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sábado, 24 de abril de 2010


UNAV, formatura em Nutrición Humana y Dietética
Aspecto do auditorium


UNAV, curso de farmácia
Cerimónia realizada em recinto gimnodesportivo, cenário que parece remeter para as massificadas graduations americanas.


UNAV, pormenor do feitio da murça adoptada para licenciados

Univ. de Navarra, cerimónia de formatura
Imagens relativas à cerimónia de formatura em Farmácia, realizada em 9 e 11 de Fevereiro de 2008. Navarra propõe a adopção de uma toga preta e de uma murça (muceta) de cetim roxo (morado) com o emblema da respectiva faculdade.

domingo, 18 de abril de 2010

Graduación, Promoción, Diplomatura, Imposicion de becas


Complutense: imagens da cerimónia de formatura 2009


Usal: recém-formada em Farmácia com beca e barrete doutoral


Usal: a Vice-Reitora impõe o barrete doutoral de Farmácia a uma recém-graduada


Usal: foto de conjunto no final da cerimónia de formatura de Farmácia
Como estão a reagir os estabelecimentos de ensino superior espanhóis à concorrência e que novos instrumentos de marketing estão a implementar para promover nos cenários nacionais e internacionais a sua investigação, os seus docentes e diplomados e as suas identidades corporativas?
Vale a pena recordar que nas universidades históricas espanholas onde o hábito talar discente era obrigatório, o seu porte foi abolido em 1834. Quanto às insígnias doutorais e hábito talar dos professores, em 1850 o governo de Madrid procedeu à sua nacionalização e imposição do mesmo modelo em todas as universidades. No caso específico da USAL, o cerimonial foi desintegrado com a abolição dos antigos graus de bacharel e de licenciado.
Em Coimbra, os trajes institucionais, a colação dos graus (bacharel, licenciado e doutor) e demais cerimonial foram alvo de abolição governamental em 1910. Nos anos que se seguiram, houve lugar a uma uniformização incompleta, que passou pela nacionalização das insígnias doutorais conimbricenses em 1918 e do traje dos estudantes em 1924. O hábito talar docente da Univ. de Coimbra nunca chegou a ser nacionalizado pelo governo central, embora seja usado em diversas universidades nas quais existe traje professional próprio.
Até ao final da Segunda Guerra Mundial e à criação da ONU, os regimes políticos europeus liderados pelas elites letradas pautaram a definição das suas políticas por programas centralizadores e uniformizadores. Estes programas, ao substituirem o espaço anteriormente ocupado pela Igreja Católica pelo estado laico, adoptaram atitudes etnocidaristas que diabolizavam todas as diferenças e peculiarismos. Consideradas "incivilizadas" e "inferiores", as culturas locais, regionais, de certas corporações, foram negativizadas e declaradas abolidas por decreto. Intolerante perante os sistemas culturais diferentes, o estado contemporâneo assumiu-se como único centro legítimo de organização da sociedade e das instituições. A visão etnocêntrica da cultura não foi apenas apanágio dos despotismos esclarecidos de Ancien Régime, do nazismo ou dos regime totalitários socialistas. O jacobinismo de matriz francesa cultivou um assumido horror à diferença cultural, atitude dificilmente conciliável com os valores demoliberais então proclamados. Através de uma política de abolições por decreto, da instauração da língua única nas escolas primárias e liceus e do serviço militar obrigatório, a III República Francesa impôs a todo o país uma política de afrancesamento parisiense. Em Espanha, o regime franquista reprimiu severamente as línguas regionais.
A partir dos estudos publicados em 1970 pelo antropólogo Robert Jaulin (1928-1996: La paix blanche. Introduction à l'éthnocide), a palavra etnocídio passou a ser utilizada para caracterizar as acções de desmantelamento dos caracteres culturais, sociais, linguísticos e simbólicos de um grupo por outro mais poderoso. Ao contrário do genocídio, que actua sobre os corpos e os bens materiais, o etnocídio visa destruir a identidade. Apesar de alguma controvérsia em torno do termo etnocídio, o século XX viu nascer a "etnografia de salvaguarda" (Franz Boas, entre outros), que é sobretudo uma atitude e um método voltados para a recolha, preservação audivisual de práticas culturais e artefactos em risco e implentação de iniciativas com vista à sua revitalização. Um dos melhores exemplos é-nos dado pela etnomusicologia.
Uma das estratégias comunicacionais que tem conquistado crescentes adeptos nas universidades, nos politécnicos e nas business schools é a graduation ceremony de tipo norte-americano, com cap and gown e o acto de entrega de diplomas num grande auditório ou num recinto desportivo. De acordo com a informação disponível no ciberespaço, a graduation tem vindo a ser gradualmente implantada após o Processo de Bolonha em universidades da Itália, Roménia, Alemanha e França. Algumas palavras circulantes em Espanha, como "promoción", comprovam a crescente recepção e aculturação dos paradigmas universitários e empresariais norte-americanos. Nas línguas ibéricas, "promoção"/promoción" significa promover um produto ou uma marca, por outras palavras fazer publicidade a um produto comercial ou empresarial.
Estas neo-cerimónias não são exactamente tradições académicas tout court nem devem confundir-se com a antiga colação de grau ou formatura de bachareis e licenciados, as quais obedeciam a um conjunto de rituais codificados, assentes em determinados cenários, falas rituais, porte de indumentária e imposição de insígnias. Ao contrário das ancestrais solenidades, portadoras de grande densidade, as novas cerimónias são difusas e pouco expressivas.
Em Espanha existe a expressão "diplomatura", a meu ver muito adequada à identificação e estudo das neo-cerimónias. A diplomatura é uma cerimónia civil (na linguagem de Coimbra, dir-se-ia "futrica", isto é, dessacralizada) que consiste basicamente na transposição da organização mediática de eventos como a entrega dos Óscars em Hollywood, a entrega dos Grammys no mundo da indústria musical, a entrega da Bota de Ouro às stars do futebol e a certos programas televisivos de tipo concurso em que se ganham viaturas ou recebem prémios.
Como se pode ver através de imagens da gaduation ceremony realizada em 2009 na Faculdade de Direito da Universidade de Poitiers ou da cerimónia de licenciatura/"promocion en Medicina" concretizada em 2006 na Universidad de Valladolid, os vice-reitores, os directores de faculdades e os alunos apresentam-se perante o auditório e falam ao microfone no mesmo estilo dos apresentadores dos talk-shows televisivos. Os novos graduados são chamados ao palco, recebem e exibem diplomas perante a plateia e os fotógrafos exactamente como nos Óscars, na Palme d'Or, nos Grammys ou na Bota de Ouro. Por vezes, os diplomas exibidos no teatro ou no edifício gimnodesportivo são falsos, não estando ainda completamente validados na secretaria ou chancelaria, gesto que reproduz o modus faciendi de concursos televisivos onde os concorrentes vencedores se fazem fotograr ao lado do locutor com um gigantesco cheque bancário que constitui um simulacro da realidade.
A "promoción de Medicina", relativa ao curso 2000-2006, que se realizou no dia 24 de Junho de 2006, está amplamente divulgada na página web da Universidad de Valladolid (canal institucional). O evento é do tipo diplomatura e segue de perto o formato televisivo e cinematográfico da entrega de prémios a figuras que anualmente se distinguem. Apenas os docentes de Medicina envergam toga talar e insígnias doutorais. Os novos licenciados vestem indumentária civil, trazendo uma beca sobre os ombros.
Relativamente a este evento, notámos os seguintes momentos estruturantes:
-entrada da comitiva docente em auditório com toga preta e insígnias amarelas;
-constituição da mesa da presidência;
-palavras de abertura pela vice-reitora;
-discurso do decano de Medicina;
-lição de despedida (um docente);
-discurso de despedida do curso (dois alunos);
-chamada dos alunos pelo secretário, em grupos de 9, e entrega dos diplomas (os alunos levantam-se, vão até ao palco, recebem os diplomas, cumprimentam os membros da mesa, são aplaudidos e regressam aos seus lugares);
-juramento hipocrático (em coro);
-discurso da vice-reitora;
-actuação de grupo coral (Coro da Capilla Classica);
-clasura do acto.
A "promoción" vem reportada na comunicação social para a Universidad Católica San António de Murcia: constituição da mesa com os docentes em traje civil e os graduandos com beca sobre indumentária civil. O evento tem lugar sensivelmente desde o ano de 2000. Existem imagens disponíveis no endereço http://gabcom.ucam.edu/?s=22Jose+Luis+Martinez%22.
Na Universidad Complutense, o "solemne acto académico de graduación" remonta a 1986, conforme aparece confirmar uma notícia publicada no periódico ABC de 15.07.1986. Nos primeiros anos seria uma diplomatura meramente civil. Na actualidade a cerimónia complutense é feita com os graduandos à civil na sala de actos, usando estes becas nas cores das especialidades científicas. A mesa é mista, composta por autoridades académicas togadas e por autoridades civis e membros da família real. Imagens disponíveis no endereço http://www.ucm.es/info/ucm/pags.php?tp=Acto%20%de%20Graduacion&a=directorio&d=009712.php.
Na Universidad de Vigo organiza-se uma mesa de presidência mista e a entrega de diplomas é feita com os graduandos em traje civil. Cerimónias semelhantes têm sido realizadas na Universidad Carlos III de Madrid (canal univ., http://marge2.uc3m.es/arcamm/items.php?course=Ceremonias%20de%20Graduaci%C3%B3n%202007/08), e na Universidad de Málaga (imagens em http://www.uma.es/ficha.php?id=35860).
Na Universidad Católica de Valencia, a assimilação do paradigma norte-americano parece bastante explícita, com mesa civil e formandos à civil dispostos num pavilhão gimnodesportivo (imagens, http://www.archivalencia.org/contenido.php?a=6&pad=6&modulo==37&id=2857&pagina=84).
Imagens relativas à graduação realizada em 2004-2005 na Escuela Politécnica Superior/Univ. de Alicante, apontam para uma reprodução dos formatos televisivos e cinematográficos característicos da indústria cultural de entretenimento audiovisual (http://maktub.eps.ua.es/servicios/fotografias/graduacion2004-2005/graduacion.phtml).
O fenómeno de americanização é também visível na diplomatura da Universidad Politecnica de Madrid, onde os graduandos desfilam à civil, com beca sobre os ombros, e no final exibem um diploma perante o público e os jornalistas (fotos del acto 2006, http://www.fi.upm.es/?pagina=542).
A Universidad de Navarra tem dinamizado nos últimos anos cerimónias de Imposição de Becas e Promoción (Licenciatura). O cenário escolhido é um grande recinto desportivo, o que aproxima a cerimónia das massificadas graduations norte-americanas. A imposição de becas é realizada com indumentária civil. Já a promoción ou acto de licenciatura comporta algumas novidades. Navarra não recuperou o antigo traje dos estudantes (abolido na primeira metade do século XIX), nem se limitou a copiar a cap and gown dos EUA. As fotografias de 2008 relativas aos actos de Farmácia e Nutrição Humana e Dietética documentam a criação de uma toga preta e de uma murça (muceta) de desenho simplificado (sem botões, ornatos ou capuz). Embora seduzida pela globalização, Navarra não parece disposta a assumir plenamente a aculturação doce do sistema cultural norte-americano. (imagens, http://www.unav.unav.edu/farmacia/imagenes_fotogaleria/albumbecas/08/index.htm).
Em Salamanca, desde 2000 que se notam movimentações no sentido de revitalizar a antiga cerimónia de formatura. Este movimento é extensivo à Universidad Pontificia de Salamanca, onde foram realizados actos em 2007.
Na USAL, a recuperação do acto de formatura inspira-se nas normas estatutárias de 1720, na parte relativa aos actos de formatura de bachareis. Esta atitude de reinvenção da tradição que se encontrava interrompida havia mais de 100 anos enquadra-se no conceito de reaculturação proposto por Gilles Léothaud. Nesta situação específica, a USAL volta-se para o seu próprio património histórico, procurando colher as linhas mestras da reconstrução da sua identidade. Trata-se, não obstante, de uma reaculturação aberta e incompleta que não se limita a receber passivamente os produtos do imperialismo americano.
No acto de imposición de becas ao curso de Farmácia 2005-2010, foi possível documentar:
-a constituição de uma mesa de presidência com os lentes em traje civil, notando-se sobre a mesa um barrete doutoral de Farmácia;
-discurso proferido por um docente;
-discurso dos alunos recém-formados;
-petição do grau, em latim, à presidente da mesa (vice-reitora);
-concessão do grau, em latim (vice-reitora);
-juramento colectivo, estando os formandos em traje civil;
-chamada dos formandos à mesa pelo secretário da faculdade;
-imposição da beca;
-imposição do barrete doutoral;
-actuação do coro da USAL+palmas.
Registos da formatura realizada na Facultad de Derecho em 2008 confirmam a adopção dos seguintes actos:
-eucaristia na capela da USAL;
-abertura do acto (vice-reitor);
-discursos dos delegados;
-discursos dos representantes dos cursos;
-imposição de becas e entrega de regalos aos padrinhos;
-entrega da placa da faculdade;
-intervenção dos padrinhos;
-hino;
-vinho de honra (Pátio das Escolas Menores).
Pontos fortes a destacar:
-atitude de respeito pela revitalização do património USAL;
-reforço interno e externo da identidade corporativa;
-contributo para o desenvolvimento da economia local (artesanato, comércio, vestuário, calçado, hotelaria, audiovisual, gastronomia);
-animação cultural dos edifícios universitários;
-capacidade para recriar tradições e costumes;
-respeito pelos princípios da liberdade, originalidade, democracia e diversidade cultural;
-capacidade para dinamizar projectos culturais sem ceder à massificação e ao apelo da estandardização.
Pontos fracos a destacar:
-ausência de uma regulamento partilhado com os membros da Asociación para el estudio del protocolo;
-ausência de relatórios anuais de avaliação/recomendações de melhoria dos actos;
-ausência de procesion académica na via pública, atitude que retira visibilidade à cerimónia e capacidade para competir com o protocolo desportivo (ex: desfile das equipas na abertura dos Jogos Olímpicos), com eventos mediáticos e encontros de confrarias (cofradias) gastrónómicas e enófilas;
-a não criação de toga e insígnias retira ao acto densidade visual e corporativa, deixando aberta a porta aos defensores da cap and gown e da graduation norte-americana;
-a não realização de um protocolo de colaboração com outras universidades do Grupo Coimbra como Oxford, Edinburgh, Cambridge ou Coimbra, capaz de definir uma estratégia comum a implementar num determinado período de tempo.
A análise das iniciativas neocerimonializantes em expansão nas universidades espanholas parece revelar que uma percentagem significativa de membros dos corpos docentes não se identifica com o fenómeno, é indiferente ao fenómeno ou não se sente motivada para para participar activamente na construção da identidade da sua universidade. Numa primeira leitura, parece que os docentes/investigadores foram bons a abolir mas não são ou não querem ser tão bons a reconstruir.
Sob os apelos da globalização e da americanização, as universidades como que estão a tentar afirmar as suas identidades por via do discurso massificador. Num mundo aculturado e mediatizado, procuram falar a mesma linguagem da televisão, da indústria do futebol de massas e da indústria cinematográfica hollywoodiana, adoptando o "american way of life". Consomem-se a graduation ceremony em cap and gown com o mesmo espírito com que se consomem a Coca-Cola, as calças Levi's ou comida McDonald's.
Sendo as universidades centros privilegiados de produção do saber e de reflexão crítica, não seria de esperar delas atitudes mais consonantes com as recomendações da Unesco para a salvaguarda dos bens culturais ameaçados e de promoção da diversidade cultural?
Desde logo, parece claro à partida que as melhores festas universitárias não conseguirão competir com a capacidade mediática de um campeonato mundial de futebol, uma abertura de Jogos Olímpicos, os Óscars ou um concurso televisivo.
Por outro lado, torna-se evidente que os órgãos de gestão das faculdades que organizam os actos não conseguem atingir o mesmo nível de excelência das confrarias/cofradias gastronómicas e enófilas.
A visualização do sítio da Federación de Cofradias Gastronómicas (FECOGA), http://cofradiasgastronomicas.com/, informa sobre encontros frequentes com prática de programas estruturados:
-concentração de confrarias/cofradias;
-prova de comidas típicas da localidade/vino de honor;
-desfile/procesión cívica;
-cerimónia de entronização e insigniação/investidura;
-momento musical;
-almoço/cena.
Aspectos positivos a realçar na acção das confrarias/cofradias:
-promoção do convívio entre regiões e países;
-divulgação da gastronomia, vinhos e artesato;
-recolhas e estudos sobre culinária, vinhos, métodos de confecção;
-vivências saudáveis e ecologicamente sustentáveis;
-reconhecimento público do mérito (premiação de produtores, adegas, restaurantes, cozinheiros);
-valorização das tradições musicais (gaitas de foles, bandas filarmónicas);
-valorização de monumentos através da realização de rituais;
-animação dos centros históricos;
-integração dos grupos e projectos numa rede patrimonial internacional;
-visitas a museus e imóveis classificados;
-definição e implementação de medidas de apoio;
-eficácia mediática;
-consistência visual, sonora, simbólica e emotiva.
Visualização de exemplos:
-Figo entronizado pela Confraria do Vinho do Porto (2009), http://videos.sapo.pt/ZZpjLz14MaIAqvSr;
-Entronização da Confraria Nabos e Companhia (8.12.2009), http://www.youtube.com/watch?v=e9Zqaj4yGLw;
-Desfile das confrarias no Capítulo da Confraria Nabos e Companhia/Carapelhos/Mira (8.12.2009), http://www.youtube.com/watch?v=qVW4GGN8DEM&feature=related;
-4.ª entronização da Confraria de Enófilos da Beira Interior (2.07.2009), http://www.youtube.com/watch?v=b3L2QLRDQr4;
-Confraria do Vinho de Carcavelos/Oeiras (28.11.2009), http://www.youtube.com/watch?v=xAmDOTBxlGO&feature=related.