terça-feira, 6 de setembro de 2022

Alterações no dress code de Oxford e Cambridge


Por cá patina-se na maionese. Os dress codes elaborados por grupos ad hoc de estudantes consagraram um mundo de disposições vestimentárias assentes no princípio clássico da discriminação de género segundo o qual homem que é homem veste calças e mulher que é mulher veste saias. Esta visão é relativamente recente, remontando apenas ao século XIX, inspirada pela uniformologia militar. Nos finais do século XX foi alimentada por propostas de designers nem sempre as mais felizes e por um impressionante conjunto de proibições que na era liberal seriam insuscetíveis de regulamentação. Chega a ser ridículo o que se pretende proibir e regulamentar.

Em Coimbra ficou célebre a resposta dada pelo bispo e professor D. António Aires de Gouveia ao reitor Basílio de Sousa Pinto. Gouveia usava bigodaça numa época em que a Polícia Académica fiscalizava os bigodes por ordem do conselho de decanos. Tampouco era bem visto socialmente que um padre ou um bispo usassem barbas, andando em geral os elementos do clero de caras escanhoadas. Interpelado pelo reitor, Gouveia ficou famoso por ter respondido "Na minha cara mando eu!"

Vem tudo isto a propósito de em 2012 a Universidade de Oxford ter reformado oficialmente o dresse code associado aos atos e cerimónias académicas que envolvem estudantes. Tradicionalmente as peças básicas do traje académico (toga, barrete, capelo) eram usadas com traje civil preto, calças compridas para os alunos, saia para as alunas. Respondendo a um pedido de estudantes que visavam acabar com a discriminação de género, o saio ou as calças compridas passaram a ser utilizadas pelos estudantes independentemente do seu género. No ano seguinte, em 2013, e seguindo a posição adotada por Oxford, a Universidade de Cambridge alterou o seu dress code. Não deixa de ter graça lembrar que na escocesa Univ. de Saint Andrews o saio já era usado nos atos académicos solenes.

Que se saiba, nenhuma destas alterações foi referida em Portugal, cujas academias continuam alegremente a seguir disposições integradas em articulados que nunca foram discutidas nem aprovadas oficialmente pelos órgãos de governo das universidades e institutos politécnicos. Basta fazer uma pesquisa em "estatutos" associado às palavras universidade e politécnico. Publicações disponíveis na internet confirmam que na Academia do Minho, o organismo estudantil "Cabido dos Cardeais" aprovou em 05.07.2021 um resolução segundo a qual o traje académico pode ser vestido por qualquer estudante matriculado independemente da dicotomia clássica masculino / feminino. A decisão é pioneira e interessante, mas lida com matéria complexa, se tivermos em linha de conta que o traje do tricórnio instaura no momento alfa da sua origem uma vincada dicotomia M / F assente na diferenciação de peças nucleares básicas como sejam saia / calções. Seria seguramente mais fácil discutir a situação quando as peças nucleares são unissexo como acontece com os corpos discentes das universidades, magistraturas judiciais e ordens de advogados onde a toga / beca é a mesma.

Nos idos de 1988-1990 tentamos sensibilizar um grupo restrito de alunas para a importância de se proceder ao debate dos seguintes desafios: a) seguindo o exemplo das universidades anglo-saxónicas, converter as peças nucleares do traje em elementos unissexo; b) quanto às peças secundárias do traje, começar a generalizar o uso de calças compridas, pelo menos nos meses de inverno, tendo em conta que várias corporações profissionais ocidentais já tinham generalizado os uniformes femininos com calças compridas; c) quanto aos tecidos e formas, pensar em soluções funcionais (confortáveis) e esteticamente felizes. O resultado destas conversas foi dececionante. Que não estava no código. Que era melhor não armar problemas. 

E pronto, enquanto uns se ocupam com tatuagens, piercings e brincos, outros resolvem problemas relacionados com a discriminação. Aqui, vamos pelos britânicos.

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