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sábado, 18 de agosto de 2007

Passeio pelos Saberes na Catedral de Laon (1210-1230)


Laon 1: a Teologia
Figura feminina entronizada, com livro aberto e fechado (a Sagrada Escritura), bastão e escada de acesso ao conhecimento.
A identificação da alegoria parece suscitar algumas dúvidas junto dos estudiosos. Em nossa opinião, não se trata da Filosofia, uma vez que na Catedral de Laon o programa decorativo dos saberes não se cinge às Septem Artes Liberales, enquanto curricula das Faculdades de Artes Liberais ou Escolas Menores. O ensaio decorativo proposto pelos mestres escultores de Laon é bastante mais abrangente, convocando também disciplinas das Escolas Maiores ou Faculdades Maiores, como a Medicina. Em tais casos, quando se curava de representar o conjunto geral dos Saberes, não sobram dúvidas quanto à indiscutível primazia da Teologia sobre todas as disciplinas e Faculdades de cada Alma Mater Studiorum.
A representação do livro aberto e fechado é muito curiosa e pertinente, sobretudo se lembrarmos que tal dispositivo era usado no ritual de ordenação dos bispos, nas investiduras de doutores e em algumas tomadas de posse de reitores

Laon 2: a Gramática


Laon 3: a Dialéctica
A presença da serpente pode suscitar alguma confusão com a alegoria de Farmácia, Hygeia ou Hígia, filha de Esculápio, cujos atributos são a serpente e a taça/almofariz


Laon 4: a Retórica


Laon 5: a Aritmética


Laon 6: a Medicina


Laon 7: Arquitectura (?), Desenho (?)


Laon 8: a Geometria

Laon 9: a Astronomia

Laon 10: a Música

Laon 11: O Filósofo
Possivelmente Aristóteles


Laon 12: Arquitecto? Geómetra?


Laon 13: Pintor, Pintura (?)
A Catedral francesa de Laon consagra um dos mais ricos programas decorativos medievais alusivo aos saberes, extravasando as sete disciplinas do Trivium e do Quadrivium.
Pela extensão da abordagem, repartida pela escultura e vitrais, Laon supera largamente a torre sineira da Catedral de Florença, o portal da Catedral de Clermont, os vestígios da Catedral de Sens, o pórtico do Mosteiro de Friburgo e o portal da Catedral de Chartres.
Na Catedral de Sens (sec. XII) existiam pelo menos 12 esculturinhas celebrativas dos saberes, as quais chegaram ao século XIX substancialmente mutiladas. Em Laon, os estudiosos de oitocentos contaram pelo menos 10.
Nesta recolha seguimos o "Dictionaire Raisonné de l'Architecture Française du XIe siècle au XVIe siècle. Tome 2, Arts Liberaux", com digitalização em http://fr.wikisource.org/wiki/Dictionaire_raisonné_de_l'architecture_francaise_du_XIe_au_XVIe_Siècle_-_T...-37k.

Saberes na Catedral de Sens


Música, Astronomia? (fig. 1)


Dialéctica (fig. 2)

Teologia? Filosofia? (fig. 3)
Eventual alegoria da Teologia ou Filosofia(?), com bastão e livro aberto no regaço. Desenho oitocentista conforme o original medieval de pedra, rosto desgastado


O crescente prestígio da Matemática
Retrato de Fra Luca Paccioli (1445-1517), rodeado por livros e objectos de trabalho e experimentação. Trabalho atribuído ao pintor Jacopo de Barbari.
Paccioli leccionou em diversas universidades italianas e morreu coberto de prestígio, numa época em que se vivia uma crescente matematização do real graças a nomes como Tartaglia, Cardan, Viète, Stevin e Pedro Nunes. A tendência irá no sentido de autonomizar os estudos matemáticos dos antigos curricula das Artes Liberais, projecto consumado no século XVIII com as reformas iluministas


O Prestígio das Artes Liberais
No quadro "Os Embaixadores", de Hans Holbein, o Jovem, datado de 1533, os objectos indicativos do domínio dos saberes decorrentes do Trivium e Quadrivium contribuem para reforçar a imagem de prestígio e competência dos dois jovens diplomatas


Rhetorica
Fresco no tecto da Biblioteca do Escurial. Esta biblioteca, mandada erguer por Filipe II, possui um extenso conjunto de frescos celebrativos das Sete Artes Liberais. O autor do programa decorativo foi Frei José de Siguenza, bibliotecário de Filipe II. Concretizou a vasta obra o pintor italiano Pellegrino Tibaldi (1527-1596). Neste caso concreto, a figura relativa à Retórica aparece rodeada por um leão e ostenta o caduceu de Mercúrio, elemento que nos EUA é erradamente considerado símbolo da Medicina, por confusão entre os atributos de Hermes/Mercúrio e os de Esculápio
(mais imagens em "Des Instruments Mathématiques anciens... dans les musées", http://dutarte.club.fr/; Escurial.htm)

Retórica
Relevo na torre sineira da Catedral de Florença, século XV


Astronomia
Representação masculina centrada em Claudius Ptolomaeus (ca. 168-90 A.C.). Relevo de Luca della Robia na torre da Catedral de Florença, 1437


Aritmética e Astronomia
Versão masculina dos saberes, com opção sobre Euclides (=Aritmética, e por vezes Geometria) e Pitágoras (=Astronomia, e por vezes Música). Relevo da autoria de Luca della Robia, torre sineira da Catedral de Santa Maria del Fiore, Florença, 1437. O "campanile Giotto" foi iniciado em 1334, tendo-se a empreitada arrastado pelo século XV

Philosophia
Trabalho de Rafael Sanzio (1483-1520) no tecto da Sala da Assinatura, Vaticano, ca. 1510



Retórica

A Retória enquadrada pelo Imperador Justiniano

(gravura da "Margarita Philosophica, já anteriormente citada)


A Philosophia, Mátria do Conhecimento
Gravura renascentista alusiva às Sete Artes Liberais. A Philosophia, entronizada, distinguida com manto, tiara, livro e ceptro, alimenta e coordena todos os saberes que servem de esteio ao Trivium e ao Quadrivium.
Quem demorar os olhos na estatuária da fachada principal da Faculdade de Artes Liberais/Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1951) depressa achará vestígios da tradição iconográfica medieval.
Não se sabe quem facultou ao escultor Barata Feyo as informações que conduziram à escolha das quatro estátuas: História (Tucídides), Filosofia (Aristóteles), Poesia (Safo), e Eloquência (Demóstenes). É possível que tenha sido Manuel Lopes de Almeida, mas não dispomos de dados confirmativos da intervenção daquele historiador e estadista.
A escolha e alinhamento das quatro figuras não constitui exemplo feliz, nem revela conhecimento bem fundamentado daquilo que fora a tradição iconográfica na Alma Mater Sudiorum Conimbrigensis. António de Vasconcelos, estudioso e profundo conhecedor destas matérias, teria seguramente enveredado por outro programa decorativo.
A Philosophia, pelo lugar central que ocupou desde a fundação da instituição, teria de figurar em lugar central e não lateral, como acontece naquele pátio. A escolha de Aristóteles afigura-se correcta.
A convocação de Tucídides para celebrar a História não é aceitável, uma vez que a alegoria correcta é a Musa Clio, tendo por atributos a coroa de louros, o clarim, a clépsidra, o rolo de papiro e a esfinge egípcia. Quando muito, o nome de Tucídides poderia ser epigraficamente inscrito na superfície do rolo de pergaminho de Clio!
A opção Safo, apesar das incursões de Rafaeal Sanzio na Stanza della Segnatura do Vaticano ("O Parnaso"), nã tinha eco na tradição coimbrã. A concretização de uma figura votada aos campos da poesia, literatura e talvez teatro, oferecia mais demorada e cuidadosa reflexão. Havia a tradição medieval da Gramática, a qual poderia ter sido modernizada, e as musas greco-romanas Érato e Calíope deveriam ser tido ponderadas. Um equivalente medieval deste micro-cosmo era Donato.
Por seu turno, a figuração plástica da Geografia ficou no esquecimento e a Música - esta com formulação artística desde o período medieval -, não foi sequer abordada.
Quanto à Eloquência, embora a opção Demóstenes seja convidativa, é bem de ver que se passou sem reflexão sobre as tradições multisseculares da Dialéctica e da Retórica. A figura histórica masculina mais solicitada no Ocidente nesta matéria era Marcus Tullius Cicero (384-322 A.C.) e não o grego Demóstenes


Philosophia Naturalis
Nas Faculdades de Artes Liberais, a simbolização do saber não era habitualmente reduzida a uma alegoria única, como acontecia em Teologia, Direito Canónico, Direito Civil (Leis) ou Medicina. Cada uma das disciplinas do Trivium e do Quadrivium tinha figuração plástica autónoma, padecendo de alguma oscilação entre modelos femininos e arquétipos masculinos. Apesar deste assumido poliformismo sapiencial, as Faculdades de Artes Liberais poderiam ser representadas ocasionalmente por uma única figura. Em tais situações, a primazia condensava-se sempre na Philosophia, ou Sophia, considerava a mãe aleitadora de todos os conhecimentos. A versão masculina da Philosophia era Aristóteles.
A gravura, de 1538, recria um diálogo entre a Philosophia Natural e Aristóteles

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

As Sete Artes na pena de Beham

Trivium
Gramática

Trivium
Dialéctica


Trivium
Retórica


Quadrivium
Aritmética


Quadrivium
Música

Quadrivium
Geometria

Quadrivium
Astrologia/Astronomia
Nesta secção damos notícia de uma colecção de gravuras alusivas às Sete Artes Liberais, da autoria do artista Hans Sebald Beham (1500-1550), existentes nos Services des Collections Artistiques da Université de Liège, Bélgica

Arts Libéraux
Representação pétrea das Sete Artes Liberais no gablete do pórtico da fachada norte da Cathédrale de Clermont. A estrutura piramidal é encimada por um Pelicano, ave considerada símbolo da Alma Mater Studiorum na Idade Média
(http://cathedrale-catholique-clermont-cef.fr/)


Les Arts Libéraux (a)
Vitral da Cathédrale de Laon, França, da autoria de Steinheil Adolphe Charles Edouard, inícios do século XIII, com restauro oitocentista


Les Arts Libéraux (b)
Esquema de leitura visual do vitral da Cathédrale de Laon, França, com a representação da Filosofia e Artes Liberais

Esboceto das Sete Artes
Desenho à pena das Sete Artes Liberais por Nicolò Il Giolfino, Paris, Louvre

Iluminura (a)

Iluminura (b)
As iluminuras (a) e (b) fazem parte do códice "Rotschild Canticles", produzido em França entre os séculos XIII-XIV. O documento pertence à Yale University.
A iluminura (a) representa a Gramática, a Astronomia, a Aritmética e a Geometria.
A iluminura (b) figura a Música, a Lógica e a Retórica
(Cf. "Las Definiciones de las Siete Artes Liberales y Mecánicas", http://www.ricardocosta.com/pub/artes/lib.htm)

Alegoria das Sete Artes Liberais
Trabalho da autoria de Marten de Vos (1532-1603), realizado por volta de 1590


Artes Liberais/Friburgo
A Gramática acompanhada pelas disciplinas convencionais do Quadrivium e do Trivium. Rara e excepcional representação gótica das Septem Artes Liberales no pórtico da fachada oeste do Mosteiro de Friburgo, ca. 1270-1290. A Gramática é identificada pela convencional figura da mestra com chibata e aprendizes. No entanto, a Dialéctia e a Retórica fogem à iconografia tradicional. A esculturinha da Dialéctica, considerada invulgar, está em pose argumentativa. A Retórica faz sair das mãos moedas de ouro, atitude que pode ser interpretada como tesouro que se pode ofertar a quem se dedicar ao estudo deste saber
(http://www.zum.de/; Rolf Toman/Birgit Beyer/Barbara Borngasser, "A Arte do Gótico. Arquitectura. Escultura. Pintura", Bonne, Konemann, 1998. Edição portuguesa de 2000, pp. 484-485)


As Sete Artes Liberais
Criação do artista Giovanni dal Ponte (1376-1437)

Quatro representações italianas dos saberes


Arquitectura
A arquitectura costuma ser representada através de uma figura feminina que exibe uma maquete de um edifíco e eventuais instrumentos do ofício

Aritmética

Gramática

Música
As quatro alegorias apresentadas neste lote de pinturas murais são parte integrante e património do edifíco sede da Câmara do Comércio de Savona, Itália. O Pallazo Lamba Doria, adquirido em 1953 para albergar a instituição, já comportava a ornamentação dos tectos e paredes, fruto de encomendas efectuadas pelas anteriores famílias possidentes.
(cf. Camara di Comercio Savona. Palazzo Lamba Doria, Savona, http://www.sv.cam.com/it/FR/Page/t04/view_html?idp=734)

Jovem introduzido na assembleia das Artes Liberais
Fresco da autoria do pintor italiano Sandro Botticelli, realizado para a Villa Lemmi, Florença, ca. 1483-1485. Encontra-se actualmente no Louvre. Cada um dos saberes está identificado pela inclusão de um objecto simbólico. O jovem será o político e mecenas florentino Lorenzo

Uma visão dos saberes em Mantegna


Filosofia
Para a representação da Filosofia, Mantegna não hesitou em escolher Pallas Atheneia, a protectora de Atenas e deusa da sabedoria do mundo clássico. A armadura, a lança e o escudo completam o desenho


Aritmética
Mulher com ar concentrado, resplendor e contas nas mãos


Geometria
Mantegna desenha a Geometria (com graça e imaginação) suspensa numa nuvem, com o intuito de sugerir a ideia de abstracção do pensamento. A alegoria, aparentemente grávida de sabedoria, traça figuras geométricas como o círculo, o quadrado e o triângulo