sábado, 5 de setembro de 2009

Património vestimentário... (cont.)
O fim da hegemonia conimbricense

A UC e a sua Academia chegaram à Crise Académica de 17 de Abril de 1969 orgulhosas da hegemonia dos seus paradigmas culturais e simbólicos. No plano interno e externo, as exibições futebolísticas da Académica, as digressões artísticas do Orfeon Académico, a mediatização dos doutoramentos honoris causa, a leitura de coloridas sagas juvenis protagonizadas e escritas por antigos estudantes , as transmissões televisivas e radiofónicas de serenatas, a assumida imitação dos costumes conimbricenses pela maioria dos liceus, Faculdade de Direito da UL e UP, conferiam à UC uma clara posição hegemónica. Entre o mandato presidencial de Sidónio Pais (1917-1918) e a Crise Académica de 1969 apenas o Patriarcado de Lisboa nos anos da liderança do Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira (1929-1971) terá conseguido rivalizar em esplendor com a UC.
Excluindo as escolas de regentes agrícolas, não havia notícia de qualquer outro uniforme estudantil civil usado em Portugal. Apesar da sua originalidade e função cultural nos meios onde se inscreviam, importantes eventos liceais como o Enterro da Gata (Liceu de Braga), as Nicolinas (Liceu de Guimarães), o Enterro da Bicha e Procissão dos Caloiros (Liceu de Ponta Delgada), e Festa do Galo (Liceu de Beja) , e a Corrida e Julgamento do Galo das escolas de ensino primário não eram estudados nem referidos em pé de igualdade com os costumes conimbricenses. Práticas culturais e símbolos estudantis das universidades históricas europeias eram desconhecidas ou omitidas, não obstante a existência de chapelaria académica na maior parte das universidades europeias e a realização de festividades anuais nos espaços anglo-saxónicos, germânicos, finlandeses e franco-belgas (regatas, bailes, charivaris).
Aparentemente sólido e indestrutível, o parelho cultural e ideológico patenteado pela UC entrou em pulverização acelerada em 1969. À data da Revolução de 25 de Abril de 1974 pouco mais era do que uma memória nostálgica cultivada por antigos estudantes radicados em Coimbra e dispersos pelo país.
A partir de 1976 emerge na Academia de Coimbra um ambiente favorável à reinvenção de tradições entre as camadas juvenis. Até meados da década de 1980 consolidam-se na UC e na UP as grandes ofensivas de restauração das praxes, da retoma de costumes interrompidos em 1969 e da efectiva ocupação do território urbano pelas facções adeptas das múltiplas formas de vivenciar as “tradições”.
Em Coimbra, todos os estabelecimentos de ensino superior imitaram a UC no que concerne ao porte massificado da capa e batina, pasta académica, insígnias e festividades, com obstinada recusa de definição de qualquer política cultural ou associativa diferenciadora . As atitudes de ortodoxia que rodearam o processo de restauração das tradições académicas no após 1974 e a segunda longa revivescência do Código da Praxe de 1957 inviabilizariam qualquer possibilidade de discussão sobre o tailleur, os caminhos da feminilização da Academia e da UC ou a possibilidade de reinvenção democrática do processo de construção da identidade.
Em muitos aspectos, o desacerto cronológico entre a construção identitária como fenómeno de comunicação de massas e a aposta na comunicação cultural de modelo elitista retiraram à UC e à Academia de Coimbra qualquer possibilidade de protagonismo criador.
A maior parte dos estudantes matriculados nos institutos politécnicos e nas novas universidades apropria-se entusiasticamente dos bens culturais e simbólicos tradicionalmente produzidos pela UC, revelando identidades camaleónicas pós-modernas capazes de adaptação aos novos valores sociais e à importação do conceito de imagem organizacional difundida desde a década de 1950 pelo mundo empresarial norte-americano.
A Academia de Coimbra é frequentemente citada pela comunicação social e pelos estudantes de ensino superior português desses anos como reserva estática de apropriação ou identificação, qual metáfora do grande armazém de onde se retiram produtos em stock sem que nada se reponha.
Comunidade imaginada, trata-se de uma imagem inerte e implosiva que nas décadas de 1980-1990 nunca afirma a cultura académica conimbricense como paradigma dinâmico ou laboratório onde por via da imaginação criadora ou da ligação sincrética à cultura etnográfica regional estejam a emergir novos rituais ou a experimentar-se a re-invenção de tradições. No plano interno, os grupos que controlam o discurso tradicional e as normas praxísticas afirmam-se em relação ao passado e não ao presente, invocando incessantemente valores tributários da “autenticidade” e “antiguidade”, argumentos esgrimidos para afirmar a primazia da Academia de Coimbra ou a sua suposta “pureza” e “ancestralidade” num confronto contra os “imitadores” e os “contrafactores”.
Que tamanha inércia ou desatenção poderiam custar caro, já o tinham vindo a demonstrar ao longo do século XX clubes de futebol profissional que se haviam apropriado de cores, de símbolos heráldicos municipais ou regionais e de animais míticos, convertendo-os em capitais extremamente rentáveis. Por outro lado, nem a Academia de Coimbra nem a comunicação social desatenta e pouco informada assinalam o sentido bilateral das relações inter-comunidades académicas. Sem o querer reconhecer, e porque a história narrada é de trama coimbrocêntrica, a Academia de Coimbra também agiu como importadora de costumes, seja das escolas de magistério primário (futuras escolas superiores de educação), seja da UP ou da UL.
Exemplos:

-a fundação do primeiro Orfeon Académico em 1880 inspirou-se directamente no Allmana Sangen (1830) e no Orphei Drangen (1853) da Universidade de Uppsala;
-a Tuna Académica, apresentada ao público em 1888, constituiu uma reacção de brio à visita da Tuna Universitária Compostelana a Coimbra no Carnaval de 1888 ;
-ao longo de toda a década de 1980 eram bem visíveis em Coimbra, no início de cada ano escolar, as semanas de recepção ao caloiro com a sua parafrenália de chupetas, bibes infantis e martelinhos do São João. Tanto a designação das festividades, como a imagética de “creche” que substituiu a simbologia taurina multissecular pelos signos e cores infantis (rosa para caloiras, azul para caloiros), era uma imitação de festividades de há muito realizadas nas escolas de magistério primário e nas escolas primárias ;
-a imagem comunicacional adoptada desde 1979 pelos estudantes da Faculdade de Economia, incluindo as fitas vermelhas e brancas, a roseta de lapela dos cartolados e o cifrão ($) , constitui traslado directo de práticas implementadas na Faculdade de Economia da UP a partir da década de 1950;
-a cartola de fantasia usada em Coimbra desde 1979 é do tipo portuense, conforme modelo fabricado em série desde a década de 1950 , de ilharga baixa e forrada de cetim, ao arrepio do tipo conimbricense, artesanal, de ilharga alta e forrado de papel de lustro;
-o Baile de Gala das Faculdades (Queima das Fitas), iniciado em 1937, já era realizado em universidades francesas e austríacas e na École Polytechnique de Paris desde finais do século XIX. O dos estudantes de Lyon remontava a 1877 ;
-a missa da Bênção das Pastas dos estudantes católicos foi iniciada pelos alunos finalistas da UL em 1926 e continuada nos anos ulteriores. Em Maio de 1932 seria apropriada pelos quintanistas católicos da UC que se fizeram consagrar ao Sagrado Coração de Jesus.

A corrida pós-moderna ao simbólico e aos referentes identitários tem para a UC um sabor de amargura. A maior parte dos valores propostos pelas instituições de ensino superior concebidas como empresas, os fenómenos de markting e o papel atribuído às capacidades criadoras na construção e gestão do imaginário, já existiam na UC antes do abolicionismo de 1910 e da campanha denegridora de que a instituição foi alvo. Mesmo considerando que as universidades clássicas radicavam em identidades visuais e emotivas tendencialmente fechadas, elitistas, burocráticas e rígidas, com escasso sentido de participação dos seus elementos, a UC ostentava em 1910 um património simbólico e imaterial invejável que após 1974 não foi renovado:

• sistema cerimonial, vestimentário e insigniário integrado, que abarcava os titulares dos órgãos de gestão, os docentes, os alunos e os funcionários, mediante um complexo dispositivo de investiduras, rituais fúnebres, paradas públicas, jubilações e atribuição de graus de bacharel, licenciado e doutor;
• um calendário anual homeopático e afectivo, marcado por momentos festivos e ritualizações que delimitavam com grande eficácia os momentos de trabalho, lazer, entrada e passagem, contrariando o mito do progresso e o entendimento empobrecedor do tempo linear;
• instituições extra-curriculares diversificadas que, à semelhança do ambiente das universidades norte-americanas, britânicas e suecas possibilitavam aos estudantes o acesso democrático ao desporto, ao teatro, à prática coral e instrumentística e digressões amadoras periódicas a espaços portugueses e estrangeiros, com resultados positivos em termos de maturação da personalidade, responsabilização e autonomização dos jovens alunos;
• uma Casa Reitoral que, por semelhança com a cultura palaciana das instituições aristocráticas, eclesiásticas e municipais, liderava as tendências da moda em termos do lançamento e gestão daquilo que na década de 1990 as novas universidades designaram por “negócio de comunicação”, “marca institucional”, “logótipo”, “embaixador cultural”, “lembranças institucionais”: insígnias, vestes, pastas de despacho, sapatos forrados/avivados, alfinetes de gravata, botões de punho, luvas bordadas, hino, heráldica, alegorias greco-romanas, cores específicas de cada uma das escolas, a música associada à imagem do reitor, a distribuição de prémios a alunos distintos e o baile que lhe estava associado;
• apresentação pública como corpo dotado de coesão interna e identidade forte em paradas públicas, cerimónias de Estado e programas religiosos;
• um riquíssimo património imaterial assente em manifestações emblemáticas como as obras literárias/musicais/vocais da Canção de Coimbra e da paisagem sonora da guitarra de Coimbra, bem como o sistema simbólico e mitológico repousante num imaginário baseado no livre uso da mitologia greco-latina (símbolos das Faculdades e cursos), no bestiário medieval e nas sagas antropomórficas (mitologia associada à imagem taurina dos caloiros), com profunda inscrição no folclore português (ditados populares, contos tradicionais, quadras circulantes na tradição oral) ;
• ao longo do século XX, a eficácia simbólica e emotiva do património herdado possibilitou a consagração de ex-libris identitários como a Torre de Universidade (caricaturas, crachás, logótipos do Orfeon e da TAUC), as insígnias doutorais e a guitarra de Coimbra.

Alguns dos problemas associados à incapacidade de reinvenção simbólica da UC no após 1974 radicaram na liderança da Casa Reitoral por actores enformados no modus operandi mental e cultural anterior à Revolução de 25 de Abril de 1974, na obstinada recusa da Alma Mater em estreitar relações culturais e emocionais com o património da região e da cidade (a fobia de passar a ser uma universidade regional), e na restauração das tradições académicas por grupos masculinos adversos da assunção de uma visão assente em valores como a participação democrática, a integração regional/local, a proximidade entre os actores e as instituições tradicionais herdadas ou a flexibilização da “praxe” académica.
O imobilismo simbólico e visual do cerimonial universitário erradamente centrado em actos doutorais, a marginalização continuada dos eventuais contributos da imaginação criadora no meio estudantil e a ausência de uma estratégica de construção identitária integrada por docentes/funcionários/estudantes ficariam indelevelmente associados à imagem da UC das décadas de 1980-1990, servindo de exemplo a ausência de algo simples e eficaz como a produção e oferta de prenda institucional para distribuição nas reuniões anuais de antigos cursos ou na conclusão dos cursos de férias de alunos estrangeiros .
Ao contrário dos excelentes resultados inventivos e simbolizadores construídos pela Reitoria/docentes/alunos da Universidade do Minho , a UC revelou nas décadas de 1980-1990 atitudes de fechamento perante as propostas inventivas, desconforto e xenofobia perante os actos imitativos e predatórios das novas universidades e politécnicos, falta de sentido de acolhimento face aos contributos criativos dos estudantes e funcionários e escassa capacidade de rentabilização das imensas potencialidadades do seu património imaterial.

Mas a adopção de uma “marca-universidade” implica falar a linguagem empresarial e reinvindicar os direitos de criação original do que lhe está associado em termos de herança identitária, enquanto estratégia assumida como esteio da “missão do ser-se diferente .
Vejamos uma amostragem de dezasseis “produtos” culturais apropriados desde a segunda metade do século XIX, com picos de intensidade imitativa registados entre 1890-1930 e 1979-2000:

-Capa e Batina, remontante ao século XVI. Apropriação desde 1860. Ensino secundário e superior. Portugal continental, insular e antigas colónias;
-Insígnias da Praxe: colher, moca, tesoura. Origem medieval Apropriação liceal entre ca. 1890-ca. 1970. Universidades e politécnicos;
-Pasta académica, grelos e fitas. Uso desde o século XVIII. Apropriação desde a década de 1890. Universidades e politécnicos;
-Cartola e bengala e dia do quintanista com Venda da Pasta. Criação em 1932. Apropriação desde ca. 1945. Universidades e politécnicos;
-Programa da Queima das Fitas. Origem nos charivaris medievais. Apropriação desde a década de 1920. Universidades e politécnicos;
-Cartaz da Queima das Fitas e selos para pastas. Criação em 1899. Apropriação desde a década de 1960. Universidades e politécnicos;
-Anel de curso. Criação espontânea na década de 1950. Apropriação desde da década de 1980. Universidades e politécnicos;
-Código da praxe. Editado em 1957. Imitação desde a década de 1980. Universidades e politécnicos;
-Canção de Coimbra. Origem espontânea na 1ª metade do déculo XIX. Práticas imitativas desde ca. 1911. Universidades e politécnicos;
-Latadas e Imposição de Insígnias. Institucionalização espontânea desde ca. 1941. Imitação desde inícios da década de 1980. Universidades e politécnicos;
-Hábito talar docente. Versão reformada em 1915. Desde 1915;
-Insígnias doutorais. Modelo setecentista barroco. Desde a década de 1820. Universidades portuguesas clássicas e brasileiras;
-Abertura solene das aulas. Ritual medieval Desde 1911. Universidades e politécnicos;
-Imposição de insígnias a novos doutores. Desde década de 1920. Universidades clássicas;
-Doutoramento honoris causa. Desde 1917 por imitação de outras universidades ocidentais Desde 1921. Universidades clássicas;
-Emblema da AAC. Criado em 1928. Desde 1939. Diversos clubes desportivos portugueses.

Na área metropolitana do Porto, a UP lideraria o restauracionismo praxístico, funcionando como uma “segunda Coimbra”. Os múltiplos estabelecimentos de ensino superior universitários e politécnicos, públicos e privados localizados no Douro Litoral imitaram as práticas observadas na UP e procuraram confundir-se com a instituição, confirmando as atitudes dos politécnicos de Coimbra face à UC.
Em Braga, na Universidade do Minho e na Universidade Católica, a década de 1980 seria preenchida com a capa e batina e a queima das fitas. Porém, a Queda do Muro de Berlim abriria de imediato as portas à fragmentação dos modelos culturais homogeneizantes clássicos e ao conceito moderno dos modelos gerais e abstractos herdados da Aufklarung.
Os países de leste desmembrados da esfera de influência da ex-URSS lançaram-se na reinvenção de trajes talares para as suas universidades e tribunais. Em Portugal e Espanha as tunas académicas viveram um crescendo pujante até à primeira década do século XXI. Noutro plano, mas portador de inegável interesse comparativo, o Ocidente deixou-se fascinar pelas confrarias gastronómicas e vinícolas, todas elas ligadas à dinamização de ambientes neo-medievais escorados no uso de trajes, insígnias, rituais de investidura e cortejos públicos .
Na era da massificação do ensino superior português, as novas universidades públicas e privadas recusaram o paradigma conimbricense e aventuraram-se na invenção de projectos visuais alicerçados em trajes docentes e insígnias definidoras de identidades distintivas : Universidade Aberta (1990) , Universidade dos Açores (1990) , Universidade do Algarve , Universidade de Aveiro (1987) , Universidade da Beira Interior (1996) , Universidade da Madeira (1996) , Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro , Universidade de Évora (1989) , Universidade do Minho (1984) , Universidade Nova de Lisboa , Universidade de Lisboa (2005) , Universidade do Porto (2003) .
No que respeita a estabelecimentos de ensino superior privados, até finais do século XX adoptaram trajes docentes a Universidade Católica Portuguesa (2000) , a Universidade Autónoma Luís de Camões (1995), a Universidade Fernando Pessoa (2007), a Universidade Lusíada , a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, a Universidade Moderna (1994) , e a Universidade Portucalense Infante D. Henrique (1998).
Os institutos superiores politécnicos parecem ter ficado à margem da “movida” neovestimentária, embora tenha institucionalizado traje para o seu corpo docente o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (1995).
Como se pode constatar, as decisões mais recuadas no sentido de criar e regulamentar trajes e insígnais docentes polarizam-se em torno das universidades do Minho, Aveiro e Évora e acompanham o movimento internacional neo-vestimentário e neo-insigniário comum a docentes e estudantes do ensino superior, magistraturas judiciárias e associados de confrarias neo-medievais . Na esmagadora maioria das situações identificadas, há alguns traços comuns a destacar:

-opção pelas vestes talares, multissecularmente associadas à imagem da nobreza de toga, sendo visível o pendor para a subida das bainhas dos talões para a meia-perna (10 a 15cm acima do calcanhar);
-respeito generalizado pelo preto, cor tradicionalmente usada em Portugal pelo clero secular, UC, magistratura judicial, magistratura do Ministério Público, funcionários judiciais, oficialato municipal, docentes das antigas Médico-Cirúrgicas, docentes espanhóis, brasileiros e italianos;
-definição dos trajes adoptados como vestes profissionais de doutorados, agregados e catedráticos, com exclusão de docentes detentores de outros graus, bem como de funcionários e alunos, exceptuando-se a Universidade de Aveiro, a Lusíada, a Lusófona e a Moderna;
-em geral, aprovação de insígnias não coincidentes com a borla e capelo, centradas em membros dos corpos docentes doutores e catedráticos.

E no caso dos politécnicos, invenção arbitrária por parte de cursos e estruturas associativas estudantis de:

• cores para cursos, ora apropriadas em universidades, ora inventadas sem ligação oficial aos órgãos de gestão da respectiva instituição;
• criação de trajes estudantis inspirados em motivos etnográficos locais;
• adopção da capa e batina conforme o modelo conimbricense;
• invenção de heráldica e distintivos ad hoc associados a determinados cursos.

Relativamente às cerimónias de formatura (licenciatura) e mestrado, bem como insígnias que lhe estão associadas, a UC tem mantido total mutismo, num momento charneira em que o ciberespaço propicia informação sobre as seguintes tendências:

• continuidade das cerimónias multisseculares de colação dos graus em universidades britânicas como Oxford, Cambridge e Saint-Andrews, estando os actos oxfordianos mais próximos das normas estatutárias conimbricenses;
• por força da globalização e das iniciativas de apropriação identitária desenvolvidas a partir da década de 1990 pelas business schools e management schools, alastramento da graduation ceremony de paradigma norte-americano em universidades e politécnicos de Espanha, França, Suíça, Itália, Dinamarca, Bélgica, Alemanha e Polónia;
• implementação de festas de entrega de diplomas na Universidade de Aveiro, Universidade Católica, Universidade Lusíada e Universidade Fernando Pessoa, cujo paradigma oscila entre a “graduation ceremony” norte-americana e os eventos mediáticos de entrega de troféus a figuras do mundo do cinema, música, literatura, moda, desporto, economia e gestão de empresas.

A singeleza do tailleur envergado pelas estudantes da UC não escaparia incólume ao confronto com a grande movida de trajes estudantis inventados e adoptados em Portugal a partir de 1989. Ao contrário do que tinha acontecido com os liceus oitocentistas, desta vez o ensino secundário massificado após 1974 assimilou as roupas de marca materializadas em calças de ganga, sapatilhas, t-shirts e bonés de baseboll. Nos espaços influenciados por Coimbra , Porto e Lisboa a capa e batina, modelos clássicos masculino e feminino, conseguiu manter-se.
A superação dos paradigmas ideológicos e estéticos específicos da modernidade carreia um desejo assumido de não querer ser nem parecer-se com a UC. Do ponto de vista vestimentário, o movimento identitário diferenciador e individualizador arranca na Universidade do Minho em 1984 para o corpo docente e em 1989 para o corpo discente, apoiado pela cultura dos docentes fundadores, equipa dirigente da Associação Académica e alguns docentes . Ainda em 1989 era dado a conhecer o “traje do tricórnio”, figurinos masculino e feminino, com elementos retro como o chapéu tricórnio setecentista, a capa fidalga, a camisa de colarinho raso e os calções masculinos . Na era da massificação do ensino superior português, a Universidade do Minho assumia a construção da sua identidade visual e simbólica como um distanciamento claro em relação ao paradigma cultural conimbricense e uma procura de ancoragem nas raízes etnográficas e religiosas do Minho .
Na UP e na UC, povoadas por clientelas habituadas à capa e batina como único traje nacional do estudante, as reacções foram bastante adversas por parte dos estudantes e docentes. Em Coimbra, onde certas elites mantinham viva a memória das lutas da geração de Antero de Quental em prol das calças compridas, os calções masculinos foram vistos com desconfiança e perplexidade. Em Guimarães, a Comissão das Festas Nicolinas procurou demarcar-se da solução adoptada em Braga . Para os militantes da causa abolicionista, a situação tornava-se confusa. Se já era difícil continuar a sustentar o discurso da capa e batina como traje “fascista” cuja recuperação era considerada reprovável, onde situar agora os novos trajes académicos em afirmação e como identificá-los e caracterizá-los?
Mais ou menos na mesma altura, a Escola Superior Agrária de Coimbra abandonou a capa e batina e adoptou um traje de tipo equitação à base de jaqueta verde, calças e botas de montar. O movimento ascensional das tunas e o sucesso colhido pelo “traje do tricórnio” abriram a caixa de Pandora. Ao longo da década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI surgiram trajes estudantis em variados estabelecimentos de ensino superior marcados pelos referentes do ecletismo e do revivalismo, que iam desde a inspiração aristocrática à reciclagem descomplexada de elementos etnográficos regionais.
Eis uma amostragem:

• Universidade de Aveiro, “O Gabão”, em preto, composto por calça comprida/casaco curto avivado a verde/colete/gabão (M), e saia curta/casaco curto avivado a verde/colete/gabão (F);
• Universidade da Beira Interior, calça comprida/jaquetão/capa capote/chapéu serrano de feltro (M), e saia preta comprida/casaquinho/capa de capuz, conjuntos inspirados nos trajes rurais de casais abastados e noivos de inícios do século XX ;
• Universidade do Algarve: conjunto azul-escuro composto por saia comprida evasé/casaco/capa/chapéu à Infante D. Henrique (F); calça comprida/casaco curto/capa/chapéu à Infante D. Henrique (M);
• Universidade dos Açores: conjunto azul-escuro inspirado no capote e capelo, composto por calça comprida/casaco/capa (M), e saia curta/casaco/capa (F);
• Instituto Politécnico de Bragança: “O Capote”, em preto, composto por calções/dolman/capote (M), e saia/casaco/capote (F) ;
• Instituto Politécnico de Portalegre: “Capote Alentejano”, em preto, composto por calça comprida/jaquetão/capote/chapéu alentejano (M), e saia/casaco/capote/chapéu alentejano (F) ;
• Instituto Politécnico de Viseu: conjunto preto constituído por calça comprida/casaca/capa comum/chapéu de feltro de aba larga (M); saia comprida/casaco/capote com capuz (F);
• Instituto Politécnico de Beja, capote alentejano ;
• Instituto Politécnico de Leiria, conjunto preto constituído por calça comprida/casaco/capa clássica (M), e saia curta/casaco/capa/chapelinho ;
• Instituto Politécnico de Castelo Branco, conjunto preto inspirado no “capote serrano” composto por calças pretas/jaqueta/capote/chapéu (M), e saia curta/casaco/capote/chapéu (F) ;
• Escola Superior Agrária de Santarém: “Traje de Equitação”, em castanho, composto por calças/jaqueta/chapéu (M), e saia comprida/jaqueta/chapéu (F) ;
• Escola Superior de Gestão de Santarém: conjunto composto por calça comprida/jaqueta/faixa de cintura/capa clássica/chapéu de equitação (M), e saia comprida/jaqueta/faixa de cintura/capa clássica/chapéu de equitação (F) ;
• Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa: conjunto preto constituído por saia comprida/casaco/capa;
• Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing (Lisboa), conjunto escossês composto por meia alta/kilt axadrezado/colete/casaco azul/capa clássica preta (M/F);
• Universidade da Madeira: conjunto masculino azul-escuro composto por calça/colete/casaco/camisa branca/capote de romeira; conjunto feminino azul-escuro constituído por saia/casaco/blusa branca/capote de romeira .

Paralelamente ao processo de invenção dos trajes discentes, fenómeno transversal ao ensino superior público e privado, universitário e politécnico, os anos balizados entre 1983-2005 testemunharam a afirmação de trajes corporativos, especificamente criados para uso de tunas estudantis:

• traje da Tuna Académica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Vila Real). A tuna foi fundada em 1983 como organismo misto e os seus elementos usam um traje inspirado na capa de honras de Miranda do Douro: saia curta castanha/blusa branca/boina castanha/capa castanha (F), e calça comprida castanha/camisa branca/boina castanha/capa castanha ;
• traje do Real Tonel Académico de Viseu, formação fundada em 1991 com estudantes dos vários estabelecimentos de ensino superior radicados em Viseu. O traje masculino da tuna, remonta a Abril de 1997, e segue de perto a indumentária das tunas universitárias espanholas que foi lançada em 1973 pela Tuna da Universidade de Salamanca. É um traje de inspiração quinhentista, “à século do ouro”, constituído por calções de entretalhos/gibão/boina/capa preta forrada de azul ;
• traje da Tuna do Instituto Politécnico de Tomar. Conjunto masculino preto instituído em 2000, comporta capa clássica/calça comprida/dólman de alamares/chapéu de feltro ribatejano ;
• traje da Infantuna, grupo masculino constituído em Viseu no ano de 1991 por estudantes de diversos estabelecimentos. Traje dito “à Infante D. Henrique”, em preto, constituído por calções/colete/capa/chapéu bolonhês ;
• traje da Tuna Masculina da Universidade da Madeira. Grupo fundado em 1994, com actividade regular desde 1995. Traje de festa ou domingueiro da segunda metade do século XIX, com predomínio do preto, constituído por calções/colete bordeaux/casaco pela meia coxa e capa de capuz.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial