sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Tailleurs, togas e fatos


Tailleur por decreto
Em Maio de 1954 o Conselho de Veteranos da Academia de Coimbra, após decisão exclusivamente masculina, decidiu impor por "decretus" o tailleur preto como traje discente feminino. Ficou determinado que nas latadas e imposições de insígnias de Novembro/Dezembro desse ano as alunas do 4º e 5º anos não pudessem usar pastas com grelos ou fitas sem o tailleur. Com seria de esperar, entre Setembro e Novembro de 1954 Coimbra viveu dias de corrida ao "fato", abrindo desde então a procura as portas ao pronto-a-vestir.
A medida decretada em meados de 1954 gerou uma onda de descontentamento entre as alunas que não se sentiam agradadas com o modelo escolhido, ou que liam a obrigatoriedade como um atropelo masculino à sua tradicional prerrogativa de não uso de uniforme. Procurando suavizar os descontentamentos, o CV integrou o tailleur no "Código da Praxe de 1957", mas não deixou de manter a velha prerrogativa do uso de capa com vestido de gala.
A situação deu que falar na altura, tendo a revista mundana FLAMA, nº 353, de 10.12.1954, dedicada rosto e páginas ao assunto. Vingava assim na UC, por decisão marginal ao senado e decreto assinado à revelia das interessadas, um fato de tipo "high school", ou escola de artes e ofícios, cujo figurino e contexto cultural nada tem que ver com a história e as tradições de uma universidade multissecular como Coimbra. O design adoptado não tem originalidade nem comporta valor estético bastante para individualizar no conjunto características dignas de reparo cultural ou patrimonial. A confecção da saia e do casaco é de tipo pronto-a-vestir, não estando minimanente ajustada à anatomia feminina. Os tecidos mais utilizados, não sendo ordinários, também não se adequam a um traje contemporaneamente usado em contextos cerimoniais. Os preços praticados pelas lojas do pronto-a-vestir exorbitam em muito o real valor de um conjunto de confecção industrial, cuja valia estética não é bastante para preencher os requisitos simbólicos a que deveria obedecer uma decisão fundamentada sobre trajes profissionais a adoptar pela UC. Olhando ao que se passa em universidades históricas como Oxford ou Cambridge, nunca foi suficientemente provado que numa universidade como Coimbra haja necessidade de trajes diferenciados para alunos e para alunas, solução "contra natura" que só o desconhecimento do percurso e características das vestes talares poderia justificar. O argumento do prático e do funcional não são de aceitar, justamente porque o traje adoptado não é nem nunca foi de uso corrente, sendo apenas usado em contextos festivos e de gala. Ora, é de elementar ciência que um traje de gala não deve confundir-se nem com um uniforme de trabalho, nem com um pequeno uniforme, obedecendo o seu talho e confecção a três regras fundamentais: 1) estabilidade do modelo; 2) utilização de tecidos ricos, apropriados à função cerimonial/gala; 3) distinção de padrões conforme seja Inverno ou Verão. Por último, e este é seguramente o elemento mais importante a considerar na apreciação do caso, o que resta das antigas vestes estudantis na UC é de natureza talar, e não militar nem civil. É certo que na UC existiram/existem trajes profissionais de cerimónia confinantes com as características e especificidades de uma veste como o tailleur, mas o seu uso é específico dos funcionários.
Na retoma registada após 1974, uma discussão necessária sobre o assunto nunca chegaria a acontecer, a não ser em círculos muito restritos por alturas de 1989-1992. Nas vozes das pouca intervenientes mais esclarecidas, havia consciência quanto à necessidade de um modelo unissexo de batina, tendo sido realçado o benefício da introdução da calça comprida preta nos meses de Inverno. Nada de concreto se decidiria. A um nível mais institucional, a conversa escorreu molemente sobre inclusão ou não inclusão de peças acessórias como o colete e a altura da bainha da saia. Como diria a Doutora Rocha Pereira, nesta e noutras matérias bem ilustrada, discorrer sobre a altura da bainha da saia num uniforme que se pretende que seja digno de tal estatuto é nada perceber de uniformes e de flutuações da moda.

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