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sábado, 25 de outubro de 2008


Mulher com traje tunante
Neste bilhete postal (ca. 1910-1915), das colecções do Museo Internacional del Estudiante, não se esclarece se a figura fixada nos alvores do século XX terá integrado uma tuna feminina universitária espanhola, ou se seria uma actriz vestida de estudante-tuno, à semelhança de imagens do estudante de Coimbra idealizado que então circulavam em revistas mundanas portuguesas.
O traje de tuno, em eclético estilo seiscentista com condimento de bicórnio napoleónico, não pode considerar-se veste dos estudante, numa Espanha cujo governo central aboliu o uso obrigatório do antigo uniforme estudantil em 1834.
Por influência das tunas espanholas de finais de oitocentos, o laçarote estilo "comunhão solene" foi profusamente usado pelos tunos do Liceu de Évora, Universidade de Coimbra, e demais instituições de ensino portuguesas onde foram emergindo tunas até à década de 1920.
Traje masculino de tuno, predominante até à década de 1970, seria desde 1973 substituído por um eclético traje nobiliárquico à "século de ouro" cujo alfa irrompeu na Universidade de Salamanca. Com o fim do regime franquista, tunas femininas à espanhola surgiram em diversas universidades, com derivas pela América Latina, França, Holanda e Alemanha.
O traje de tuno feminilizava-se e dava mostras de sintonizar com o fenómeno de invenção de trajes revivalistas e ecléticos em escalada de afirmação nas décadas de 1980-1990 um pouco por todo o Ocidente e antigos "países de leste". A chave para a leitura da nota dissonante entre o neo-tradicionalismo do passado e o de finais do século XX reside na total ausência de complexos quanto à assunção de símbolos conservantistas, na coexistência pacífica entre os mais desvairados ecletismos e na rejeição ostensiva do legado monocultural. Dito de modo simples, aos mono-trajes e mono-insígnias bebidas num paradigma considerado sagrado e inultrapassável, sucederam os poli-trajes e os processos de construção de identidades diferenciadas.
O traje de tuno acima representado praticamente deixou de ver-se em Espanha, apesar da Tuna da Universidade de Santiago de Compostela perseverar em mantê-lo.


Graduanda
Gravura alusiva a uma mulher graduada por universidade da Grã-Bretanha, ano de 1888.
(colecções do Museo Internacional del Estudiante)


Formatura
Cerimónia de formatura numa universidade dos EUA em 1895. No meio do grupo masculino vislumbra-se uma graduanda em toga e barrete. Imagem em processo de afirmação nas universidades anglo-saxónicas e na advocacia europeia, eis um caminho não assumido pelos estabelecimentos de ensino superior da Europa Continental, ou porque não havia traje oficialmente definido para os alunos em determinadas instituições, ou porque o traje existente noutras era de tal modo masculinizado que não oferecia elasticidade suficente para acolher a solução unissexo.
Mas não se pense que Coimbra configurou um caso isolado de incapacidade de resposta simbólica à feminilização, com abertura restrita ao tailleur dos liceus em 1951 e apropriação do pequeno uniforme dos lentes à primeira docente doutorada intra-muros em 1956.
Os estudantes franceses, não raro apontados de modo pouco informado como archotes da era abolicionista, tinham regressado do 8º Centenário da Universidade de Bolonha (1888) com uma gorra renacentista, rapidamente naturalizada nas universidades com a nomenclatura de "la faluche". Em termos de ensino técnico, a Escola de Artes e Ofícios de Cluny só em 1964 abriu o seu "zagalon" de oficial da marinha às alunas. E a toda orgulhosa Polytéchnique de Paris, feminilizada em 1970, aguardou 1974 para vestir as suas alunas com o "grande uniforme" napoleónico. Noutro registo, considerando os contactos frequentes com o mundo universitário, o Institut de France também aguardou a década de 1970 para oficializar uma versão feminina do seu "habit vert".
(colecções iconográficas do Museo Internacional del Estudiante)


Helen Keller bacharel
Helen Adams Keller (1880-1968) fotografada em 1904, no dia da sua formatura (graduation ceremony) em Filosofia no Radcliff College.
Nos países anglo-saxónicos, cujas universidades conferiam grande visibilidade ao cerimonial de formatura de bacharéis, os trajes talares académicos não sofreram ao longo de oitocentos a erosão vivida na Europa continental. Novas universidades criadas ao longo do século XIX na Grã-Bretanha e seus domínios ultramarinos adoptaram trajes neo-talares revivalistas baseados nas tradições de Oxford e Cambridge.
Nos EUA, entre 1893-1895, diversas universidades aproximaram-se dos paradigmas configurados por Oxford e Harvard, em conformidade com os trabalhos propostos pela "Intercollegiate Comission, de que resultou o primeiro "Code of Academic Regalia".
Devido ao facto de terem mantido a feição talar das vestes académicas, as universidades anglo-saxónicas responderam com pragmatismo à presença das primeiras alunas matriculadas. Mais complexa na Grã-Bretanha, simplificada nos EUA, a "cap and gown" tornou-se unissexo para alunas e professoras do ensino superior, conformam documentam fotografias tomadas desde a década de 1880. Seria também este o caminho seguido pelas mulheres diplomadas em Direito que se lançaram na exercitação de profissões como advogada e de magistrada.
Em Coimbra, onde se manteve até finais de 1910 a cerimónia de formatura e a obrigatoriedade da "capa e batina", a conversão do antigo traje talar num conjunto burguês masculino à base de casaca/calça comprida (=pequeno uniforme), ditou a opção pela não adopção de um traje académico unissexo. As primeiras alunas, chegadas em 1891, andavam em vestido preto, andaina que podiam completar com capa de estudante e pasta com fitas.
Em alguns estabelecimentos portugueses de ensino superior não universitário havia trajes profissionais para docentes, mas não trajes discentes nem cerimónias oficiais de formatura. Esta situação possibilitou desde 1889 uma corrida em crescendo à capa e batina dos estudantes de Coimbra por parte dos alunos das escolas politécnicas e médico-cirúrgicas de Lisboa e Porto.
A emergência de tunas nos liceus e politécnicos desde ca. 1890, o activismo estudantil recauchetado pela efervescência nacionalista espoletada pelo Ultimato Britânico, e um conjunto de festividades de carnaval/fim de ano apropriadas e re-inventadas pelos estudantes do Portugal continental e insular, fizeram concentrar as atenções na capa e batina de Coimbra.
A demanda portuguesa de trajes académicos discentes, em processo de incrementação nos liceus e politécnicos portugueses no crepúsculo de oitocentos não pode dissociar-se do clima de perturbação emocial e identitária gerada pela Conferência de Berlim de 1884-1985, nem do grande encontro internacional de legações académicas que marcaram presença no 8º Centenário da Universidade de Bolonha (1888).
O discurso produzido em Coimbra por franjas juvenis pró-abolicionistas que procuravam associar os trajes académicos e as insígnias ao obscurantismo e ao clericalismo contavam apenas a sua "verdade" e ocultavam a realidade internacional. E a realidade internacional coeva movimentava-se no sentido de os estudantes universitários dos EUA, Espanha, França, Áustria, Suiça, Alemanha, Bélgica e Suécia, afirmarem a sua identidade através de bonés, faixas peitorais, espadas, capas e capotes.
A opção portuguesa, prevalecente após a Revolução Republicana de 1910, resultou num desencontro bifurcante entre traje talar docente e não traje discente, com adesão à capa e batina masculina de Coimbra. A aposta em traje da casa para docentes e traje de fora para alunos não estava de acordo com os paradigmas "clássicos" europeus, então sintonizados com três opções masculinas predominantes:
-a) adopção do abolicionismo radical, ou rejeição de traje profissional como elemento identitário estruturante, a exemplo das soluções seguidas por alunos e docentes do Curso Superior de Letras (1859), Instituto de Agronomia e Veterinária (1886) e Instituto Industrial e Comercial de Lisboa (1894) e Porto (1891);
-b) não consagração institucional de trajes discentes nas escolas politécnicas e médico-cirúrgicas de Lisboa e Porto (1836-1837). Na esteira do paradigma francês herdado da Revolução de 1789 e da governação napoleónica, a haver lugar a traje neste tipo de estabelecimentos de ensino, este seria de feição pró-militar, estruturado em grande uniforme e pequeno uniforme, o que na realidade nunca chegou a acontecer;
-c) continuidade do cerimonial togado, abandonado em Espanha desde 1834, a viver dias de acentuado declínio em Coimbra, mas em processo de expansão nos países influenciados pela cultura britânica.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008


Tailleur


Tailleur


Tailleur
O tailleur é anterior ao século XX. Nestes desenhos de alfaiataria industrial, é possível vislumbrar alguns modelos de casacos femininos, para o Inverno de 1880, publicados nas páginas da revista internacional de modas THE DELINEATOR, Volume XVI, Nº 3, London/New York, Setember 1880, pp. 117-119 (ladies coat; ladies coat basque, ladies sreet jacket; double-breasted coat). A inspiração militar é notória em certas peças, mas a nota dominante assenta no trabalho de despojamento do vestuário feminino, que na senda da moda masculina burguesa, tende a abandonar rendas, folhos e pregueados.


Hospedeiras
Num período em que os liceus portugueses tinham o tailleur preto definitivamente consagrado como "traje feminino", e após experiências similiares implementadas pelos corpos de enfermeiras militares da Grande Guerra, os regimes autoritários de entre guerras começavam a apostar no enquadramento das juventudes através de organizações partidário-propagandísticas que não dispensavam os fardamentos femininos.
As primeiras companhias de aviação civil, em processo de afirmação na passagem da década de 1920 para os anos 30, apostaram na credibilização da sua imagem através do recurso às fardas da marinha. O processo não era novo, nem tinha dada de original. Em França, o uniforme militar preenchia o imaginário e funcionava como instrumento de reforço da imagem do Institut de France, da École Polytéchnique e das escolas de artes e ofícios. Desde a segunda metade do século XIX que as famílias aristocráticas, a burguesia abastada e colégios particulares vestiam as crianças com fatos de marujinho. Como tal, não suscita surpresa que em 1930 a filial brasileira da Boeing tenha contratado 8 enfermeiras para "aeromoças", desde logo fardadas com tailleur estilo marinha/navy. O rastilho incendiou, a uma escala globalizada, com a aeronáutica civil a apropriar-se definitivamente dos fardamentos da velha marinha.


Enfermeiras britânicas
No período da Grande Guerra, as enfermeiras britânicas do "Queen Alexandra's Royal Army Nursing Corps", formado em 1881, mantiveram as botas de couro, a túnica cinzenta com punhos e colarinho em branco, a touca branca de monja, a bolsa de couro e uma romeira de ombros em vermelho (Austrália) ou cinza e vermelho (Inglaterra), num figurino mais próximo de Florence Nightingale.

Enfermeira
Bata hospitalar da Cruz Vermelha, capote azul marinho avidado a vermelho e chapéu, conforme uso adoptado nos EUA nos anos da Grande Guerra


Capote de enfermeira
Capote militar em lã azul marinho, forrada de vermelho, estolas dobradas na frente e fixadas com carreiras de 4 botões de massa, colarinho simples e emblema. Modelo de tipo marinha/navy, consagrado pelas equipas de enfermagem de países como os EUA e o Canadá durante a Segunda Guerra Mundial e anos posteriores.
Este capote era habitualmente usado com bata ou a título de complemento de um tailleur estilo marinha (dólmen/saia/luvas/touca). O uso do capote não surgiu apenas no segundo conflito mundial. Iconografia do período da Grande Guerra de 1914-1918 documenta o sobretudo de arruar, o kaki cor de cinza, mas também o capote.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008


Enfermeiras
Evolução dos uniformes de enfermeiras ligadas a hospitais militares na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais


Enfermeira
Traje de enfermeira da Cruz Vermelha, EUA, anos da Primeira Guerra Mundial: botas de couro, saia pela meia perna, aberta na frente, casaco militar de tipo marinha, luvas, braçadeira, blusa branca e chapéu


Enfermeira
Uniforme de enfermeira militar, conforme o modelo marinha/navy, em uso no corpo de enfermeiras do Base Hospital nº 48, dos EUA, em 1918: chapéu azul escuro de feltro, blusa branca, casaco navy, cintado, com 4 bolsos e galões, saia 20cm acima do calcanhar, luvas azul marinho, de couro, e botas com 25cm de cano.
Este uniforme, destinado a serviço prestado no exterior, era completado por sobretudo ou capote. Também foi conhecido e usado em Portugal pelas enfermeiras dos hospitais militares, em conformidade com a regulamentação e desenhos do Decreto nº 4:136, de 24 de Abril de 1918, do Ministério da Guerra. Em Inglaterra e na Austrália, as enfermeiras da Grande Guerra mantiveram fidelidade à antiga touca de estilo monástico, ao longo avental branco de peitilho, e no Inverno usavam uma romeira ou capinha de ombros em lãzinha azul e vermelha.
No Portugal da segunda década do século XX, a Primeira República e a Grande Guerra conferiram visibilidade sócio-profissional às mulheres citadinas. Os departamentos da administração pública começaram a recrutar contínuas e dactilógrafas. Por 1915-1916, as alunas dos liceus de Lisboa e Porto adoptaram espontaneamente como "fato de estudanta", um tailleur idêntico ao usado pelas enfermeiras militares, a que adicionaram a capa escolar preta.
Em Dezembro de 1913, a jovem estudante de Direito de Coimbra, Regina Quintanilha, advogou no Tribunal da Boa Hora com toga talar. Cerca de 4 anos decorridos, em 1918-1919, o executivo abria portas às profissões de advogada, notária, conservadora dos registos e suas ajudantes, omitindo embora referências a trajes profissionais. E em meados de 1916 dera que falar em Coimbra a Doutora Carolina Michaelis, dada a sua aparição pública em capa talar e insígnias doutorais da Faculdade de Letras.
Fontes
-Frederic Dearborn, "American Homeopathy in the World War", http://www.homeoint.org/books2/ww1/48nurses.htm;
-"Nurses and the US Navy. 1917-1919. Red Cross and Army Nurses Uniforms", http://www.history.navy.mil/photos/prs-tipic/nurses/nrs-e8d.htm;
-"History of Queen Alexandra's Royal Army Nursing Corps", http://www.arms,museum.org/uk/historyQUARAN.htm;
-"Nurses Uniforms. Past and Present", http://dyk2.homestead.com/;