sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (I)

Os textos constitucionais têm sido estudados como fontes privilegiadas do direito constitucional, ciência política e enquadramento dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ao contrário das constituições sinodais, ainda não despertaram o interesse dos historiadores e estudiosos do cerimonial público.
Nesta prospecção procura-se perceber como é que os regimes políticos contemporâneos portugueses entenderam o papel das cerimónias públicas e das normas protocolares, e do que dispuseram quanto ao exacto lugar dos órgãos da administração central do Estado e seus representantes.
Não se considera o texto produzido durante a governação de Passos Manuel, dada a sua curta aplicabilidade no tempo e no espaço do liberalismo constitucional.

I – Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 23 de Setembro de 1822
Texto elaborado em Lisboa pelos deputados reunidos após a Revolução Liberal de 1820, estando o rei D. João VI e a corte no Rio de Janeiro. Portugal é definido como um estado pluricontinental (art. 20.º), cuja religião oficial é o catolicismo romano (art. 25.º).
A forma de governo é a monarquia constitucional hereditária (art.º 29º), regime que implicava a divisão dos poderes estruturantes do Estado e a redefinição das funções-poderes do monarca reinante.
O art. 30.º especifica que existem três poderes políticos independentes entre si, com a seguinte ordem de precedência:

· Poder Legislativo (personificado pelos deputados em cortes, cuja cabeça seria o Presidente)
· o Poder Executivo (personificado pelo Rei, auxiliado pela equipa de secretários de estado)
· o Poder Judicial (personificado pelos juízes togados).

Os formalismos a observar na organização e direcção dos trabalhos parlamentares vinham criteriosamente especificados.
Pelo art. 78.º, na sessão anual de 20 de Novembro os deputados deveriam eleger o seu Presidente, o Vice-Presidente e quatro secretários administrativos. Concluído o acto eleitoral, iriam à sé catedral de Lisboa ouvir missa do Espírito Santo.
No fim da missa, o Presidente e os deputados prestavam juramento solene pondo a mão direita sobre a Bíblia. A fórmula de juramento e posse do Presidente eleito era a seguinte:

“Juro manter a religião católica apostólica romana; guardar e fazer guardar a Constituição política da monarquia portuguesa, que decretam as cortes extraordinárias e constituintes do ano de 1821; e cumprir bem e fielmente as obrigações de deputado em cortes, na conformidade da mesma Constituição”.
Idêntico juramento era prestado pelo Vice-Presidente. Os deputados formavam fila, aproximavam-se, posicionavam-se frente ao Presidente e pondo a mão direita sobre a Bíblia diziam em voz alta à vez “Assim o juro”.
Terminada a solenidade religiosa, os deputados voltavam à sala das sessões das cortes (art. 79.º). Tomados os respectivos lugares, o Presidente dizia “Declaro as cortes instaladas”. De seguida nomeava uma deputação de 12 elementos para comunicar ao rei a instalação das cortes e averiguar se este pretendia assistir à cerimónia de abertura.
A primeira sessão das cortes teria lugar no dia 1 de Dezembro (art. 80.º). O rei poderia assistir, mas deveria entrar na sala sem guarda e acompanhado unicamente das pessoas que fossem referidas no regimento interno das cortes. Cabia ao rei proferir um discurso inaugural, ao qual responderia o presidente. Em caso de impossibilidade, o rei poderia designar um dos secretários de estado para proferir o discurso de abertura. O ano parlamentar seria encerrado com uma cerimónia idêntica.
O rei só poderia assistir às sessões de abertura e de encerramento das cortes (art. 91.º).
Era função reservada do parlamento (art. 102.º):

· tomar juramento constitucional ao rei, ao príncipe real, regência do reino e regente;
· reconhecer o príncipe real como legítimo sucessor;
· eleger e empossar a regência ou o regente.

Antes da cerimónia tradicional de levantamento e aclamação, o rei tinha de prestar juramento constitucional na sala das sessões dos deputados, ante o Presidente, com a seguinte fórmula (art. 126.º):
“Juro manter a religião católica apostólica romana; ser fiel à nação portuguesa observar e fazer observar a Constituição política decretada pelas cortes gerais extraordinárias e constituintes de 1821 e as leis da mesma nação; e prover ao bem geral dela, quanto em mim couber”

A pessoa do rei era considerada inviolável e irresponsável (art.º 127.º), com direito a tratamento de Majestade Fidelíssima.
O filho do rei, herdeiro presuntivo do trono, teria tratamento de Príncipe Real (art. 133.º). O seu filho primogénito, título de Príncipe da Beira. Os restantes filhos do rei teriam tratamento de infante/infanta.
O herdeiro da coroa seria reconhecido pelos deputados reunidos em cortes na primeira sessão após o respectivo nascimento (art. 135.º). Feitos 14 anos, o herdeiro prestaria juramento constitucional ante o Presidente das cortes, com a seguinte fórmula:

“Juro manter a religião católica apostólica romana; observar a Constituição política da nação portuguesa; ser obediente às leis e ao rei”.

A constituição acautelava o princípio da primogenitura (art. 141.º) e da sucessão por via da nacionalidade portuguesa (art.º 143.º). Se a sucessora fosse “fêmea” estava obrigada a casar com português, após aprovação do consorte pelas cortes (art.º 145.º). O marido da rainha reinante tinha direito ao título de Rei, mas só poderia começar a usá-lo após o nascimento do primeiro filho.
Por morte ou incapacidade do rei, sendo o sucessor de menor idade, as cortes elegiam a regência (art.º 148.º) e davam posse aos seis elementos e respectivo presidente (art. 151.º).
No que respeita ao Poder Executivo (art. 123.º), competia ao rei nomear os secretários de estado e respectivo presidente; nomear os magistrados para provimento dos tribunais e Ministério Público; fazer a apresentação dos bispos; nomear os comandantes das forças armadas de terra e de mar; nomear os embaixadores, agentes diplomáticos e cônsules; conceder títulos de nobreza, honras e distinções.
No artigo 157.º, a constituição autorizava a existência de seis secretarias de estado e ordenava a respectiva precedência:

· Negócios do Reino (Administração Interna)
· Fazenda (Finanças e Património do Estado)
· Guerra
· Marinha
· Negócios Estrangeiros.

Após os secretários de estado (equivalentes aos actuais ministros de Estado) vinha o Conselho de Estado (art. 162.º), composto por cidadãos eleitos em cortes, que deveriam tomar posse ante o rei, com o seguinte juramento (art.º 162.º):
“Juro manter a religião católica, apostólica romana; observar a Constituição e as leis; ser fiel ao rei e aconselhá-lo segundo a minha consciência, atendendo somente ao bem da nação”.

Apesar de não vir explicitado, subentende-se que a precedência no Conselho de Estado seria aferida em função da antiguidade no cargo e pela data da emissão da carta de conselho.
No artigo 171.º e seguintes abordava-se“a força militar”, mas não vinham enunciadas quaisquer orientações relativamente ao cerimonial a adoptar.
O Poder Judicial (art.º 176 e ss.) limitava-se a um lacónico “pertence aos juízes”, presumindo-se a regulação cerimonialística quanto a hierarquias, posses, juramentos, formas de tratamento, em diploma complementar. Ao longo de todo o século XIX não existe a noção de representante máximo do Poder Judicial. Para efeitos de cerimonial de estado existe o conceito de “tribunais”, representação colegial concebida em função de cada localidade, onde marcam presença os juízes e os magistrados do Ministério Público. Existia, contudo, o sentido da precedência entre tribunais de 1.ª instância e tribunais superiores e a noção de primazia do presidente do tribunal de relação (2.ª instância) em todo o território do respectivo distrito judicial.
Quanto à administração pública regional e local, o texto constitucional é omisso. O art. 212.º limita-se a falar de um governador por cada distrito que será de nomeação régia. Sobre as câmaras municipais nada se adianta (art. 218.º).
O texto constitucional explicitava as formalidades e solenidades a observar quanto à aprovação e publicação das leis constitucionais (art. 113.º) que deveriam conter o nome e títulos do rei, o selo de Estado, a assinatura do rei, a assinatura do ministro da respectiva pasta, a publicação impressa no diário oficial e o arquivamento de exemplares no arquivo do parlamento e no arquivo nacional da Torre do Tombo.
A constituição de 1822 vinha chocar fortemente com os estilos de vida e as convicções enraizadas nas representações absolutistas e tridentinas do poder. Desconfiados, os deputados exigiram que os municípios e D. João VI jurassem aceitar o novo documento orientador. Assim, chegado ao Tejo e ainda antes de desembarcar, D. João VI deveria jurar pela fórmula redigida pelos deputados em 1.10.1822:

“Aceito, e juro guardar e fazer guardar a Constituição política da monarquia portuguesa, que acabam de decretar as cortes constituintes da mesma nação”.
Disponível em http://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/993.pdf
Citar: AMNunes,« Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (I)», in http://virtualandmemories.blogspot.com/, 17.12.2011.

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