sábado, 5 de novembro de 2011

Imagem 6: discurso proferido por Afonso XIII no salão nobre dos paços do concelho de Lisboa com rigorosa observância do cerimonial. Dossel montado sobre estrado de degraus, estando o monarca de pé e acompanhado por D. Carlos, à esquerda, e D. Amélia, à direita. Presidente e vereadores vestem casaca, desde finais do século XIX adoptada como traje de rigor dos vereadores portugueses. A bandeira do município é conduzida desenrolada por um oficial municipal que se encontra de pé (no século XX as bandeiras passaram a estar fixas no espaço reservado no topo de uma sala ou teatro).
Tradicionalmente, o cerimonial de recepção de um alto dignitário real ou eclesiástico em paços de concelho obedecia a um programa detalhado: recepção solene nas fronteiras do município (os de Coimbra iam a Condeixa, os do Porto iam a Grijó receber as comitivas visitantes); cortejo equestre ou de carruagens de grande gala até ao edifício dos paços do concelho; Te Deum em igreja (devendo o rei ser acolhido com pálio); cerimónia da entrega das chaves das portas da cidade/vila em pavilhão expressamente armado para o efeito; recepção à porta principal dos paços do concelho por representantes de todos os grupos sociais; discursos de saudação, sendo obrigatório o monarca responder com um agradecimento individual ao representante de cada grupo; saudação à multidão na janela principal/varanda dos paços do concelho; cumprimento de programa diversificado que podia incluir visita a regimentos, museus, laboratórios, escolas, hospitais, igrejas, serenata, fogo de artifício, sarau, banquete; cerimónia de despedida, devendo o visitante ser escoltado até às fronteiras do município.
Até à revolução liberal oitocentista as visitas oficiais do monarca, especialmente quando se deslocava acompanhado pela corte, constituiam pesado encargo para as finanças municipais que tinham a obrigação de garantir a aposentadoria (alojamento) e a alimentação. Durante os dias da estadia eram consumidas inúmeras pipas de vinho, cozidas abundantes fornadas de pão de trigo e pão doce e assados animais de variado porte. O monarca costumava patrocinar por alturas de aclamações, casamentos e entradas bodos ou vodos, que eram distribuições generosas de comes e bebes às populações. Na minha infância ainda conheci resquícios deste costume nos bodos populares que podiam ser de carne/pão/vinho ou de leite/pão de trigo. Quando a rainha D. Maria II fez a sua visita de estado entre Lisboa e o norte de Portugal em 1852 (foi a última viagem oficial por terra em carruagens, usando-se depois o comboio) as câmaras mandaram perguntar à casa real quais eram as orientações quanto a cama e mesa, alegando não ter réditos bastantes para alojar e alimentar a corte. D. Maria II respondeu que as despesas eram por conta da casa real, atitude que tornou a visita um périplo de sucesso. Ainda hoje em Ovar corre na memória oral que a rainha cansada (sofria de obesidade mórbida) da viagem e agastada com as traquinices dos infantes lhes chimpou sonoras bofetadas em plena varanda dos paços do concelho, reprimenda que foi aplaudida e tomada por exemplar.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial