Virtual Memories

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007



"Bonete"

Exemplo do Barrete Redondo (Coimbra), ou "Bonete Redondo de Cuatro Picos" (Salamanca, Valladolid) usado por estudantes e lentes das universidades históricas da Península Ibérica, referido em estatutos universitários, literatura académica vária e iconografia, pelo menos desde o século XVI.

Os estudantes usavam-no em preto, sem cristas (estas mais comuns nos barretes quadrados), aplicando-lhe na parte superior central da copa uma borla curta ou pompom. Os lentes, conforme o grau académico, mantinham a base preta, mas aumentavam o tamanho da borla caso fossem bacharéis, licenciados, mestres ou doutores. As borlas franjadas mais longas, a cair em cascata para a base do barrete, eram as doutorais. No auge do aparato permitiam a exibição de cores correspondentes a várias ciências.

Em Coimbra, este barrete foi mantido como uma das variantes do chapéu doutoral até à entrada do século XVIII, mas com a peculiaridade de os franjados atarracharem superiormente num florão de madeira forrado de passamanaria, ornato que se foi alteando a tal ponto que nas borlas redondas de Teologia da segunda metade do século XVII passou de florão médio a pega de tipo borla de reposteiro.

Este barrete deixou de usar-se em Coimbra desde o reinado de D. João V, tendo os estudantes abandonado o chapéu de alguidar (sombrero), o barrete redondo e o barrete quadrado em favor do vulgar gorro de pano dos estudantes sopistas e manteístas (num período em que se asseverava praticamente impossível conciliar o gorro em forma de manga com as cabeleiras postiças).

Em Salamanca, desde o último quartel do século XVIII que o "bonete" foi perdendo território para o tricórnio e para o bicórnio napoleónico de feltro preto. Nos anos de 1834-1835 o antigo traje académico estudantil espanhol foi oficialmente abolido, e com ele se perdeu o "bonete". A título de curiosidade, refira-se um exemplar avistado num elemento da Tuna Universitária de Santiago de Compostela pelo ano de 1993.

Em 1850 o governo espanhol aboliu os antigos trajes e insígnias dos docentes universitários, impondo como traje à escala nacional a toga preta de advogado, e a título de insígnias, o barrete preto de advogado revestido de borla compacta e franjados (praticamente idêntico ao dos advogados portugueses e membros do corpo docente da antiga Escola Médico-Cirúrgica do Porto). Em tempos de abolicionismo e de laicização, com os intelectuais universitários a oscilarem entre o paradigma vestimentário judiciário e a voga franco-napoleónica da casaca bordada/bicórnio/espada, o governo espanhol apenas autorizou reter do passado o anel doutoral e o capelo de capuz longo (muceta).

Agradecimentos: a Dieter Philippi pela cedência de uma fotografia de um dos exemplares da sua colecção pivativa (http://www.dieter-philippi.de/mydante_1479.html)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

«EN RED»

Acaba de ser editado o número um da "Revista Digital de la Universidad de Salamanca", EN RED, onde consta um sumário mas interessante artigo de Jerónimo Hernández de Castro sobre "Los Primeros Doctorados Honoris Causa en la Universidad de Salamanca (1922-1934)", consultável no endereço http://enred.usal.es/index.php/content/view/120/42/.
Este pequeno estudo vem confirmar, uma vez mais, a situação de contiguidade multissecular Salamanca/Coimbra, até em matéria de arranque dos rituais da atribuição da laurea honoris causa. A moda tinha debutado no Ocidente havia perto de meio século. Alguns dos mais recuados honoris causa terão ocorrido na Universidade Católica de Louvaina pelo ano de 1874. Nos grande jubileu de 1888, a Universidade de Bolonha também conferiu honoris causa a personalidades distintas. Em Coimbra, as cerimónias honoris causa arrancaram muito tardiamente, não por iniciativa da instituição, mas por abertura legislativa forjada em sede do Ministério da Instrução Pública.
Hernández de Castro é Chefe de Protocolo do Gabinete de Comunicación y Protocolo de la Universidad de Salamanca e um dos mais dinâmicos membros da Asociación para el Estudio y la Investigación del Protocolo Universitário, instituição que já dinamizou desde a década de 1990 pelo menos seis encontros, de que demos notícia nos últimos meses (http://www.protocolouniversitario.ua.es/).
Agradeço ao autor a notícia da publicação do artigo e toda a amável colaboração prestada nos tempos mais recentes.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007


Campus da Laboral de Gijón

domingo, 2 de dezembro de 2007

A Laboral de Gijón
Contextualizando genericamente o modo como o regime franquista concebeu as instalações universitárias, podemos referir: 1) manutenção das infra-estruturas herdadas de épocas anteriores; 2) construção de cidades universitárias segundo o ideário do classicismo monumental totalitário então grassante em Itália e Portugal (caso de Coimbra), com radicações conhecidas no Brasil de Getúlio Vargas (projecto Campus de São Paulo). O exemplo melhor conhecido é o da Cidade Universitária de Madrid, pensada para realojar a Complutense, na altura imposta como uma mega instituição central que detinha o monopólio da concessão dos graus de doutoramento e das cerimónias honoris causa; 3) projectos destinados a "universidades laborais".
Nesta terceira via, posicionada entre a tentação pelo edifício "industrial" e o pavilhão revivalista, o primeiro grande exemplo que se conhece é o da Universidade Laboral de Gijón, edificada na costa das Astúrias entre meados da década de 1940 e os alvores do decénio seguinte. O arquitecto de serviço foi Luis Moya Blanco (1904-1990), um madrileno que também terá assinado projectos idênticos para Zamora (inaugurada em 1953). As "laborales" conheceram alguma expansão até à década de 1960, com implantações em Sevilla, Córdoba, Tarragona, Valencia, Las Palmas, Tenerife e Albacete.
Sendo monumental, as linhas de força do fazer arquitectura postas ao serviço das "laborais" não são propriamente neoclássicas. O que parecia estar em causa era a vontade de afirmação de um "vernáculo" de feição espanhola, prenhe de historicidade e de enraizamento etnológico, pelo que a opção de Franco/Moya Blanco recaiu na reciclagem do modelo Escurial do período filipino.
A Laboral de Gijón, com os seus pátios, igreja, torre sineira, teatro, ginásio, piscina, dormitórios, pavilhões de aulas e de pesquisa, oficinas, aponta para a urdidura de um microcosmo auto-suficiente, fechado sobre si próprio, virando costas às intempéries do mundo contemporâneo, num misto de catedral e de mosteiro da "contra-reforma".
As "laborales" não eram exactamente instituições superiores politécnicas. Escolas falangistas por excelência, destinadas a estudantes pobres e a filhos de trabalhadores, a gestão das "laborales" esteve próxima da esfera da Igreja Católica. O tipo de cursos ministrados - especializações de índole prática, mecânica e artesanal -, aproxima as "laborales" das portuguesas Escolas Comerciais e Industriais e das valências técnicas prestadas por instituições do tipo Casa Pia.
Este tipo de universidades tem merecido aprofundados estudos, destacando-se os assinados pelo especialista Ricardo Zafrilla Tobarra.