sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Costumes e formalidades ligadas ao casamento nas comunidades tradicionais

O pedido de namoro
Até aos inícios do século XX em todas as localidades portugueses namorava-se para casar e casava-se para consolidar património, ter filhos e amparar a família. A relação iniciava-se no dia do consentimento do pedido.
O casamento poderia ser antecedido por um período de namoro consentido e autorizado pelo pai da noiva.
Em algumas aldeias, o pedido de casamento obedecia a um formulário. O candidato deslocava-se à casa dos pais/padrinhos/tutores da noiva, chamava em voz alta pelos moradores ou batia na porta da cozinha com a mão as três sacramentais pancadas. O pedido podia ser feito à porta ou já com o noivo sentado na mesa da cozinha em frente ao futuro sogro.
Em Germil, Ponte da Barca, o candidato ficava à porta da casa dos pais da rapariga e dizia:

Noivo: Olê?
Pai da noiva: Qui é que quêr?
Noivo: Gente de paz e bô viver.

Pai da noiva: Venha par’dentro, que dessa gente é que há-de haver.

Seguia-se a formalização do pedido que podia ser deferido ou indeferido. Sentando-se em torno da mesa, o candidato expunha as suas intenções e formulava o pedido: “Senhor fulano, eu sou um homem honesto, trabalhador, poupado, gosto da sua filha e vinha pedir autorização para a gente se casar”. Consentindo, o futuro sogro, abria uma garrafa de licor caseiro, brindava e a partir desse momento podia decorrer o namoro de janela. Não consentindo, respondia “Eu não tenho filhas para casar”,devendo o candidato retirar-se, situação que implicava habitualmente corte de relações e namoro clandestino.
Na povoação de Alturas, Barroso, o formulário era o seguinte:

Pai da noiva: Quem stá lá?
Candidato: Gente de paz
Pai da noiva: que pertende de cá?
Candidato: Honra, mulher e dinheiro.
Pai da noiva: Tudo cá há para lhe dar.

Aberta a porta, e apresentada a noiva, o candidato recitava-lhe quadras alusivas à sua condição patrimonial. Noutras localidades, o pedido era formulado por uma medianeira que a incumbências do interessado se deslocava a casa dos pais da noiva e depois trazia a resposta.
O pedido urbano é mais formal e frequentemente completado com um segundo momento, o pedido de noivado, que implica a oferta à noiva de um anel de ouro com brilhante (anel de noivado, solitário). O anel de noivado masculino só começou a generalizar-se nos meios rurais pela década de 1970.

Pedido de casamento
Há notícia de realização de pedido por parte do nubente no dia do próprio casamento. Em Condeixa-a-Nova era costume o noivo juntar os seus convidados na casa paterna, convidando todos a iniciar o cortejo em direcção à casa dos pais da noiva: “Peço-lhe o favor de me acompanharem todos a casa minha futura esposa, para depois dali seguirmos para a igreja”.
O cortejo punha-se em marcha, sendo o noivo ladeado por dois padrinhos.
Chegados junto à habitação dos pais da noiva, deveria o noivo chamar em voz alta. Em certas casas, a família da noiva fechava as janelas e gelosias por pirraça, deixando o noivo envergonhado se este não soubesse recitar os versos de estilo.
Um dos padrinhos dirigia-se à porta principal, batia três pancadas com a mão ou com uma bengala e aguardava. De dentro perguntavam:

Mãe da noiva: Quem procura?
Padrinho do noivo: Honra, virgindade, uma garfada de boa enxertia e uma argola para um pau (a resposta devia ser em versos rimados).
Mãe da noiva: Entre que tudo isso aqui há.

Competia à mãe da noiva apresentar a noiva aos convidados do noivo.

Proclamas
O casamento católico passou a ser considerado sacramento no século XVI por determinação do Concílio de Trento. A função religiosa em templo era obrigatoriamente antecedida de banhos, pregões, proclamas ou denúncias.
Durante os três domingos que precediam o casamento, o padre lia em voz alta na missa um pregão do tipo “Com o favor de Deus e da Santa Madre Igreja querem contrair o santo sacramento do matrimónio X e Y (nome, idade, estado, ocupação, naturalidade, filiação, residência). Quem souber de algum impedimento que faça com que este casamento não possa realizar-se, debaixo de pena de excomunhão maior o declare e na mesma excomunhão incorre aquele que por malícia, o pretender impedir”.

Prendas ao padre
Nalgumas terras, como Tolosa (Niza) no primeiro domingo das proclamas os noivos ofereciam ao padre uma galinha e um quartro de borrego. Em Niza, o padre recebia dinheiro, trigo (meio alqueire), vinho (2l), carne (1 quarta) e uma galinha.

Serenata à noiva e aos noivos
Em Idanha-a-Nova, e mais particularmente em Medelim, era costume os rapazes solteiros, munidos de viola de arame, irem cantar em violada ou em rusga à porta da noiva, que conjuntamente com o noivo ouvia a serenata e retribuia com amêndoas caseiras e tremoços doces. A rusga fazia voltas à povoação, cantava durante o passa calle e voltava à porta da noiva segunda e terceira vez.

As bicas
Na povoação de Jarmelo (Guarda), no último domingo das proclamas, a noiva reunia as amigas de solteira e oferecia-lhes uma caldeira de papas de milho e leite, arroz doce e coscoréis. Por seu turno, o noivo trazia os amigos e oferecia pão, queijo e vinho. Corresponde à urbana festa de despedida de solteiro.

Convites
Tradicionalmente os convites de casamento eram orais, indicando-se o dia, hora e local e o percurso do cortejo (a pé, em carroças). Pelo mesmo modo se convidavam os padrinhos do noivo e da noiva.
Foi nos casamentos urbanos da aristocracia e da alta burguesia que se começou a utilizar o convite escrito, popularizado no primeiro terço do século XX. Na participação urbana escrita, o convite segue uma fórmula esteriotipada, sendo os pais a convidar: P e Y participam o casamento de sua filha X com o Exmo. Sr. T, filho da Exma. Sra. D. M e do Exmo. Sr. J. e oferecem a sua casa em (morada). Noutros indica-se o dia, hora, local. Nos mais recentes, inclui-se o trajecto entre o local da cerimónia e o restaurante.

Presentes da noiva
Por influência dos casamentos urbanos, quase todos os noivos organizam listas de prendas em lojas comerciais, outros pedem dinheiro ou electrodomésticos. Estas prendas costumam ser entregues antes do casamento.
No concelho de Óbidos, nos antigos casamentos rurais, as vizinhas e amigas visitavam a noiva no dia seguinte ao casamento, ofertando-lhe panos de linho, feijão seco, carne de porco, azeite, vinho. A noiva deveria agradecer a visita e as prendas, distribuindo licores e fatias de bolo dos noivos.

Guloseimas às crianças
Em terras de Óbidos, Cadaval e outras, os padrinhos levavam bolsinhas com guloseimas para distribuir às crianças que vinham espreitar o cortejo nupcial e se apinhavam no adro da igreja. Habitualmente confeitos e amêndoas. Os padrinhos sovinas eram alvo de cantorias mordazes, tal como acontecia aos que nada ofereciam no pão-por-deus.

Enxoval
Tradicionalmente os noivos pobres não tinham dote e optava por morar em casa dos pais. Dizia-se que a noiva não levava tijela nem penico. O noivo também não tinha património que não fosse de alfaias agrícolas.
Nas povoações do município de Mafra era costume os noivos irem de carro de bois à vila comprar o enxoval, regressando com o carro ornamentado.
Nos meses que antecediam o casamento, a noiva, a madrinha de baptismo e a mãe bordavam abundantemente lençóis, travesseiros, toalhas, e confeccionavam peças de vestuário que constituíam o enxoval da noiva.

Casamento civil
O casamento civil foi instituído em Portugal pelo Código de Registo Civil de 18.2.1911, devendo preceder o religioso. Era habitualmente celebrado pelo conservador na sala de actos do registo civil ou na casa dos pais de um dos noivos. Cumpridas as formalidades requeridas, o conservador lia os artigos da lei, sinalizava os deveres dos nubentes e declarava-os casados em nome da República Portuguesa. O conservador, os noivos e as testemunhavam assinavam no fim o respectivo auto.
Copiado de França, país onde o casamento civil é uma importante festa familiar, em Portugal o casamento civil ficou sempre uma cerimónia incaracterística que os noivos fazem o “frete” de fazer porque é obrigatória.

Cortejo nupcial
Na actualidade os cortejos nupciais são iguais em figurino seja qual for a crença religiosa dos noivos. A partir da década de 1970 tornaram-se visíveis incorporações de tradições trazidas pelos emigrantes portugueses em França, Suiça, EUA, Canadá, África do Sul.
Os noivos abastados faziam o trajecto de ida e volta em viaturas de tracção animal decoradas com flores, fitas e colchas. Os noivos de condição modesta faziam o trajecto a pé, no mesmo estilo das procissões.
Na maior parte das terras, a comitiva do noivo ia e voltava da igreja em separado da comitiva da noiva. No casamento urbano, as comitivas seguem separadas para o templo, mas desfilam em cortejo conjunto até ao local da boda.
Em Ponte da Barca, os noivos abastados eram no regresso da igreja esperados à porta da sua nova morada pela criadagem, abraçando as criadas a noiva. O costume é obviamente de origem fidalga.
Em Condeixa-a-Nova e no Sabugal, o noivo formava cortejo com os seus convidados, caminhava até à casa dos pais da noiva, batia três pancadas na porta, e perguntado quem era e o que queria, respondia em verso. Nuns casos respondia a mãe da candidata, ou então a madrinha, autorizando a abertura da porta e a entrada do noivo.
Em certas povoações do município de Paredes, e na Nazaré, as flores e confeitos eram lançados sobre os noivos ainda dentro do templo. Noutras ocorria quando os noivos assomavam à porta da igreja. O confeito miudinho de açúcar branco era um doce muito considerado, sendo nas universidades de Coimbra e de Salamanca parte da propina paga pelos bacharéis na colação do grau. Em certas povoações, lançavam-se molhadas de trigo sobre os noivos, símbolo de abundância, prosperidade e fartura, que a noiva recolhia e levava para casa.
Em Vermoil, Pombal, finda a cerimónia religiosa, o noivo seguia para casa dos pais. A noiva dirigia-se com as madrinhas para casa de seus pais. Esta separação obedecia a um formulário, dizendo o noivo às madrinhas da noiva: “Senhoras madrinhas, aqui lhes entrego a minha mulher livre e desembargada, espero que ma entregarão tal qual lha entrego”. Ao fim da tarde ou à noite, era a noiva levada pelas madrinhas para a nova habitação, cozinhava e em seguida era fechada à chave. Chegava o noivo com os pais, padrinhos e convidados, batia à porta e seguia-se um diálogo:

Madrinhas: Quem vem lá?
Noivo: Gente de paz!
Madrinhas: Que querem os senhores?
Noivo: Vimos ver se podem dar agasalho a um pobre maltez.
Madrinhas: Não pode ser!

Após várias tentativas, as madrinhas abriam a porta, entregavam a chave ao noivo e diziam: “Aqui tens a tua mulher livre e desembargada”.

Boda
Até à década de 1920 realizam-se separadamente duas bodas, a da família do noivo e a da família da noiva. Cada um tratava dos seus convidados, abate de gados, comida, bebida e despesas.
Nas terras dos arredores de Coimbra era costume distribuir fatias dos bolos pelas casas e cantar serenatas aos noivos. A distribuição de doces também se fazia nos Açores.
Modernamente está generalizada a boda conjunta, que reúne no mesmo local os convidados do noivo e da noiva, havendo quem reparta as despesas por igual (meio por meio) ou quem pague em função do número de convidados que leva.

Bolo dos noivos
O bolo dos noivos não era costume generalizado em Portugal. Era confeccionado, fatiado e distribuído em algumas terras. O “bolo da noiva”, recamado de branco é um costume urbano. Na Columbreira, o bolo tinha forma de ferradura, com o rebordo exterior recortado e simulação das cabeças dos cravos metálicos. A receita levava farinha de trigo, açúcar, um cálice de aguardente, canela, manteiga e limão. Quem partia o bolo e dava uma fatia a provar à noiva, repartindo o restante pelos convidados era a madrinha da noiva. No casamento urbano, os noivos empunham conjuntamente uma faca, fatiam o bolo, provam primeiro e depois distribuem. Em 1911, quando foi instituído o registo civil, passou a coser-se um segundo bolo dos noivos que era oferecido ao conservador do registo.
A ferradura coincide sensivelmente com a forma da cornucópia e do “croissant”, servindo para esconjurar o azar e propiciar a abundância na vida do casal. Na região de Coimbra fazia-se o “bolo da noiva”, de massa doce, pondo-se por cima um raminho de flores ou duas figurinhas de açúcar que simbolizavam o noivo e a noiva. Na actualidade ainda há pastelarias que usam colocar os noivos de plástico sobre o bolo.

Confirmação de papéis
Em aldeias do concelho de Cinfães, os amigos dos noivos armavam mesas no caminho onde transitava o cortejo nupcial, onde depositavam materiais de costura e de poda. Os nubentes deveriam sentar-se, um de cada lado, e demonstrar perante a comunidade a sua aptidão para as tarefas domésticas (enfiar a agulha e coser) e agrícolas (manejar o podão ou a enxada com perícia).
No fim brindavam com vinhos e doces.

Baile
Foi tradição em muitas terras realizar-se um baile em honra dos noivos na noite do dia do casamento: bailarico, bailho, balho, feito na casa de baile, isto é, na sala principal da moradia.

Obstáculos e charivaris
Na cultura tradicional europeia e portuguesa havia o costume de se atormentar os noivos jovens e velhos (segundas núpcias) com caçoadas e partidas.
Na actualidade besuntam-se carros e enchem-se as camas de armadilhas (lençóis de bicicleta, urtigas, açúcar, pacotes de leite).
Nos Açores os rapazes solteiros juntavam-se na madrugada da noite do casamento e iam com latas, búzios e chocalhos afligir os noivos. Se estes acendessem a luz, abrissem a porta e ofertassem petiscos e vinhos, tudo acabava em bem. Se não respondessem, eram castigados com uma novena de latadas.
Em Videmonte, Guarda, atiravam-se punhados de sal aos noivos durante o trajecto de regresso da igreja ou armavam-lhes trincheiras com paus e instrumentos agrícolas e barravam-lhes o caminho com fitas e cordeis. Noutras terras, durante a cerimónia religiosa tocavam-se dobres a finados em vez de repiques festivos para irritar os novos e familiares.

Lua de mel
A lua de mel é uma tradição urbana internacional implantada no último terço do século XX nos meios rurais.

Alianças
A bênção e troca de alianças no acto do casamento (algumas com nomes e datas gravadas no interior) é uma tradição aristocrática que só se popularizou no século XX. Na década de 1920 ainda era considerada novidade.

Entrega das chaves da casa
No Louriçal, concelho de Pombal, após o regresso da igreja, a chave da casa era posta nas mãos do noivo que, voltando-se para os convidados dizia:
“Toma lá esta chave, para fechar e desfechar a toda a hora que quiseres entrar, ou com amigos ou sem eles. Se tiveres alguma coisa a dizer, di-lo na presença, não o digas na ausência”.

A noiva recebia as chaves e respondia em voz alta:
“Meus padrinhos e madrinhas, todos que me acompanharam da minha casa até à igreja e da igreja até minha casa, façam favor de entrar e assentem-se por donde puderem e comam do que houver, que eu hoje aqui não governo nada, nem o meu marido. Se houver alguma falta, fazem o favor de me desculpar”.

Vestido da noiva
O vestido branco de noiva com véu é um costume aristocrático do século XIX lançado em 1840 pela rainha Vitória da Inglaterra. Nas primeiras duas décadas do século XX foi apropriado pela alta e média burguesia. As revistas ilustradas mundanas e os catálogos de moda dos grandes armazéns do pronto-a-vestir desempenharam um papel fundamental na popularização do vestido da noiva em Portugal.
Nos meios rurais a noiva vestia traje domingueiro ou de festa, sempre com saia pregueada comprida, como confirmam todas as recolhas de trajes de noivos efectuadas por grupos folclóricos. O traje de noivo era a indumentária domingueira e não o fraque com cartola.

Ramo da noiva
Na tradição portuguesa o ramo da noiva era de flores naturais de laranjeira.

Atirar o ramo da noiva
A brincadeira generalizada que consiste em a noiva reunir as solteiras presentes na boda e lançar para trás das costas o ramo não é um costume tradicional português.

Leilão da liga
A liga não integrava os costumes tradicionais portugueses.

Objectos ligados a superstições
O costume da noiva levar um objecto velho, um objecto novo, um objecto emprestado e um objecto azul é oriundo da Grã-Bretanha.

Carregar a noiva ao colo
Embora faça parte da imagem de marca de muitos filmes românticos, nas comunidades tradicionais portuguesas o noivo não entrava na nova morada com a noiva ao colo. Ou entravam os dois em simultâneo, após a boda, ou a noiva já lá estava acompanhada das madrinhas, sendo solenemente entregue ao marido pelas ditas madrinhas.

Fontes
VASCONCELOS, José Leite de (1988), Etnografia portuguesa. Volume X. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.
Citar: AMNunes, Costumes e formalidades ligadas ao casamento nas comunidades tradicionais, http://virtualandmemories.blogspot.com/, 3.12.2011

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