sábado, 24 de agosto de 2019



Estranha indumentária de um antigo estudante da UC (1891)

Estranha combinação de cores na indumentária católica romana de um padre que se formou na Universidade de Coimbra em 1891.
Retrato de corpo inteiro, sentado, do Padre-Bacharel José Rodrigues Liberal Sampayo (1846-1935), natural de Vila Real. Após a sua ordenação sacerdotal na arquidiocese de Braga, e tendo trabalhado como sacerdote e professor, matriculou-se em 1886 na Universidade de Coimbra, tendo seguido os cursos de Teologia e Direito. Formou-se e colou grau em 1891.
Não se estranha nesta carte visite o facto de Liberal Sampayo envergar hábito talar romano de batina e ferraiollo com cabeção preto, volta branca, calções, meias altas, sapatos pretos de fivela e faixa de seda. O que se estranha são as cores presentes nas meias de seda e na faixa, algures entre o cor-de-roxa e o arroxeado. Sendo simples padre, os regulamentos vestimentários católicos não lhe autorizavam outra cor além do preto. Poderia meter vivos e galões na batina e na capa, mas obrigatoriamente de cor preta. A ter outra dignidade eclesiástica superior à de padre, seria cónego, e daí o colorido das meias e da faixa de cintura?
A fotografia não documenta coberturas de cabeça que seriam um solidéu preto e um barrete tricórnio.
Segura na mão direita uma pasta de luxo de quintanista fitado em Teologia (fitas brancas de seda) e Direito (fitas vermelhas de seda), com talas cartonadas e forradas de veludo vermelho e branco (?) com ornatos de prata (habitualmente iniciais do portador entrelaçadas artisticamente; símbolos dos cursos: cálice e óstia /balança e espada).
Três notas breves: a) de realçar que a pasta com fitas exibida durante o último ano do curso e nos momentos pós-formatura não era uma insígnia de grau. Era transportada pelo graduando no momento em que colava o grau de bacharel, mas o que se colocava na cabeça do graduando para lhe conferir o grau era o barrete doutoral do professor que presidia ao ato; b) embora seja situação omissa nos códigos protocolares conimbricenses, os trajes eclesiásticos M/F, regulares e seculares, são para todos os efeitos equivalentes ao traje académico, e o mesmo acontece nas universidades históricas britânicas, hispânicas e escandinavas (pelo menos em Uppsala). Portanto, se a coisa estiver omissa ou negada, será por puro desconhecimento do "legislador"; c) ontem como hoje, na UC e nas universidades hispânicas, sempre que o graduado detém especialização em mais do que uma ciência, misturam-se as cores dessas ciências nas insígnias.

Fonte: Velharias, http://velhariasdoluis.blogspot.com/2019/03/os-condiscipulos-de-coimbra-de-liberal.HTML, edição de 28.03.2019. 


Exemplos:

1-Portugal / Universidade de Coimbra: o bispo católico D. Manuel Trindade Salgueiro com insígnias doutorais (borla e capelo) com mistura das cores científicas de Sagrada Teologia (branco) e Letras (azul escuro). Ostenta ainda o epitógio de Teologia da Universidade de Estrasburgo. Fotografia de ca. 1940.
 2. Universidades espanholas: mistura das cores científicas de Medicina (amarelo) e Farmácia (roxo).

3.Antiga e extinta Univ. Real e Pontíficia do México, século XVIII: mistura das cores científicas de Sagrada Teologia (branco) e Filosofia (azul claro).
Saber mais (dicas úteis):
Em Portugal, após a revolução de 1974, muitas foram as novas universidades e institutos politécnicos cujos alunos decidiram consagrar cores distintivas para uso individual e grupal. Nalguns casos essas cores foram copiadas de universidades mais antigas, replicando tradições de Coimbra e do Porto. Noutros casos, as cores foram inventadas por grupos ad hoc de estudantes, ou por membros de associações de estudantes, sem qualquer diálogo institucional com os órgãos de gestão (senados, reitorias, outros) das instituições de ensino superior. Um exemplo de legalidade muito duvidosa que tinha as suas raízes no popular código da praxe de Coimbra, de 1957, cujos redatores tinham tomado disposições sobre trajes e precedência de faculdades sem qualquer concertação oficial com o senado/reitoria daquela instituição. Esta ausência de escrutínio (nem os estudantes envolvidos quiseram trabalhar em equipa com a reitoria /senado, nem a reitoria de Maximino Correia estava sensibilizada para trabalhar em grupo com os estudantes) fez com que tivessem ficado em letra de artigo alguns disparates e erros básicos como a precedência das escolas que nesse texto vem atribuída a Medicina! Sem prejuízo de se trabalhar em equipa com comissões de estudantes, ou mesmo de aproveitar o trabalho que já tenham realizado, não se pode esquecer que as universidades e institutos politécnicos possuem órgãos próprios de estudo, deliberação e aprovação, como reitorias, senados e conselhos gerais, e é aí que devem ser aprovados trajes corporativos, cores e insígnias.
https://web.ua.es/es/protocolo/documentos/preguntas/catalogo-orientativo-sobre-los-colores-del-traje-academico.pdf
http://online.unl.pt/xivencontroprotocolo2015/images/Estanislao_de_Luis_Calabuig.pdf

1 Comentários:

Blogger LuisY disse...

Muito obrigado por colocar a foto do meu trisavô no seu blog e agradeço a gentileza de ter citado a fonte de onde retirou a imagem. Nem todos tem esse cuidado.

Li com muito interesse o seu texto.

Quando recebi de uma prima minha estes dois álbuns, com fotografias dos condiscípulos de Coimbra do meu trisavô e bisavô e comecei a estuda-los, apercebi-me que a indumentária académica era um mundo do qual eu nada sabia e que tinha que aprender as mínimas regras. Felizmente encontrei o seu blog, para me poder informar e documentar. É óptimo que na internet existam conteúdos úteis e sérios.

As minhas felicitações e um abraço

6 de janeiro de 2020 às 08:45  

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