sábado, 15 de maio de 2010


Capote e capelo e homem do rebuço
Postal ilustrado de inícios do século XX impresso a partir de fotografia de estúdio captada na cidade de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel
O figurante masculino, descalço, enverga fato oitocentista de três peças em estamenha de tear (calças compridas, colete e jaleco), camisa de linho ou estopa e carapuça de lã com pala semi-esférica e grande rebuço descaído pelos ombros. Na mão o inseparável cajado de ajudar nas longas caminhadas, carreio de pesos, toque do gado e defesa pessoal, cujo aparato haverá que correlacionar-se com as varas dos mordomos e juizes. A lã com que se confeccionava caseiramente estes fatos era tecida e apisoada sobre pranchas, trabalho penoso que nunca chegava a neutralizar por inteiro a desagradável sensação de "picar na pele".
O capote de tipo micaelense, em lã preta ou azul ferrete, é um amplo e pregueado manto de grande ostentação, embainhado, com gola e cabeção, com a avantajada calote do capelo aplicada sobre o colarinho e ombros. O capelo era independente do capote, a ele se fixando por meio de colchetes metálicos. Armava-se com cartão e barbas de baleia ou arames, estrutura disfarçada com o forro e o pano exterior.
Muita tinta correu nos séculos XIX e XX sobre o capote e capelo dos Açores, peça de indumentária estigmatizada pelas vozes burguesas que redutoramente nele quiseram ver um símbolo do atavismo e da subalternização da mulher. Trata-se, está bem de ver, de um lastimável desconhecimento da ideossincrasia local, pois o capote e capelo nunca foi de uso obrigatório. À semelhança do capote alentejano, era considerado uma peça que traduzia poder económico, ascensão social e reconhecimento público de um determinado estatuto, pelo que era livremente procurado e exibido pelas mulheres abastadas. Ou seja, tinha a mesma função que hoje é atribuída às roupas de marca e aos carros de alta cilindrada. E respondia ao instável clima das ilhas, sendo um óptimo agasalho nas invernias e nos chuviscos de Abril.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial