Virtual Memories

sábado, 10 de julho de 2010


Indumentária de membros do clero polaco entre finais do século XVI e inícios do século XVII
Gravura reconstitutiva editada na segunda metade do século XIX, com flagrante distinção entre vestes talares de um corpo e vestes talares de corpos duplos.


Retrato de James Theodore Holly (1829-1911), natural de Washington, missionário, bispo e militante anti-esclavagista.
Excelente figuração da chamarra de seda vermelha e do capelo.


Retrato de Henry Hutchinson Montgomery (1847-1932), Bispo da India, aqui com casaca funcional de corte muito geometrizado e despojada de adornos, a reflectir o "estilo racional" e os apelos do paradigma militar.
Fonte: State Library of Tasmania, http://adbonline.anu.edu.au/biogs/A/00544b.htm.


Retrato de Addington Venables, Bispo de Nassau
Dois pormenores curiosos: o uso de faixa sobre a sotaina, o que não era propriamente comum na época; a casaca a abrir a carcela junto ao pescoço e peito, feonómeno que em Coimbra conheceu acentuada expressividade entre ca. 1897-1911.

Retrato de Enos Nutall, Arcebispo das Indias Ocidentais, aqui com uma casaca de confecção menos requintada


Notabilíssimo retrato de William Piercy Austin, bispo da Guiana e Primaz das Indias Ocidentais.
Significativos os pormenores de confecção dos peitilhos, carcela e bocas de mangas da casaca de seda.


Retrato de Jonh Stranchan (1788-1867), Bispo de Toronto em 1839
Fotografia captada em 1855, mostra o prelado com sapatos de fivela, calções, meias de seda, roquete talar em branco, plastron de duas línguas e um belíssimo exemplar da "quimere". Nesta versão, a chamarra (pois é disso que se trata) ostenta duas bandas ou estolas em cetim vermelho que no século XX desaparecerão. Dir-se-ia estarmos em presença de uma garnacha (a ambas subjaz o cós dorsal pregueado) mas um olhar mais cirúrgico revela a ausência do cabeção.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O vestido talar no Lyceu de Santarém

É de certa e geral ciência que o hábito talar académico começou a ser usado nos liceus portugueses única e exclusivamente no Lyceu de Coimbra desde a instalação desta instituição de ensino secundário, dado o facto não menos excepcional de o Lyceu de Coimbra ter ficado na directa dependência orgânica, administrativa e disciplinar da Casa Reitoral da Alma Mater Conimbrigensis e, não menos importante, de ter sido considerado continuação do Real Colégio das Artes.
O segundo liceu português a usar vestido talar foi o de Évora, não por decisão espontânea, mas por graça da Portaria de 27 de Outubro de 1860, dimanada do Ministério dos Negócios do Reino, pois que por ele corriam os assuntos do ensino secundário. Uma diferença de vulto há desde logo que assinalar em comparação com o Lyceu de Coimbra: no caso de Évora, a capa e batina passa a ser de uso obrigatório diário para os estudantes, mas não para os professores. No Lyceu de Coimbra estavam obrigados a trajar o hábito os escolares matriculados e os membros do corpo docente.
O terceiro liceu a usar a capa e batina com carácter de uniforme de porte diário obrigatório foi o Lyceu de Santarém, ao tempo instalado no Colégio da Companhia de Jesus, na vizinhança das repartições públicas. O liceu escalabitano oitocentista foi estudado a título de dissertação de mestrado por Berta Maria Maurício Rafaeal - O Liceu de Santarém. 1848-1895. Lisboa: ISCTE, 1999 (exemplar da BN, cota S.C. 86942 v).
Há neste escorso dados relevantes sobre a presença do vestido talar académico no liceu local e as relações entre a cultura escolástica e as vivências citadinas escalabitanas, desde logo:
a) a convergência gestionária entre o liceu civil e a reitoria e corpo docente do Seminário Patriarcal, este último instalado no mesmo Colégio de Jesus;
b) o tratamento de "excelentissímo", repetidamente correlacionado com a figura do reitor, que em 1910 e nos anos seguintes terá alguma influência na política governativa, sobretudo quando se pretendeu com o Magnífico de Coimbra passasse a ser Excelentíssimo de Coimbra (no meu tempo havia resíduos burocráticos desta grosseira falta de etiqueta, particularmente em requerimentos, sendo certo e sabido que protocolarmente o Reitor da Universidade de Coimbra não admite tratamento de Excelência);
c) a confirmação de que o Lyceu de Santarém marcou forte e continuada presença nos actos protocolares citadinos da segunda metade do século XIX, sendo a capa e batina considerada em termos muito positivos como um instrumento de construção da identidade corporativa, de credibilização, disciplina, produção cultural e paz social. Esta representação provincial é de crucial importância, pois na mesma época a capa e batina era sistematicamente depreciada na Universidade de Coimbra por facções estudantis radicalizadas;
d) a Reitoria do Lyceu de Santarém é a primeira e única instituição que no aro temporal de oitocentos regulamenta a capa e batina. Quer dizer, não se limita a enunciar que passa a ser de uso obrigatório a partir de determinada data ou que tem de evidenciar sinais inequívocos de decência individual e social. Há fundamento peculiar para esta visão pragmática do porte do hábito talar, como se verá mais adiante.
Cabe perguntar, onde pára o fundo documental do liceu? A autora do estudo citado, Berta Rafaela, informa que se encontra sob custódia do Arquivo Distrital de Santarém. No meio dos documentos compulsados lobrigou a autora dois regulamentos, que coligiu e revelou nos documentos anexos, o Regulamento de 1861 e o Regulamento de 1877.
Interessa apenas o primeiro, pois o segundo como que se limita a repetir o articulado da década de 1860, mas testemunhando que os calções se achavam substituídos pelas calças compridas pretas.
Em nosso entender, a gestão do Lyceu de Santarém pela equipa do Seminário foi decisiva para o requinte, clareza e rigor descritivo das peças texteis constitutivas do conjunto escolástico talar. A primeira sessão do Lyceu de Santarém teve lugar em 25 de Janeiro de 1851 (op. cit., p. 86). Entre 1854 e 1861, Lyceu de Santarém e o Seminário foram geridos pela equipa católica da Patriarcal de Lisboa. O reitor era um clérigo e os padres docentes do Seminário leccionavam cumulativamente no Lyceu. Reitor e professores clérigos usavam, no exercício diário das suas funções, o hábito talar romano (op. cit. pp. 111 e 156), ou seja, a batina talar romana, a capa, os calções, as meias altas de seda, os sapatos pretos de fivela de prata, o cabeção preto, a volta branca e capelo romano ou o barrete de cantos e pompom (sendo o primeiro um chapeirão de feltro com abas reviradas, conhecido em Espanha por "barco").
Influenciados pelo paradigma cultural conimbricense e informados da recente extensão da capa e batina ao Lyceu de Évora, os alunos de Santarém escreveram ao rei solicitando autorização para uso de "um vestuário que os caracterize". Em resposta, a Portaria de 17 de Setembro de 1861, referida no Livro de Registo de Correspondência. Livro 8, 1877-1896, motiva a produção do «Regulamento de 1861 [sobre o hábito talar] pelo Dr. Américo Santos Silva, Cónego da Sé de Lisboa e Reitor do Lyceu Nacional de Santarém».
De acordo com o postulado, o hábito passa a ser de porte diário obrigatório para todos os alunos do sexo masculino matriculados, exceptuando-se alunos externos, alunos militares (que podiam usar os uniformes militares) e os estudantes clérigos (que podiam usar o hábito talar romano).
O regulamento é muito claro, escrito certamente pelo cónego reitor, com recurso a uma enunciação típica herdada das constituições sinodais e estatutos dos seminários, documentos que desde o século XVI caracterizavam e descreviam o hábitos dos clérigos sem quaisquer ambiguidades vocabulares, cromáticas, texteis ou morfológicas, no que também terá ajudado a recente implementação do sistema métrico.
Segue o texto:
«Artigo 1) O hábito talar académico constará de:
-Batina fechada adiante sem algibeira alguma (...) com casas fingidas ao meio d'alto abaixo na distância de quatro centímetros e botões pretos de crina pregados na extremidade das mesmas casas, e deve ter de comprimento um decímetro pelo menos abaixo do joelho;
-Cabeção com volta, de seda de duraque, em pano preto;
-Capa de pano preto, até ao artelho, com gola de cantos "vedados" (?!), de 7 a 8 centímetros na sua largura;
-Sapato d'entrada baixa e orelha e ou d'entrada acima, meia preta;
-Gorro que será também de pano preto, de 50 centímetros de comprimento, da largura da cabeça, sendo forrado de pre 2 centímetros na boca».
Comentários: 1) a batina era de corpo único e tinha carcela dupla ou carcela fingida; 2) consagram-se o cabeção preto e a volta branca numa época em que estas peças eram alvo de furiosa contestação em Coimbra, reclamando-se a sua substituição por camisa, colete e gravatão; 3) a capa é o antigo mantéu ou ferraiolo com bandas dianteiras e cabeção rectangular descaído pelas costas uns 7 a 8 centímetros; 4) adoptam-se os sapatos de chinelo, de fivela, também eles alvo de contestação em Coimbra; 5) não se mencionam explicitamente os calções, então usados em Coimbra e em Évora, motivo de constantes guerrilhas na cidade do Mondego; 6) deveras interessante a descrição do gorro, cuja longura confirma a iconografia do tempo.
No Regulamento de 1877, o cabeção de duraque preto continua a ser exigido, disposição desalinhada dos regulamentos conimbricenses que tinham autorizado o colete preto em 1863. As calças compridas constam da letra deste regulamento, não estando dito desde há quantos anos andavam em usança.

segunda-feira, 5 de julho de 2010


Cortejo fúnebre do Cardeal Desiré-Joseph Mercier (1851-1926)
Os cerimoniários com as condecorações pessoais, o brasão de armas e o galero romano (chapéu cardinalício) parecem seguir na frente da carruagem que transporta o féretro.

Maceiro e cónegos belgas no cortejo fúnebre do Cardeal Mercier, Bélgica, 28 de Janeiro de 1926