sábado, 5 de novembro de 2011

Cerimonial de colocação da pedra fundamental do monumento a Camões (1862)


Havendo-me  participado o marechal duque de Saldanha, presidente da comissão central dos subscritores para se levantar um monumento ao grande poeta nacional Luís de Camões, acharem-se concluídas as obras necessárias para a colocação da pedra fundamental; e querendo eu honrar a memória do imortal cantor dos altos feitos portugueses, que das gloriosas navegações e descobrimentos em que para sempre se afamaram no mundo, perante a civilização, as potentes armadas do Senhor Rei D. Manuel, meu ínclito avô; manifestando por esta ocasião o jubilo que me causa satisfazer-se no meu reinado a dívida que a nação tem há séculos em aberto, resgatada agora por uma subscrição espontânea dos meus leais e amados súbditos, em toda a monarquia e fora dela:
Tendo resolvido ir colocar por minhas reais mãos a pedra fundamental do monumento erigido ao imortalizado autor dos Lusíadas, na praça de Luís de Camões. E mando que este acto se faça com toda a solenidade, para o que se observará o cerimonial constante do programa, que foi submetido à minha régia aprovação pelo mesmo duque, presidente da comissão central dos subscritores, e que baixa assinado pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino.
O mesmo Ministro e Secretário de Estado assim o tenha entendido e faça executar. Paço da Ajuda, em 11 de Junho de 1862. Rei (D. Luís I). Anselmo José Braamcamp. Publicado no Diário de Lisboa, n.º 134, 2.ª feira, 16 de Junho de 1862.

Ver também VASCONCELOS, José Leite de – Etnografia portuguesa. Volume X. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1988, pp. 393-394. O autor confirma a colocação de moedas nas cerimónias de lançamento de 1.ª pedra do monumento ao Duque de Loulé (Diário de Notícias, de 26.7.1875) e do monumento a Vasco da Gama (26.1.1925). No Vaticano era de tradição amortalhar-se os papas com três bolsinhas contendo moedas de ouro, prata e cobre.

 Programa para a solenidade da colocação da pedra fundamental do monumento de Camões
Artigo 1.º: Sua Majestade El-Rei há por bem designar o dia 28 do corrente mês de Junho, pelas seis horas da tarde, para ir colocar por suas reais mãos a pedra fundamental do monumento que se há-de erigir na praça de Luís de Camões à memória do imortal autor dos Lusíadas.
Artigo 2.º: Se acaso Sua Majestade a Imperatriz do Brasil, viúva duquesa de Bragança, se dignar de (sic) assistir a este acto, o duque mordomo-mor tomará as disposições necessárias para a recepção da mesma Imperial Senhora.
Artigo 3.º: Para esta solenidade se farão os convites do estilo ao corpo legislativo, ao corpo diplomático, à Câmara Municipal de Lisboa, aos titulares e mais pessoas que formam a corte, à Academia Real das Ciências e demais corporações científicas e literárias, às autoridades eclesiásticas, civis e militares, assim como outras quaisquer pessoas que devam concorrer à mesma festividade.
Artigo 4.º: Ao poente da praça de Luís de Camões se armará a tribuna para Suas Majestades, e a família real.
Artigo 5.º: No centro da praça para o lado poente se armarão três pavilhões convenientemente adereçados, atapetando-se o espaço que mediar entre eles e a tribuna real.
Artigo 6.º: Dentro do pavilhão central e sobre uma mesa coberta de veludo estará o modelo do monumento, e uma escrivaninha para a assinatura do auto desta cerimónia. O pavilhão do lado direito é destinado para o corpo legislativo, e o esquerdo para o corpo diplomático.
Artigo 7.º: No meio do alicerce estará a pedra fundamental aprumada, e coberta com uma alcatifa de veludo carmesim franjada de oiro.
Artigo 8.º: Junto do alicerce haverá dois bufetes cobertos com bancais de veludo carmesim.
Artigo 9.º: No bufete do lado esquerdo estará uma padiola forrada de seda azul e branca, e sobre ela um cofre de mármore.
Artigo 10.º: No bufete do lado direito estará uma bandeja de prata com um cofre do mesmo metal; e bem assim seis salvas, contendo a primeira o auto de assentamento da pedra fundamental; a segunda a lâmina com a inscrição comemorativa; a terceira as moedas nacionais em oiro, prata e cobre; a quarta a trolha de prata com o cimento; a quinta a colher; a sexta o camartelo.
Artigo 11.º: A tribuna real, o pavilhão central e todo o espaço entremédio (sic) serão rodeados por duas alas da guarda real dos archeiros.
Artigo 12.º: Às cinco horas da tarde as tropas da guarnição de Lisboa formarão em parada aos três lados da praça de Luís de Camões, norte, sul e leste.
Artigo 13.º: Sua majestade El-Rei e seu augusto pai El-Rei o Senhor D. Fernando, saindo do paço da Ajuda, e trazendo por guarda de honra um esquadrão de cavalaria, entrarão na praça de Luís de Camões pela rua do Alecrim.
Artigo 14.º: A Câmara Municipal de Lisboa, a corte, a comissão central dos subscritores do monumento, e mais pessoas convidadas, esperarão Suas Majestades no vestíbulo da tribuna real, indo depois ocupar os lugares que lhes estiverem destinados.
Artigo 15.º: Os oficiais mores da casa real, os gentis homens da câmara, os ajudantes de campo de Suas Majestades e os membros da comissão central dos subscritores, ficarão na tribunal real, de pé e atrás de Suas Majestades.
Artigo 16.º: Assim que Suas Majestades houverem chegado à tribuna receberão a continência das tropas.
Artigo 17.º: Em seguida encaminhar-se-á o cortejo para o centro da praça, indo na frente os porteiros da real câmara com as maças de prata, e logo os reis de armas, arautos e passavantes [ajudantes dos arautos ou pregoeiros] com as suas cotas [librés de gala ou tabardos]. Seguir-se-ão as corporações, autoridades e mais indivíduos convidados, guardando entre si a mesma precedência: a Câmara Municipal de Lisboa; os titulares e mais pessoas que formam a corte, indo os grandes do reino na ala direita e cobertos, e os outros personagens na ala esquerda; o Conselho de Estado; o Ministério [Conselho de Ministros]; os membros da Academia Real das Ciências; a comissão central dos subscritores do monumento; e por último Sua Majestade o Senhor D. Fernando e Sua Majestade El-Rei, seguidos dos gentis homens da real câmara e ajudantes de campo.
Artigo 18.º: Assim que Sua Majestade El-Rei houver chegado ao pavilhão, o duque de Saldanha, presidente da comissão central dos subscritores, lerá o auto narrativo desta solenidade, por ele previamente redigido, bem como a seguinte inscrição esculpida em lâmina de cobre:

Nomini immortali
Aloisii de Camoens
Lusitanorum poetarum
Temporis sui
Principis
Hoc monumentum
Voluntariis elargitionibus
Fuit erectum
Cuius lapidem auspicalem
In tanti operis molitionem
Ludovicus I
Portugalliae et Algarbiorim Rex
Quarto kalendas mensis juliis
Anno MDCCCLXII
Plaudentibus civibus universis
Solemniter fixit

Artigo 9.º: Finda esta leitura, o mesmo duque presidente oferecerá a Suas Majestades uma pena de oiro para assinarem o auto; e, obtida permissão de Sua Majestade El-Rei, será também assinado pelo Ministério, pela comissão central dos subscritores do monumento, pelos presidentes das câmaras legislativas, e pelo da Câmara Municipal.
Artigo 20.º: Assinado o autor, serão apresentados em salvas de prata a Sua Majestade El-Rei: pelo vice-presidente da comissão central, Francisco de Paula S. Tiago, o cofre de prata; pelo duque presidente, o auto já assinado; pelo secretário, Joaquim Pedro de Sousa, a lâmina comemorativa; e pelo tesoureiro, Carlos Krus, as moedas nacionais.
Artigo 21.º: Sua Majestade El-Rei, recebendo todos estes objectos, depositá-los-á no cofre, e fechando-o à chave entregará esta ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, para ser depositada com um traslado do auto, no arquivo dos paços do concelho.
Artigo 22.º: Os membros da comissão central, António Feliciano de Castilho, José da Silva Mendes Leal Júnior, José Maria Eugénio de Almeida e António da Silva Túlio, tomarão a padiola em que está o cofre de mármore, e a levarão até junto de Sua Majestade El-Rei, que, recebendo o cofre de prata das mãos do duque presidente, o meterá dentro no (sic) de mármore. Depois os mesmos quatro vogais conduzirão a padiola até ao alicerce, onde o director da obra, pegando neste cofre o depositará na cavidade da pedra fundamental, e lhe assentará a laje para esse fim aparelhada.
Artigo 23.º: Sua Majestade El-Rei, recebendo das mãos do vogal da comissão, conde de Tomar, a colher, e tirando da trolha, que lhe apresentará o vogal conde do Farrobo, um pouco de cimento, o deitará nas juntas da pedra, em acto contínuo a baterá com o camartelo, que lhe será oferecido pelo membro da comissão visconde de Menezes.
Artigo 24.º: Uma girândola de foguetes, correspondida por uma salva real no castelo de S. Jorge e demais fortalezas, bem como dos navios de guerra surtos no Tejo, anunciará a colocação da pedra fundamental do monumento consagrado à memória de Camões.
Artigo 25.º: O cortejo voltará na mesma ordem acompanhando Suas Majestades à tribuna real, em frente da qual desfilarão, na presença dos mesmos augustos senhores, as tropas que formarem a parada.

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