quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Receção do Patriarca Mendes Belo na Academia das Ciências (1923)

Sessão de receção do Patriarca de Lisboa D. António Mendes Belo como sócio da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa, edifício da Academia das Ciências, 23 de julho de 1923.
Mendes Belo está sentado na última fila. Veste o hábito talar romano e não o fardão de académico que fora aprovado em 1856 e reformado em 1918. Os restantes académicos envergam indumentária masculina urbana, não sendo visíveis o fardão de académico e o espadim.
As sessões solenes da Academia das Ciências, que tinham sido seguidas de perto pelo Curso Superior de Letras, viriam a constituir para as universidades criadas no período republicano um paradigma protocolar alternativo ao legado configurado pelos patrimónios cerimonialísticos considerados de tipo "religioso-metafísico" e, como tal, arcaicos.
Nos anos da Grande Guerra, quando a Universidade de Coimbra começa a movimentar-se no sentido de revitalizar o cerimonial académico (1915-1916) formam-se fações que nos meios estudantis e docentes discutem acaloradamente que trajes e insígnias adotar. Houve uma fação de cunho politécnico e científico que defendeu como solução uma via minimalista que passaria por uma aproximação às práticas em uso nas academias de ciências e belas letras (adeptos da casaca napoleónica bordada, com bicórnio e espadim) e às tradições puritano-burguesas das universidades escandinavas (cartola e casaca de abas). Houve ainda outra fação, animada por variadas sensibilidades que se reviam nos valores simbólicos, que defendeu a continuação simplificada do hábito talar e da borla e capelo. Os ministros da instrução pública menos sensíveis às tradições académicas de Coimbra manifestaram dificuldades na compreensão deste debate:

1) por acharem que os de Coimbra deveriam erradicar as velhas tradições, quando afinal estudantes, professores e equipas reitorais davam mostras do contrário;
2) por verificarem que no Brasil, onde a proclamação do regime republicano precedera Portugal, as faculdades de Direito manifestavam enorme respeito pela Universidade de Coimbra e tinham mantido como insígnias doutorais a borla e capelo;
3) por terem notícia de que os estudantes dos liceus e os da nova Universidade do Porto tinham optado por continuar a usar ou por começar a usar a capa e batina;
4) pelo aparente paradoxo registado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (fundada em 1913) cujos professores detentores do grau de doutor ou a ele equiparados tinham começado a comparecer a cerimónias com hábito talar e borla e capelo [Os recrutados eram esmagadoramente doutorados em Coimbra].

O que é fato é que das discussões travadas em Coimbra no ano de 1915 brotou o entendimento de que a borla e capelo eram "superiores" ao fardão da Academia das Ciências. E acrescentamos nós, como poderiam os lentes da Universidade de Coimbra usar a casaca aberta de abas de grilo, que era afinal o traje de gala dos contínuos e bedeis, ou a casaca azul bordada que era a libré de gala dos archeiros? Esta discussão já tinha sido travada na Universidade de Coimbra na década de 1860, com óbvia rejeição da casaca napoleónica, mas isto não poderiam saber os ministros da instrução pública. Num mundo composto por três universidades públicas que se queria regulado por normativos centrais, gerais e abstratos, o solução encontrada consistiu em declarar a borla e capelo insígnias nacionais no estatuto universitário de 1918.

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