quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Cerimonial de Abertura das Cortes (1826)

Decreto Nº 23, de 8 de Outubro de 1826
Tendo criado o Decreto de 6 de Setembro próximo passado uma junta para me propor o Regulamento do Cerimonial para a Abertura da primeira sessão real das duas câmaras reunidas; e apresentando-me a mesma junta os seus trabalhos, que me pareceram muito conformes com os antigos usos e estilos nacionais, e aos subsidiários das nações em que actualmente existem consolidados e estabelecidos os governos representativos: Hei por bem, em nome d’El-Rei, aprovar as instruções que regulam o dito cerimonial, as quais fazem parte deste decreto e baixam assinadas por Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, actual Conselheiro de Estado, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino. O Ministro e Secretário de Estado o tenha assim entendido e faça executar. Palácio da Ajuda, em 8 de Outubro de 1826. Com a rubrica da Sereníssima Senhora Infanta Regente. Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato.

Instruções que Regulam o Cerimonial para a Abertura da primeira Sessão Real das duas Câmaras reunidas
Artigo 1º
: No dia 27 de Outubro se celebrará a Santa Igreja Patriarcal a Missa Solene do Espírito Santo, à qual assistirão os Pares, e Deputados que se acham na Corte.
Art. 2º: Tendo-se já publicado o Decreto que fixa o dia para a Sessão Real de Abertura das duas Câmaras reunidas, e estando já participado a cada um dos Pares do Reino que não são menores de vinte e cinco anos, por serem os que podem ter assento na Câmara, expedir-se-ão portarias aos Pares e Deputados, em que se lhes declarará a hora e o lugar da dita Sessão; e para este fim devem os Deputados, logo que cheguem a esta Corte remeter à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino a declaração dos seus nomes e da casa em que residem.
Art. 3º: Os Pares do Reino, à porção que forem chegando ao Palácio em que se há-de celebrar a Sessão Real, deverão entrar para uma sala, e os Deputados para outra, e aí esperarão a introdução no salão da Sessão Real. À hora marcada será anunciada esta introdução a uns e a outros pelo Porteiro da Real Câmara, e serão acompanhados pelos Maceiros da mesma Câmara.
Art. 4º: Introduzidos os membros das respectivas câmaras no salão da Sessão Real, o Presidente da Câmara dos Pares irá ocupar a sua cadeira, que será no estrado pequeno abaixo do último degrau do trono; e os Pares sentar-se-ão no lado que lhe compete segundo a Carta, e pela ordem e assentos usados nos dias de Corte, na forma seguinte: os Duques, Marqueses e Condes sentar-se-ão em duas linhas, ficando os Duques e Marqueses à direita; os Arcebispos abaixo dos Marqueses, seguindo-se os Condes, e logo os Bispos; e na direita da primeira linha, e no primeiro lugar, a cadeira de espaldar do Cardeal Patriarca, Vice-Presidente da Câmara.
Art. 5º: Os Deputados nessa primeira Sessão Real sentar-se-ão sem precedências, no lado determinado pela Carta Constitucional, e em assentos cobertos de pano verde.
Art. 6º: Logo que as Câmaras houverem ocupado os seus respectivos lugares, na conformidade dos artigos 4º e 5º, o Presidente nomeará uma deputação composta de doze Pares e doze Deputados, a qual deverá ir receber Sua Alteza na escada que dá serventia para a sala da reunião, e acompanharão o cortejo, tomando os Pares a direita de Sua Alteza, e os Deputados a esquerda.
Art. 7º: Sua Alteza a Regente do Reino se dirigirá então ao salão em que se celebrar a Sessão Real de Abertura das Câmaras, sendo acompanhada pelo Viador da semana, que fará as vezes de Camareiro-Mor, levando-lhe a cauda, pelo Mordomo-Mor e pelo Mestre Sala, os quais ficarão em pé, o Viador atrás da cadeira de Sua Alteza, o Mordomo-Mor à direita da cadeira d’El-Rei, e o Mestre Sala à esquerda da mesma cadeira, nos lugares marcados na planta; e a Camareira-Mor, Donas de Honor, e Damas que acompanharem Sua Alteza, se colocarão em pé em um dos lados do trono, onde houver lugar mais cómodo.
Art. 8º: Os Ministros de Estado acompanharão Sua Alteza a Regente e tomarão assento no lugar que lhes for destinado, que deverá ser no meio do salão, voltados para o trono.
Art. 9º: Na sala de entrada do Palácio em que se celebrar a Sessão Real se acharão os Reis de Armas, Arautos e Passavantes com as suas cotas vestidas, e os seis Porteiros da Câmara de cavalo com as suas maças de prata, e a música antiga da Casa Real, a qual deverá tocar logo que Sua Alteza entrar; e o cortejo marchará até à porta do salão real, do modo seguinte:

-Primo, os seis Porteiros da Câmara a cavalo com as suas maças;
-Secundo, os Reis de Armas;
-Tertio, os Passavantes;
-Quarto, os Arautos, e logo os Oficiais Mores da Casa Real e a Deputação das duas Câmaras e mais pessoas que acompanharem a Sua Alteza, e indo a Camareira-Mor, Donas de Honor e Damas fechando o cortejo
.

Art. 10º: Sua Alteza se dirigirá assim, com o cortejo acima designado, ao salão da sessão real, e ali ocupará a cadeira próximo à d’El-Rei, no mesmo pavimento e debaixo do mesmo docel.
Art. 11º: Logo que Sua Alteza entrar no salão da Sessão Real, o Porteiro-Mor se colocará à porta para não deixar entrar outras pessoas mais do aquelas a quem competir a entrada, sendo assistido por dois Reis de Armas com as suas cotas, que se colocarão um de cada lado da porta.
Art. 12º: Os oficiais mores do Reino, que neste dia exercem funções, não acompanharão o cortejo; e os que forem Pares irão ocupar os seus lugares de oficiais mores do Reino com o vestuário de Pares. Assim, o que servir de Condestável do Reino ficará em pé com o estoque levantado, e à direita no estrado grande; à esquerda o Meirinho-Mor com a sua Vara na mesma linha do Condestável; e o Alferes-Mor com a Bandeira do Reino enrolada, do lado esquerdo, adiante do Meirinho-Mor, em pé no mesmo estrado.
Art. 13º: Os oficiais mores da Casa Real, que neste dia têm de exercer funções, sendo Pares, serão substituídos pelos imediatos, ou parentes mais chegados.
Art. 14º: A Família Real ocupará uma tribuna, do lado esquerdo do trono.
Art. 15º: O Corpo Diplomático ocupará uma tribuna, do lado esquerdo do trono.
Art. 16º: Poderão ter ingresso no salão da Sessão Real, no lugar que lhes for designado, todas as pessoas que quiseram assistir a este solene acto, com tanto que vão vestidos de gala e que tenham recebido bilhete de entrada rubricado pelo Porteiro-Mor.
Art. 17º: Logo que Sua Alteza se sentar na cadeira que lhe está destinada, mandará o Mordomo-Mor que se sentem os Pares e os Deputados, e os Ministros e Secretários de Estado.
Art. 18º: Então se seguirá o Discurso do Trono, que Sua Alteza recitará, ou mandará recitar por um dos Ministros de Estado; e acabado ele, anunciará um dos ditos Ministros, em nome de Sua Alteza, que está aberta a Sessão das Câmaras do ano de 1826, e que os membros de cada uma delas se reunirão no dia 31 de Outubro, pelas nove horas da manhã, no lugar que lhes está destinado.
Art. 19º: Sua Alteza então prestará o Juramento, da forma que está prescrito na Carta Constitucional, na mão do Presidente da Câmara dos Pares; para o que este subirá ao trono e apresentará o Missal que será sustentado por dois moços fidalgos; e o Mordomo-Mor apresentará a Tabela pela qual Sua Alteza lerá a fórmula do juramento, e entretanto estarão todos de pé.
Art. 20º: Sua Alteza, quando se retirar, será acompanhada pelo mesmo cortejo, e do mesmo modo como entrou no salão da Sessão Real.
Art. 21º: Tanto na entrada de Sua Alteza como à saída haverá as salvas do costume.
Art. 22º: Os Pares deverão comparecer na Sessão Real com um vestuário análogo ao antigo costume nacional, e conforme também ao que se acha em uso nas diferentes monarquias representativas em que existe esta dignidade, observando portanto o modelo que Sua Alteza aprovar.
Art. 23º: Os Deputados irão vestidos nesse dia de seda preta, com capa e volta, e espadim, por ser o traje nacional antigamente, e ainda hoje adoptado nos dias e funções mais solenes, e chapéu de cocar.
Art. 24º: Os Eclesiásticos, ou sejam Pares, ou Deputados, irão com os vestidos próprios do seu estado, sem outra nova insígnia.
Art. 25º: Todos os oficiais mores do Reino e da Casa Real, assim como as mais pessoas que concorrerem a este acto, aparecerão vestidos de grande gala.
Palácio da Ajuda, em 8 de Outubro de 1826. Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato.
[Minuta protocolar publicada na «Colecção de todas as Leis, Alvarás, Decretos, etc., impressos na Regia Officina Typographica. 1º Semestre de 1826», Lisboa, Na Impressão Régia, 1826, pp. 39-42. Esta minuta, com adaptações de circunstância, manteve-se em vigor até à Revolução de 5 de Outubro de 1910. A Missa do Espírito Santo, comum à abertura solene das universidades ibéricas, colação do grau de doutor e abertura do ano judicial (França, Vaticano), continuou a realizar-se na Patriarcal de São Vicente de Fora. Com a transferência das duas câmaras para o antigo convento de São Bento, o Chefe de Estado passou a deslocar-se ao Palácio das Cortes em cortejo de coches, conforme atestam os programas de 20 de Maio de 1861 (cf. "Diário de Lisboa", Nº 108, 4ª feira, 15 de Maio de 1861) e 2 de Janeiro de 1867 (cf. "Diário de Lisboa", Nº 297, 2ª feira, 31 de Dezembro de 1866). Os programas consultados nunca aludem ao coche de aparato que transportava a coroa e o ceptro, insígnias que eram colocadas sobre uma almofada ao fundo da Câmara dos Deputados e guardadas por pajens em traje setecentista. Fotografias de 1907, realizadas por Benoliel, documentam esta omissão. A "Constituição Política da República Portuguesa de 1933", artigo 81º, nº 2, dispunha que o Chefe de Estado abrisse solenemente a primeira sessão de cada legislatura, costume não retomado após 1974 (cf. Hélder de Mendonça, "Regras do Cerimonial Português", Amadora, Bertrand, 1976, pp. 13-17)]

1 Comentários:

Blogger José Norton disse...

Muito interessante. Obrigado por partilhar.

30 de julho de 2008 às 11:14  

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