sábado, 11 de fevereiro de 2012

Regente da Charamela da Universidade de Coimbra, 1987. Enverga casaca preta com colete e calças compridas, veste de rigor adotada desde meados do século XIX nas grandes orquestras pelos maestros, músicos e divos solistas. Exterior da Biblioteca Joanina, aguardando a saída do cortejo académico na cerimónia de abertura solene das aulas, Novembro de 1987.
A charamela é um grupo musical de composição eclética e durabilidade efémera que acompanhou a maior parte das universidades medievais europeias até ao século XIX. A pé, a cavalo e em sala, atuava na receção a chefes de estado e altos dignitários, anunciava a cerimónia de véspera (bando e pregão), abria os cortejos, sinalizava os momentos solenes do calendário académico e simbolizava a presença do reitor. Em Coimbra, a Universidade persistiu em manter a charanga. Como se disse, não se trata de uma agremiação que tenha sede permanente na Universidade. Não há vestiário, nem sala de ensaios, nem armário de instrumentos, nem arquivo de partituras. Os músicos eram tradicionalmente recrutados nos municípios dos arredores de Coimbra (Montemor-o-Velho, por exemplo), juntavam-se na casa do regente, ensaiavam o reportório indicado pelo reitor ou pelo mestre de cerimónias e compareciam no local da cerimónia à hora combinada.
Houve dois momentos marcantes de interrupção de  atividade da charamela: aquando da Revolução de 5.10.1910, com a suspensão dos atos cerimolialísticos a formação só foi plenamente retomada em 1918, sob a batuta do regente do Orfeon Académico, padre Elias Luís de Aguiar; no rescaldo do Mai 68, entre ca. 1969-1980, período em que novamente a Universidade suspendeu as solenidades do calendário, incluindo colação de graus e abertura das aulas.
Existem inúmeros relatos de imprensa, crónicas e documentos de despesa da Universidade que fazem fé da contratação dos serviços de tocadores, da compra de instrumentos e do agendamento de presença em cerimónias. Há também na literatura produzida pelos memorialistas académicos uma propensão para referenciar a charamela como uma velharia ridícula, dispensável e desafinada. Enfim, uma imagem demasiado leviana do que eram as charamelas na cultura europeia e das funções sócio-culturais que eram chamadas a representar. Hoje, dir-se-ia que nessas imagens pululam um bocadinho de piada, um niquinho de ignorância e uns pozinhos de arrogância. No resto da Europa, que saibamos, apenas a Universidade de Salamanca aboliu e retomou as chirímias que nas grandes solenidades atravessam o patio das escolas maiores e conduzem os préstitos à sala de atos grandes. Formação semelhante é usada nos cortejos académicos da Universidade de Alcalà de Henares, que herdou o edifício da velha Alcalà/Complutense. No caso de Salamanca, destaco três peculiaridades face a Coimbra: 1) presença de pelo menos duas chirímias na formação salmantina, enquanto que em Coimbra não estão incluídas charamelas nos instrumentos de sopro; 2) em sala, as chirímias alternam com um grupo coral, situação que em Coimbra não ocorre; 3) em Coimbra, a charamela toca em sala sentada sobre um pequeno tablado de madeira, tendo na frente estantes metálicas com as partituras e o maestro de pé, atuando como uma orquestra de câmara. Em Salamanca, a charamela toca sempre de pé, no cortejo e na sala de atos.
Nos arredores de Coimbra permanecem vestígios da atuação das charangas e gaiteiros na frente das procissões e cortejos, cuja função é similiar à desempenhada pelas charamelas. No município de Montemor (Tentúgal, Pereira do Campo?), há notícia da presença destas formações nos cortejos dos reis magos.
Na década de 1980 a charamela atuava regularmente das cerimónias anuais de abertura solene das aulas (uns anos em Novembro, outros em Dezembro), nas imposições de insígnias doutorais e nos doutoramentos honoris causa. A formação era então constituída por músicos da banda militar de Coimbra que ensaiavam o reportório combinado e compareciam no pátio das Escolas no dia e hora em uniforme de gala. Estando presente o Presidente da República tocava-se na sala dos atos A Portuguesa, a anteceder o Hino Académico de Coimbra. Nos honoris causa, sendo convidado de honra chefe de estado estrangeiro, o hino nacional do país do homenageado era tocado antes do Hino Académico. Estou precisamente a lembrar-me dos honoris do rei D. Juan Carlos de Espanha, do presidente José Sarney, do Brasil, e do Secretário-Geral da ONU. A abrir os cortejos, o Canticorum Iubilo, de Haendel. Nos intervalos, obras solenes, e de cariz festivo e celebrativo. A encerrar os atos em sala, obrigatoriamente o Hino Académico de Coimbra, com música de José Cristiano de Medeiros, e não o Gaudeamus Igitur que entrou nas solenidades académicas portuguesas por via da Universidade de Lisboa durante o reitorado de Marcello Caetano.
Ouvir
-abertura de cortejo com formação espanhola de gaiteiros e inclusão de formação de gaiteiros da beira litoral no meio do cortejo, Desfile das confrarias no Capítulo da Confraria Nabos e Companhia, Carapelhos (2009), http://www.youtube.com/watch?v=qVW4GGN8;
-Cerimónia de investidura honoris causa de Germán Sánchez Ruipérez e Steplen Witakar na Universidade de Salamanca (2011), http://www.youtube.com/watch?v=uZIH7qIUz;
-Cerimónia de doutoramento honoris causa na Universidade de Coimbra (2007), http://www.youtube.com/watch?v=aXuqKUBx;
-utilização simultanea de orquestra+coro em sala, Cerimónia de Doutoramento honoris causa de Joseph Ratzinger em Teologia, Universidade de Navarra (2007), http://www.youtube.com/watch?v=UjGx3GUfk;
-Acto Solemne de Apertura del Curso de las universidades de Madrid 2011-2012, Alcalà de Henares, 7.9.2011, http://www.youtube.com/watch?v=2q6WDfnX4M.

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