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terça-feira, 12 de julho de 2011



Painel 4. Proposta de recriação do hábito talar para a 1.ª metade do século XVII. Erros na abordagem da loba, mantéu excessivamente curto, ausência de diversidade na chapelaria. Edifício da AAC/Coimbra/1963/João Abel Manta.





Painel 3. Proposta de figuração da loba e mantéu dos estudantes para a segunda metade do século XVI. Colhe informação no desenho da Cidade de Coimbra inserto por George Braunio na Civitas Orbis Terrarum. Incorrecções no tratamento do mantéu e da loba, volta a replicar a ideia de traje uniformizado. Edifício da AAC/Coimbra/1963/João Abel Manta.



Painel dois. A indumentária civil respeita ao século XV. O hábito dos escolares revela anacronismos na altura das bainhas, na padronização do feitio e no recurso ao pelote, veste masculina por excelência do século XVI. Edifício da AAC/Coimbra/João Abel Manta/1963.

Nota: no período do Estado Novo os artistas usam o pelote a torto e a direito, com ele vestindo navegadores, heróis, aventureiros e predadores dos mares. A pintura/escultura de "capa e espada" deixou evidentimente a sua marca.



Trajes dos escolares do Studium Generale português. Proposta de reconstituição de João Abel Manta com enquadramento na vestimentária civil do século XV (indumentária gótica). Reconstituição não credível, o 1.º painel deveria reportar-se ao século XIV e nunca poderia exibir conspecto padronizado (os hábitos talares não eram uniformes, isto é, não eram fardas). Edifício da AAC/Coimbra/1963.



Figuração alusiva à Matemática, pórtico monumental do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciência da UC (1969). Escultor Gustavo Bastos, ao tempo docente da Escola Superior de Belas Artes do Porto.

domingo, 10 de julho de 2011



Escolar com fatiota vitoriana, quadro de Theo van Rysselberghe (1862-1926)



São Nicolau, patrono das crianças e dos estudantes. Em algumas povoações europeias era festejado pelos estudantes no mês de Dezembro. Em Portugal, os estudantes do ensino secundário da cidade de Guimarães dedicam-lhe uma das mais originais festividades académicas.



Escolar chinês, fotografia realizada por Jonh Thomson em 1871

Pormenor central do painel de João Abel Manta para o jardim da Associação Académica de Coimbra (1963). No meio dos colegas de capa e batina, bem visíveis duas estudantes com tailleur preto e capa, traje escolar adoptado na Universidade de Coimbra em 1954, com longa tradição de uso nos liceus portugueses desde a 1.ª Guerra Mundial e no Orfeão Universitário do Porto (anos da 2.ª Guerra Mundial).
A crescente feminilização dos liceus portugueses e dos estabelecimentos de ensino superior começava a tornar-se uma realidade social.



Actividades culturais e recreativas dos estudantes. Painel cerâmico prolícromo de João Abel Manta no jardim interior da Associação Académica de Coimbra. Edifício ocupado em 1963 pelos serviços vindos do Colégio dos Padres Grilos.

Trabalho mais interessante do que as propostas assentes na fachada voltada à Avenida Sá da Bandeira, figura um grupo de estudantes de capa e batina, sendo a primeira vez que vemos registado o modelo masculino e o modelo feminino do traje académico.





Na proximidade da estátua de D. Dinis, posicionadas sobre plintos no alto das Escadas Monumentais avistam-se duas colossais bolas de pedra, bem ao gosto urbanístico fascista. Dizem bem do modus faciendi do arquitecto José Cottinelli Telmo e das suas propostas para a Cidade Universitária de Coimbra. Os estudantes, dados a caçoadas e chalaças chamam as estas bolas os "colhões de D. Dinis". Não são, mas lá que a piada tem graça, lá isso tem! No meu tempo havia caloirões ingénuos que davam tratos à moleirinha para descobrir onde onde é que D. Dinis teria colocado os ditos cujos.

Dias virão em que os símbolos dos saberes universitários deixarão de ser estudados apenas pela História da Arte e pela Sociologia. Quando tal acontecer, as disciplinas das áreas das Ciências da Educação passarão a trabalhar as alegorias, os atributos e os símbolos do saber como capital simbólico e metanarrativas sobre a produção, legitimação e reprodução dos saberes.



O Rei D. Dinis, fundador do Studium General. Estátua de vulto, da autoria do escultor Francisco Franco, posicionada no espaço anteriormente ocupado pelas fundações do castelo de Coimbra e de parte do Colégio dos Militares (à data das demolições, Hospital dos Lázaros). Datada de 1950, a praça só ficou verdadeiramente pronta para a inauguração do Departamento de Matemática, em 17 de Abril de 1969. A escultura é de gosto duvidoso, tal como também o é a do rei D. João III que foi implantada no Pátio das Escolas. Faz parte de um arranjo urbanístico que se prolonga pelas vizinhas Escadas Monumentais, um escadório à romana de cortar a respiração.

A Poesia representada por Safo, átrio da Faculdade de Letras da UC (1951). Escultura de vulto de Barata Feyo.
Um dos dados mais curiosos no programa decorativo das obras da Cidade Universitária de Coimbra/Polo I, edificada durante o Estado Novo, é o tratamento aleatório conferido às obras de arte que pretendem representar saberes académicos ancorados em alegorias, atributos e emblemas de raiz greco-latina. Raramente os saberes são representados pelas alegorias greco-latinas, opção aparentemente estranha, pois os artistas convidados trabalharam com base em informações prestadas pelos lentes de Letras, Medicina e Ciências. Dir-se-ia que houve uma opção pelo partido medieval conhecido através dos frescos da época e dos programas das portas das catedrais que figuram as Artes Liberais e alguns dos saberes entretanto integrados nas escolas maiores das universidades europeias.



A História representada por Tucídedes, átrio da Faculdade de Letras da UC (1951). Escultor Barata Feyo.

A Filosofia representada por Aristóteles, átrio da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1951). Escultor Barata Feyo.



A Eloquência na figura de Demóstenes, átrio da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Escultor Barata Feyo. Edifício inaugurado em 22.11.1951



Minerva ladeada pela Matemática e pelas Ciências Naturais, grupo escultórico de Leopoldo de Almeida (1958) assente no cunhal da Faculdade de Ciências (concluída em 1975).

Exemplo ultimado da escultura de cunho fascista, aqui com uma Minerva guerreira inspirada na estátua assente em frente à Reitoria da Universidade de Roma.

As ciências médicas, grupo escultórico junto ao cunhal da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Trabalho do escultor Leopoldo de Almeida (1955), inaugurado em 1956.



Representação dos saberes, fachada da BGUC, 1956

A LÓGICA, escultor Duarte Angélico.

Representação dos saberes, fachada da BGUC, 1956
A GRAMÁTICA, escultor Duarte Angélico. Nas figurações medievais, em vez de chave, os escultores adoptavam a chibata ou a régua em espátula.



Representação dos saberes (Artes Liberais), fachada da BGUC, 1956

A ASTRONOMIA, escultor Duarte Angélico.



Representação dos saberes, fachada da BGUC, 1956

A MATEMÁTICA, escultor Duarte Angélico. Outro exemplo de reinvenção das alegorias e atributos que não segue a figuração greco-romana.



A representação dos saberes académicos, fachada da BGUC, 1956

A FÍSICA, escultor Duarte Angélico



Representação dos Saberes, fachada principal da BGUC

A BIOLOGIA, associada a Charles Darwin, com presença de plantas, moluscos e ossadas. Escultor Duarte Angélico. Edifício inaugurado em 1956. Trata-se de uma representação à maneira medieval, que reinventa as alegorias e atributos, omitindo a mitologia greco-romana.



As Mamudas (II)

Fachada principal da BGUC, escultor António Duarte, 1956.

A intenção inicial seria representar as Artes Liberais, o Trivium e o Quadrivium. Verdadeiros "mister dinamite", misto de Arnold Schwarzenegger e Silvester Stallone avant la lettre, simbolizam o delírio monumentalista que se tinha apossada das obras públicas e do discurso sobre os edifícios públicos na época áurea dos regimes autoritários e totalitários.

A retórica higienista associada ao vigor físico e às capacidades da chamada "raça portuguesa" estava em flagrante conflito com a realidade social, genética e alimentar da população portuguesa continental e insular. Passava-se fome, a dieta alimentar era desiquilibrada, havia doenças não debeladas e a ameaça do raquitismo obrigava à ingestão de frascos de óleo de fígado de bacalhau nas escolas de ensino primário. Na maior parte das províncias a população masculina e feminina era de baixa estatura, os homens a rondar 1,60m a 1,65m de altura, as mulheres com cerca de 1,50m a 1,55m de altura. Em certas localidades estes portugueses baixinhos eram conhecidos por ratinhos. Mais de 50% da população nascia e vivia nos campos. A gestação não era medicamente acompanhada e os partos decorriam em casa, registado-se elevadas taxas de mortalidade infantil e carências de suplementos vitamínicos.



As Mamudas (I)

Grupo escultórico de vulto, em pedra calcárea. Da autoria de António Duarte, pretende representar as Artes Liberais. Fachada principal da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, edifício inaugurado em 29 de Maio de 1956. Colossos marcados pelo monstruosismo, traduzem explicitamente os valores da estética fascista bebida na permuta com a Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler. Presentes a retória do nú enquanto marca visual do higienismo racial e o apelo à ideia de brigada de intervenção/falange. O pudor dominante ao tempo obrigou à primeira mamoplastia conhecida em Coimbra. Corre na tradição oral que as mamonas tiveram de ser desbastadas para não ferirem as vistas mais sensíveis. Os estudantes de Coimbra vingar-se-iam. Os grupos escultóricos logo foram baptizados de "Mamudas". A Praça da Porta Férrea passou a ser a "Praça das Mamudas". O que restava da Rua Larga ficaria conhecido por "Via Láctea", numa alusão picaresca aos abundantes e nutritivos jorros de leite das "Mamudas".

E as peripécies não acabam aqui, como se verá.