentos de ensino, este seria de feição pró-militar, estruturado em grande uniforme e pequeno uniforme, o que na realidade nunca chegou a acontecer;
-c) continuidade do cerimonial togado, abandonado em Espanha desde 1834, a viver dias de acentuado declínio em Coimbra, mas em processo de expansão nos países influenciados pela cultura britânica.

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