quarta-feira, 8 de dezembro de 2010


Bekiche de seda preta enramada com cinto
Uma conversa recente com o Doutor João Caramalho Domingues conduziu-me a intentar um excercício comparativo entre o feitio da capa e batina generalizada a partir da Universidade de Coimbra - cuja peça principal é uma casaca masculina preta talhada segundo a moda civil da segunda metade do século XIX - e a (sobre)casaca dos judeus hassídicos.
Distintas na origem e no feitio, ambas as casacas [ou sobrecasacas, termo que predomina em algumas regiões] (batina académica e bekische) têm algo em comum: 1) o uso da seda nos modelos judaicos mais elaborados, bem como na variante conimbricense dos membros do corpo docente (vulgo lentes); 2) a influência indesmentível da uniformologia militar do século XIX, assente nos valores da padronização e geometrização dos modelos vestimentários, que por seu turno influenciaria o vestuário civil de ambos os sexos e os uniformes profissionais (geometrização de linhas, abandono da ornamentação, supressão de peças duplas, utilização de menos quantidade de tecido).
A bekische é uma casaca masculina oriunda das comunidades hassídicas dos países de leste, com radicação na Hungria, Polónia e Rússia, depois levada para os EUA e para Israel. A origem desta peça de indumentária parece recuar ao século XVII, com bainha pelos calcanhares, mangas compridas estreitas e abertura dianteira de tipo túnica aberta. A cor predominante é o preto, embora sejam confeccionadas algumas em azul escuro e em branco (cor usada no Sabbat pelos grandes rabinos). Usa-se habitualmente sem gravata, com calções e meias altas, ou calças compridas metidas em meias altas (guerrer), cinto cingido e chapéu sobre a kippa. O chapéu mais conhecido, semelhante a uma coroa, é o grande tambor revestido de pelaria de marta, o shtreimel. Usam-se ainda outros menos ostentatórios, como o spodik, o kolpit e o vulgar fedora que é um chapéu de feltro industrial de entre-guerras.
A bekische pode ser confeccionda em tecido de lã, seda e seda lavrada. Conforme se escreveu mais acima, tudo leva a crer que a bekische foi decisivamente influenciada pelas casacas civis do século XIX, tendo então encurtado a bainha para a meia perna. Manteve as costas lisas, pormenor que vinha do antigo kftan masculino. As mangas levam três botões planos forrados, dispostos junto aos punhos. O feito do peito seguiu o modelo popularizado pelos casacos militares napoleónicos, com a carcela aberta e dobrada sobre o peito e duas carreiras de botões de botões planos, 3 em cada fileira.
Na Hungria e na Galicia, os hassídicos vestiam sobre a bekische um grande casacão de abafo(rezhvolke), semelhante ao viatório dos clérigos romanos, também em seda preta, com rebuços abertos sobre o peito e abotoadura assertoada à moda das casacas militares napoleónicas, como bem mostram fotografias de inícios do século XX.
Tanto a bekische como o rezhvolke podem levar galões de veludo metidos nas mangas, ornatos ao que parece oriundos da tradição húngara.

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