Virtual Memories
sábado, 11 de dezembro de 2010
Docentes da Faculdade de Direito na cerimónia comemorativa dos 150 da fundação da Sorbone que teve lugar em 2007. Um pormenor acerca de uma velharia que se julgava musealizada: o bedel com a maça alçada!
Fotografia integrada num diaporama de Frederic Stevens para o Le Monde, http://www.lemonde.fr/a-la-une/portfolio/2007/11/20/la-sorbonne.vue-par-frederic-stevens-980591_3208.html
Escolares de Coimbra com a abatina tradicionalizada na década de 1870, litografia da casa Palhares. Os gorros, que também eram usados pelos lentes, demoram compridos, atingindo bons 50cms. Bizarro? Bem, o gorro tanto cobria a cabeça como servia de mochila, levando livros, folhas, sebentas e materiais de escrita e até um revolverzito se fosse preciso.
Casaca de capelão, EUA, segunda metade do século XX
Nas décadas de 1870-1880 a máquina Singer invade as oficinas de alfaiataria. O modelo geometriza-se, exibindo economia de tecido e corte puritano. No período apontado, predominam entre os estudantes de Coimbra a moda da golinha descaída em torno do colarinho - modismo que confere à abatina um arzinho de gabardina -, a carcela fingida e totalmente despojada de ornatos e um vivo de tecido que percorre a toda a volta a golinha e as bainhas.
Modelo de sobrecasaca masculina amplamente usada entre a segunda metade do século XIX e a década de 1920 com a inseparável cartola.
O feitio das costas e mangas é idêntico ao da batina usada pelos estudantes da UC. Outro traço comum reside nas lapelas de rebuço, dobradas sobre o peito, no decote em V e na aplicação de bandas de cetim preto.
Algumas pequenas diferenças: na sobrecasaca, panos dianteiros costurados pelo ventre, gola de rebuço rebatida a toda a volta do pescoço e fechamento assertoado à Napoleão. Na batina, colarinho raso mais alto ou rebaixado conforme se desejava exibir o colarinho postiço e retesado da camisa, panos dianteiros inteiriços, carcela vertical fingida (primeiros modelos), passando depois a simples carcela de botões de massa, bolsinho de peito para lenço.
O feitio das costas e mangas é idêntico ao da batina usada pelos estudantes da UC. Outro traço comum reside nas lapelas de rebuço, dobradas sobre o peito, no decote em V e na aplicação de bandas de cetim preto.
Algumas pequenas diferenças: na sobrecasaca, panos dianteiros costurados pelo ventre, gola de rebuço rebatida a toda a volta do pescoço e fechamento assertoado à Napoleão. Na batina, colarinho raso mais alto ou rebaixado conforme se desejava exibir o colarinho postiço e retesado da camisa, panos dianteiros inteiriços, carcela vertical fingida (primeiros modelos), passando depois a simples carcela de botões de massa, bolsinho de peito para lenço.
Pormenor do esquema de corte da abatina anglo-saxónica, froack coat de modelo complexo com botões forrados a fio de seda. Esta variante é tradicionalmente talhada em pano de seda. A fotografia contém uma incorrecção imperdoável, pois este tipo de froack usava-se com sotaina assertoada e não com colete.
Escolar da graduação em Teologia, Universidade de Bolonha, 1.º quartel do século XIX
Hábito talar romano composto por batina de um corpo, capa talar, murça com guarnição de pelo e barrete académico quadrangular encimado por quatro cristas ou "cornos".
Tal como em Roma, o hábito dos estudantes dos cursos superiores podia ser avivado.
Retrato de D. Bernardino Lombardi em abatina, tricórnio, sapatos de fivela, calções e meias altas de seda e "ferraioletto". O "ferraioleto" é uma meia capa, de menor categoria que o ferraiollo. Uma e outra eram conhecidas por mantéu e meio mantéu.
No final da década de 1980 mantive com o Dr. António José Soares várias conversas sobre o porquê de os estudantes quintanistas que se faziam fotografar para os álbuns de curso nas décadas de 1880-1890 não figurarem em corpo inteiro. Em opinião comum, que ainda hoje mantenho, concluímos que não se tratava apenas de uma imposição técnica de estúdio. Aliás, estas fotografias de corpo inteiro de clérigos romanos confirmam que era perfeitamente possível na mesma época documentar com grande clareza corpo, indumentária e rosto. O que se pretendia era justamente ocultar as calças compridas e o calçado que eram de modelos vulgares, como tal mal vistos pelos padrões de etiqueta da época.
No final da década de 1980 mantive com o Dr. António José Soares várias conversas sobre o porquê de os estudantes quintanistas que se faziam fotografar para os álbuns de curso nas décadas de 1880-1890 não figurarem em corpo inteiro. Em opinião comum, que ainda hoje mantenho, concluímos que não se tratava apenas de uma imposição técnica de estúdio. Aliás, estas fotografias de corpo inteiro de clérigos romanos confirmam que era perfeitamente possível na mesma época documentar com grande clareza corpo, indumentária e rosto. O que se pretendia era justamente ocultar as calças compridas e o calçado que eram de modelos vulgares, como tal mal vistos pelos padrões de etiqueta da época.
Retrato de Monsenhor Andrea Pila, com hábito curto de seda preta. Comporta canhões metidos nas bocas das mangas. Divisa-se a capinha curta ou meia capa a escorregar pelos ombros. A manga é cortada e cosida com forma recurvada, característica das alfaiatarias que trabalhavam à peça. Nos EUA, a máquina Singer utilizada nas oficinas de fardamento militar começará a impor a manga rigidamente geometrizada, a cair pelo braço com forma de tubo direito.
Bela fotografia do Cardeal Mateucci (1802-1866) com a abatina ou hábito curto. Usa solidéu, tricórnio, condecoração e cebolão cuja corrente se adivinha fixada na carcela. O modelo é exactamente o mesmo padronizado pelas oficinas de uniformes da Guerra Civil norte-americana à entrada da década de 1860. Do outro lado do Atlântico usavam-se a lã azul ferrete e a bainha era mais curta.
Aproveitamos para publicar imagens fotográficas de grande rigor informativo sobre o hábito ordinário (hábito privado, hábito doméstico, abito corto, abatina, batina escolástica), usado pelos clérigos romanos e anglicanos na Europa e nos territórios ultramarinos entre ca. 1660 e o final da Grande Guerra.
Trata-se um traje à base de tricórnio de feltro, casaca embainhada entre a meia perna e o joelho e meia capa, complementado este por volta, cabeção ou colete, meias altas de seda, calções de alçapão e sapatos pretos de fivela.
Ao primeiro olhar, a casaca tem um parecer de batina romana. Uma análise mais detalhada confirma diferenças ao nível dos bolsos metidos, da carcela e do feitio das costas que segue sempre o talhe do redingote.
Este mesmo modelo foi vulgarizado pelos estudantes da Universidade de Coimbra, estando documentado em imagens produzidas entre as décadas de 1830 a 1860. O modelo académico estudantil comportava variantes: tecidos pretos como a sarja e o merino, que não o cetim nem a seda; panos frontais inteiriços, sem costuras horizontais pelo baixo-ventre; forro vulgar, de axadrezado; carcela a toda a altura da costura vertical dianteira; situações de extremo cintamento (ca. 1848 a 1855), de que resultava a sempre criticada exibição das ancas.
A fotografia documenta um comendador do Espírito Santo, não identificado, que habitou em Roma.
Fonte: fotografias do período 1850-1880 divulgadas por Maurizio Bettoja, no artigo Clerical dress in the City of Rome..., disponível em http://www.freerepublica.com/focus/religion/2587265/posts, e em http://www.newliturgicalmovement.org/2010/09/clerical-dress-in-city-of-rome-in-the-19th_10.html; as restantes gravuras, editadas no mesmo local, são extraídas da obra Collectio legum et ordinationum de recta studiorum, Roma, 1827.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Docentes? Se sim, de que escola?
Esta fotografia, da autoria de J. Benoliel, integra o acervo do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa com a seguinte legenda e cota: "Grupo de lentes da Universidade de Coimbra no Palácio das Necessidades que veio apresentar ao rei [D. Manuel II] uma mensagem de congratulações", PT/AMLSB/AF/JBN/002751, Junho de 1908 (http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/sala/online/ ).
O documento fotográfico está incorrectamente identificado. Do que não pode tratar-se é de lentes da Universidade de Coimbra que não usavam fardamento militar nem antes nem após 1910 no âmbito das suas funções profissionais e protocolares. Era da tradição a UC enviar deputações às cerimónias de aclamação e funerais dos monarcas portugueses, mas os lentes envergavam sempre hábito talar e insígnias doutorais, mesmo nas situações limite, assim tendo acontecido no acto de juramento e aclamação de D. João VI no Rio de Janeiro.
À luz do rigoroso cerimonial da época e dos preconceitos que o rodeavam, seria vergonhoso os lentes vestirem-se com fardas que faziam lembrar o corpo de archeiros. Sujeitavam-se inclusivé aos rigores da praxe, podendo em tal situação ser punidos pelos estudantes.
Não serão antes docentes da Escola Naval ou da Academia Politécnica de Lisboa?
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Rabinos da Sinagoga Portuguesa da cidade de Nova Iorque
Fonte: Rua da Judiaria, http://ruadajudiaria.com/p=424
Bekiche de seda preta enramada com cinto
Uma conversa recente com o Doutor João Caramalho Domingues conduziu-me a intentar um excercício comparativo entre o feitio da capa e batina generalizada a partir da Universidade de Coimbra - cuja peça principal é uma casaca masculina preta talhada segundo a moda civil da segunda metade do século XIX - e a (sobre)casaca dos judeus hassídicos.
Distintas na origem e no feitio, ambas as casacas [ou sobrecasacas, termo que predomina em algumas regiões] (batina académica e bekische) têm algo em comum: 1) o uso da seda nos modelos judaicos mais elaborados, bem como na variante conimbricense dos membros do corpo docente (vulgo lentes); 2) a influência indesmentível da uniformologia militar do século XIX, assente nos valores da padronização e geometrização dos modelos vestimentários, que por seu turno influenciaria o vestuário civil de ambos os sexos e os uniformes profissionais (geometrização de linhas, abandono da ornamentação, supressão de peças duplas, utilização de menos quantidade de tecido).
A bekische é uma casaca masculina oriunda das comunidades hassídicas dos países de leste, com radicação na Hungria, Polónia e Rússia, depois levada para os EUA e para Israel. A origem desta peça de indumentária parece recuar ao século XVII, com bainha pelos calcanhares, mangas compridas estreitas e abertura dianteira de tipo túnica aberta. A cor predominante é o preto, embora sejam confeccionadas algumas em azul escuro e em branco (cor usada no Sabbat pelos grandes rabinos). Usa-se habitualmente sem gravata, com calções e meias altas, ou calças compridas metidas em meias altas (guerrer), cinto cingido e chapéu sobre a kippa. O chapéu mais conhecido, semelhante a uma coroa, é o grande tambor revestido de pelaria de marta, o shtreimel. Usam-se ainda outros menos ostentatórios, como o spodik, o kolpit e o vulgar fedora que é um chapéu de feltro industrial de entre-guerras.
A bekische pode ser confeccionda em tecido de lã, seda e seda lavrada. Conforme se escreveu mais acima, tudo leva a crer que a bekische foi decisivamente influenciada pelas casacas civis do século XIX, tendo então encurtado a bainha para a meia perna. Manteve as costas lisas, pormenor que vinha do antigo kftan masculino. As mangas levam três botões planos forrados, dispostos junto aos punhos. O feito do peito seguiu o modelo popularizado pelos casacos militares napoleónicos, com a carcela aberta e dobrada sobre o peito e duas carreiras de botões de botões planos, 3 em cada fileira.
Na Hungria e na Galicia, os hassídicos vestiam sobre a bekische um grande casacão de abafo(rezhvolke), semelhante ao viatório dos clérigos romanos, também em seda preta, com rebuços abertos sobre o peito e abotoadura assertoada à moda das casacas militares napoleónicas, como bem mostram fotografias de inícios do século XX.
Tanto a bekische como o rezhvolke podem levar galões de veludo metidos nas mangas, ornatos ao que parece oriundos da tradição húngara.
Retrato autógrafo, do estudante de Direito António Sardinha, por volta de 1911, notando-se os aportamentos de 1907-1910: batina com lapelas abertas revestidas de cetim preto, camisa de gola rígida alteada (gola postiça) e capa de lã com o colarinho enrolado. O monóculo estava na moda. À semelhança da barba, servia para definir um estilo. Ao tempo, o mais famoso monoculista foi o estudante de Direito e regente do Orfeon, António Joyce.