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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Uma solenidade na Câmara Municipal de Pamplona

1-A alcaldesa ladeada por dois vereadores de casaca, cartola e luvas. A Câmara Municipal de Pamplona mantém etiqueta de rigor nas grandes solenidades. Nesta reportagem estão presentes os principais elementos constitutivos do cortejo, faltando apenas o alferes da bandeira.

2-Os maceiros na frente da corporação municipal

3-A Câmara Municipal sai dos paços do concelho em direcção à igreja: charamela e maceiros

4-Corpo da polícia municipal com farda de gala

5-Os maceiros municipais no templo. As maças municipais de Navarra tinham em comum com as portuguesas dos séculos XV e XVI o uso de grilhões duplos de prata.

6-A alcaldesa e os vereadores com os respectivos bastões adornados de cordão e borlas

7-A Exma. Câmara Municipal de Pamplona na igreja de San Agustín durante a cerimónia solene de renovação dos votos das Cinco Chagas, uma tradição remontante a 1600. Lugar reservado à alcaidesa Yolanda Barcina e aos seus "tenientes".
Fonte: http://www.diariodenavarra.es/noticias/navarra/el_voto_las_cinco_llagas_una_tarde_soleada.html.

A câmara municipal do Populo de Cadiz no regresso da missa de Domingo de Ramos, celebrada na igreja da paróquia de Santa Cruz em 1974.
Ordem:
-polícia municipal (guarda de honra);
-charamela municipal de "clarineros" com casaca e tricórnio (libré setecentista);
-maceiros;
-alcaide e vereadores.
Fonte: http://memoriadecadiz.es/2009/03/30/oficios-en-la-catedral-vieja/

A câmara municipal de Vitoria-Gasteiz em cortejo entre os paços do concelho e a catedral de Santa María para tomar parte na procissão do Corpo de Deus, Espanha, 1958. Foto de Santiag-o-Arina
Ordem:
-polícia municipal em uniforme de gala
-charamela com libré tradicional, composta por caixas, atabales e trompetes;
-maceiro municipal com tabardo e maça de prata;
-alcaide e vereadores em casaca e cartola.
Fonte: http://recordandovitoria.worpress.com/2008/

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Adeus aos préfets. Sem ressentimentos protocolares (1832-2911)


Em 2011 o Governo extinguiu de facto os governos civis, uma instituição enraizada na cultura portuguesa desde os princípios do liberalismo.
Se as câmaras municipais, algumas delas cronologicamente anteriores à fundação de Portugal como país independente, nunca manifestaram dúvidas quanto ao espectro de competências dos governos civis, o mesmo já não se pode dizer no que tange ao papel e lugar que ao longo de décadas reclamaram nos actos públicos.
As câmaras municipais nem sempre se deram bem com o lugar de proeminência assumido pelos governadores civis, vice-governadores civis (quando os houve) e secretários dos governadores civis, quando no papel de anfitriãs. Vinha o convidado dar ordens e presidir na casa da anfitriã? Eram as câmaras municipais hierarquicamente subordinadas à autoridade do governador civil? No período do Estado Novo detectamos alguns ecos de um mal-estar cuidadosamente dissimulado pelo governo e pelos órgãos de comunicação social. Casos de governadores civis que declinavam o convite para certos actos realizados no perímetro do município. Situações de tensão velada em que tacitamente o governador civil ia a certos eventos e o presidente da câmara a outros. Acontecia muito nas cerimónias solenes de abertura do ano escolar nos liceus distritais.
Numa obra editada em 2009, um antigo chefe do gabinete de protocolo da câmara municipal da Figueira da Foz aborda a questão das inter-relações protocolares entre os representantes máximos dos governos civis e dos municípios. Perpassa o discurso uma desconfiança que se arrastou no tempo, que as normas de cortesia e boa educação interditavam de ganhar visibilidade pública. O autor regista “casos de arrufos públicos e de recados velados” (Lopes, 2009: 139).
A relação protocolar difícil entre governos civis e câmaras municipais discutida por Lopes tinha raízes fundas. Comecemos com o Decreto de 31.12.1836, que contém o primeiro Código Administrativo Português (código de Passos Manuel). No art. 1.º do Capítulo I, do Título I, apresenta-se um mapa administrativo estratificado contendo a subdivisão do território metropolitano e insular que acaba de resultar da extinção de centenas de antigos municípios. Um acto governativo típico do despotismo esclarecido em tempos de monarquia constitucional que a consolidação da militância democrática se encarregaria de inviabilizar. Os juristas liberais designavam estes actos governativos discricionários por “ditadura administrativa”, pois que o ministério decretava ao arrepio de qualquer sanção parlamentar. O código apresenta uma estrutura administrativa estratificada cujo topo é o governo (ministério do Reino) e cuja base são as freguesias:

1-Distritos Administrativos
2-Concelhos
3-Freguesias

Para que não restassem dúvidas quanto ao monopólio do governo central, o art. 2.º pormenorizava que o número de circunscrições e a sua designação eram os que constavam do Decreto de 6.11.1836, que veio reduzir drasticamente a extensão do mapa municipal. O Decreto de 6.11.1836 e o art. 4.º do Decreto de 31.12.1836 colocam em contradição o critério adoptado quanto ao modo de ordenar os distritos e os municípios, e abrem as portas a um clima de tensão no território regional. De acordo com o critério histórico, ou da primazia histórica, os municípios eram ordenados pela posição que ocupavam no cerimonial da casa real, que colocava em primeiro lugar a câmara municipal de Lisboa, em segundo lugar a câmara municipal do Porto, e as restantes câmaras por data de criação. Todas as câmaras sabiam em que data tinham sido criadas, por ciosos treslados dos velhos forais e documentos dos cartórios municipais.
A legislação liberal adopta um critério de ordenação dos distritos racionalista e administrativista assente na orientação Norte/Sul e Litoral/Interior: 1 Viana do Castelo, 2 Braga, 3 Porto, 4 Vila Real, 5 Bragança, 6 Aveiro, 7 Coimbra, 8 Viseu, 9 Guarda, 10 Castelo Branco, 11 Leiria, 12 Lisboa, 13 Santarém, 14 Portalegre, 15 Évora, 16 Beja, 17 Faro. O Decreto de 31.12.1836 vem completar a lista, dispondo o art. 4.º primeiro sobre os Açores e em último sobre a Madeira: 18 Ponta Delgada, 19 Angra do Heroísmo, 20 Horta, 21 Funchal.
Para um especialista em cerimonial não resulta claro qual tenha o sido o critério de ordenação adoptado. É geográfico, sem ser 100% geográfico. No caso dos Açores segue de oriente para ocidente. Entre os Açores e a Madeira, segue de ocidente para oriente. Em Portugal continental começa a descer pelo litoral, inflecte para o interior e sobe (ex: Viana, Braga, Porto, passando a Vila Real e subindo para Bragança). É o chamado “mapa feito no terreiro do Paço a régua e esquadro”, sem atender à cultura histórica e às realidades locais.
Já no caso dos municípios, a ordenação territorial segue o critério alfabético por distritos e concelhos: de Águeda, no distrito de Aveiro, a Vouzela no distrito de Viseu, no território metropolitano. A ordenação das freguesias também segue a mesma disposição alfabética dentro de cada concelho e distrito. Daqui resultava que freguesias de remota idade se viam ultrapassadas por freguesias novíssimas começadas por A, B, C.
Se para os governadores civis fazia sentido a ordenação protocolar conforme o disposto no articulado do código administrativo em vigor, um tal critério poderia constituir embaraço para um presidente de câmara. É que não era de todo a mesma coisa colocar uma câmara criada no século XIX à frente de outra câmara fundada no século XII.
Na linguagem administrativa de 1836, o governador civil vem designado por administrador geral, hierarquizando-se as seguintes autoridades administrativas que representavam localmente o governo central e com as quais teriam de se articular as câmaras:

·         Distrito (Administrador geral)
·         Concelho (Administrador do concelho)
·         Paróquia (Regedor de paróquia).

Dito de modo simples, Administrador Geral/Governador Civil e Administrador do Concelho passavam à frente de Presidente de Câmara. Regedor de paróquia passava à frente de Presidente da Junta de Freguesia.
Relativamente às cerimónias de tomada de posse dos titulares dos cargos e instalação dos órgãos, o código de 1836 era cirúrgico. Sendo o Administrador Geral do Distrito da livre escolha do governo central, a nomeação e posse cabiam ao ministro do Reino (Administração Interna). A posse tinha lugar em Lisboa, no gabinete do titular da pasta. O Administrador do Conselho também era da livre escolha do governo. Competia ao Administrador Geral convocar os membros eleitos para a Junta Geral de Distrito, abrir a primeira sessão em nome do rei e ceder a presidência interina ao procurador mais velho para fazer eleger a nova equipa e proceder à sua instalação.
As câmaras municipais eleitas reuniam-se nos paços do concelho no dia um de Janeiro pelas 10.00h. O juramento e instalação eram presididos pelo presidente cessante (art. 44.º). Idêntica cerimónia era observada na posse das juntas de paróquia, empossadas no primeiro domingo de dezembro (arts. 15.º e 16.º). O texto do código não fazia alusão a trajes corporativos, insígnias e estilos municipais. Estes continuavam a praticar-se, regulados pela tradição e por normativos avulsos.

As principais solenidades realizadas pelas câmaras municipais eram:
·         juramento, posse e instalação da câmara municipal;
·         celebração dos nascimentos, casamentos e aniversários dos membros da família real;
·         celebração do juramento constitucional do herdeiro do trono e da aclamação dos novos monarcas;
·         exéquias solenes em homenagem a membros da família real;
·         cerimónia da quebra dos escudos por morte do rei;
·         recepção solene a monarca visitante, com recebimento na fronteira do concelho, cortejo, entrega das chaves e acto público nos paços do concelho;
·         assentamento de primeira pedra e inauguração de obra;
·         organização da Festa do Corpo de Deus e de outras festas importantes na vida do município (S. João Baptista), com consequente coordenação das confrarias, corporações profissionais e figurantes.

Os principais acontecimentos municipais eram anunciados publicamente através da afixação de editais nos chamados locais de estilo, com repiques de sinos (muitas câmaras tinha sino próprio), toque de gaiteiros e pregão lançado pelo pregoeiro nas principais praças e terreiros. Os pregões podiam ser lançados a pé ou a cavalo, antecedidos de rufar de caixa ou de toque de gaita de foles.

Os símbolos municipais eram:
·         brasão de armas;
·         selo municipal;
·         estandarte municipal/bandeira;
·         distinções conferidas rei/e ou  governo central (ex: título de “Mui nobre e sempre leal” atribuído ao Marvão por Decreto de 5.6.1834; título de duque do Porto atribuído aos filhos segundos dos reis de Portugal em homenagem à “Muito Nobre e Leal Cidade do Porto”, conforme Decreto de 4.4.1833).

As insígnias municipais eram:
·         traje de capa e espada à antiga portuguesa, que nos finais do século XIX passou a ser casaca;
·         capa de vereador em cetim preto, forrada de branco;
·         chapéu preto, forrado de cetim e emplumado de branco;
·         vara de vereador/presidente (brancas em certos municípios, douradas noutros como Coimbra);
·         espadim;
·         faixa de vereador nas cores nacionais (monarquia constitucional);
·         chaves das portas da cidade/vila;
·         alegoria feminina do município, tendo na cabeça um coronete e nas mãos um escudo com o brasão de armas (havia excepções, como o município do Porto);
·         vara de luto oficial, pintada de preto, com fumo;
·         pendão de luto oficial, de levar ao arrastão sobre cavalo;
·         capa preta e chapeirão preto com fumo, de uso em contextos de luto pesado.

Não existia grande colar para presidentes e vereadores, ao contrário dos municípios do Reino Unido e de alguns países do norte da Europa.
As chaves da cidade/vila eram em ouro, tendo o brasão municipal gravado na cabeça.
Nos códigos administrativos em vigor no século XIX e nos inícios do século XX não encontramos artigos onde o legislador diga expressamente que os governadores civis têm precedência sobre os presidentes de câmara. Mas encontramos sinais de progressiva centralização, com a consequente diminuição da autonomia municipal e a adopção de critérios artificiais de distinção entre municípios assentes em dados estatísticos e demográficos.
No Código Administrativo, aprovado pelo Decreto de 17 de Julho de 1886, o artigo 1.º introduz uma hierarquização vertical que se poderia traduzir no seguinte esquema: casa real, governo, distrito, concelho, paróquia. Ao tratar da abertura das sessões da Junta Geral, o art. 43.º frisa que o Governador Civil não preside mas toma sempre assente à direita do presidente da mesa.
O art. 100.º, dispõe sobre os tipos de municípios e introduz uma distinção tripartida:

·         Concelhos de 1.ª ordem, sendo capitais de distrito e/ou tendo 40.000 ou mais habitantes;
·         Concelhos de 2.ª ordem, tendo 15.000 ou mais habitantes;
·         Concelhos de 3.ª ordem, tendo menos de 15.000 habitantes.

Excluíam-se desta grelha classificatória os concelhos de Lisboa e do Porto. Parece que no espírito do legislador os municípios se deveriam começar a ordenar para efeitos de actos públicos em conformidade que esta divisão em três estratos, que mais ou menos na mesma altura estava na moda e se aplicava à classificação das comarcas judiciais, hierarquização dos bilhetes de barco e combóio, plateias dos coliseus e até tipos de carnes cortadas e vendidas aos clientes. No fundo, um critério oriundo das ciências naturais, crescentemente aplicado aos produtos comerciais e industriais que servia para distinguir a relação qualidade/preço.
Quanto às sessões municipais, o art. 103.º clarificava que o administrador do concelho poderia assistir, sentando-se à esquerda do presidente. No art.º 110.º consagrava-se o princípio da primazia dos governadores civis sobre os presidentes de câmara, cabendo aos primeiros convocar as reuniões municipais extraordinárias.
Nas juntas de paróquia, o protocolo era definido de forma mais óbvia. Quando presentes nas sessões, o pároco sentava-se à direita do presidente e o regedor à esquerda (arts. 181. e 182º).
É ante o governador civil que tomam posse o administrador do concelho e o regedor de paróquia. Sendo o administrador do concelho o representante local do governo central (art. 234.º) fica claro que se considerava ter precedência sobre o presidente da câmara.

Exemplo da precedência no Governo Civil
·         Governador Civil
·         Secretário do Governo Civil
·         Oficiais maiores da Secretaria
·         Oficiais menores da Secretaria

Exemplo da precedência na Junta Geral de Distrito
·         Presidente da assembleia de procuradores (na impossibilidade do presidente, presidia interinamente o procurador mais antigo)
·         Procuradores (ordenados por idades)
·         Secretário

Exemplo da precedência na Administração do Concelho
·         Administrador do Concelho (preside sempre que não esteja o Governador Civil)
·         Secretário
·         Amanuenses
·         Oficial de diligências

Exemplo da precedência na Regedoria de Paróquia
·         Regedor de Paróquia
·         Secretário
·         Cabos de Polícia da Regedoria

Exemplo da composição de mesa numa sessão da Junta de Paróquia
·         Presidente da Junta (preside ao acto, ocupando o centro)
·         Pároco (se presente, 1.º lugar à direita do presidente)
·         Regedor (se presente, 1.º lugar à esquerda do presidente)
·         1.º Vogal (à direita, após o pároco)
·         2.º vogal (à esquerda, após o Regedor)
·         Secretário da Junta (em mesinha separada).

Neste breve périplo importa perceber onde entroncam alguns dos entendimentos protocolares mais entranhados nas crenças dos funcionários públicos e dos cidadãos quanto ao lugar atribuído aos governos civis, presidentes de câmara e precedência entre distritos, concelhos e freguesias.
Com raízes no século XIX, as traves mestras deste paradigma duro repousam no Código Administrativo de Marcello Caetano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31.095, de 31 de Dezembro de 1940, em construção desde pelo menos 1936, que teve sucessivas revisões até 1974.
O art. 2.º deste diploma divide os concelhos entre urbanos e rurais conforme o número de habitantes. Exceptuando os concelhos de Lisboa e do Porto, todos os restantes eram segmentados em urbanos e rurais de 1.ª, 2.ª e 3.ª ordem (art. 3.º). Dentro dos concelhos, as freguesias também eram classificadas em 1.ª, 2.ª e 3.ª ordem (art. 4.º). O mesmo acontecia com os distritos (art. 5.º), sendo de 1.ª ordem Lisboa e Porto, de 2.ª ordem Braga, Vila Real, Castelo Branco, Coimbra, Viseu, Santarém, Évora, Beja, Faro, e de 3.ª os restantes. Este tipo de classificação, que ventilava uma forma de arrumação artificial e aberrante, tinha implicações directas nas precedências.
O art. 14.º identificava como património simbólico de cada município: brasão de armas, selo e bandeira, sujeitando a aprovação a portaria do Ministro do Interior (Administração Pública). Na prática, quem decidia arbitrariamente nesta matéria era a Associação dos Arqueólogos Portugueses, que entre finais da década de 1920 e a década de 1930 inventou símbolos e atributos numa lógica de estandardização pautada por critérios rígidos e extremamente discutíveis.
No art. 15.º referiam-se os órgãos da administração municipal:

1-Conselho Municipal (inexistente em Lisboa e Porto), a que presidia o próprio Presidente da Câmara (art. 23.º)
2-Câmara Municipal, com a seguinte precedência: Presidente, Vice-Presidente, Vereadores, Secretário.
3-Presidente da Câmara.

No 2.º) do art. 36.º prescrevia-se que competia ao governador civil designar o substituto do presidente da câmara em caso de falta ou de impedimento.
Nos actos e sessões, o Vice-Presidente tomava assento à direita do Presidente. O art. 72.º não deixava margem para dúvidas. Presidente e Vice-Presidente eram nomeados pelo governo por períodos de quatro anos, tomando posse perante o governador civil do distrito. Não se pormenorizava se a posse seria conferida nos paços do concelho se no edifício do governo civil. A câmara de Lisboa podia ter dois vice-presidentes (art. 84.º), estabelecendo-se a precedência entre eles pela data da nomeação.
Quanto às formas de tratamento, apenas as câmaras de Lisboa e do Porto tinham direito a tratamento de Excelência, em conformidade com o Alvará de 29.1.1739, e Decreto de 11.8.1843 (n.º 4 do art. 84.º). Não se dispunha sobre a posse dos vereadores, insígnias e precedências. Nas outras câmaras, oscilava-se entre Digníssima e Ilustríssima.
O funcionamento diário das câmaras municipais era suportado por secretarias, que em Lisboa e Porto estavam segmentadas em Direcções de Serviços e Repartições. Na generalidade das câmaras, a secretaria era presidida por um Chefe de Secretaria que coordenava os trabalhos nas repartições.
Este código aceitava a federação de municípios (art. 177.º e ss.), dando a primazia ao Presidente da Comissão Administrativa das câmaras associadas (art. 180.º), que seria o presidente do município onde estava estabelecida a sede da federação.
Ao nível da freguesia, o código reconhecia a Junta de Freguesia (Presidente, Secretário, Tesoureiro, art.º 249.º) e a Regedoria (art. 197.º e 198.º). As freguesias podiam federar-se em “uniões” (art. 266.º), sendo o presidente designado pelo governador civil (art. 267.º).
Existiriam regedores nas freguesias de todos os municípios, excepto Lisboa e Porto (art. 272.º), que eram escolhidos, nomeados e empossados pelos presidentes de câmara. Colaboravam com o regedor um escrivão (podia ser ou não o da Junta de Freguesia) e dois cabos de polícia nomeados pelo presidente da câmara (art. 280.º). A posse do escrivão e dos cabos de polícia era conferida pelo próprio regedor.
Em todos os distritos existiriam um governador civil e um governador civil substituto, de livre nomeação governamental (art. 404.º). Tinham direito a honras militares correspondentes a general ou a contra-almirante e flâmula própria (art. 406º). Em certas circunstâncias, sendo militares, podiam usar uniforme. Pelo n.º 3) do art. 407.º os governadores civis podiam transmitir ordens aos presidentes de câmara.
O código administrativo de 1936-1940 era um documento ditatorial, tributário do racionalismo positivista, marcado pelos valores do regulamentadorismo, do controlo burocrático e do centralismo. Admitia os órgãos de poder regional e local mas não confiava na sua capacidade de autogestão. Mantinha os órgãos e agentes sobre constante ameaça de vigilância e de procedimento disciplinar.
Parecendo claro e acessível, o código alimentava um tipo de administração autoritária e opaca, que não autorizava o escrutínio dos actos públicos. O legislador centra-se nos detalhes, espraia-se em pormenores no tocante à forma e procedimentos dos actos e dos documentos. Em termos de cerimonial público é um instrumento muito pobre, lacunoso e redutor. Muitos municípios, em centenas de anos anteriores aos governos civis, sairam do Estado Novo ressentidos com a posição de primazia que eram obrigados a reconhecer mesmo quando afinal todos os titulares de cargos estavam alinhados com a ideologia do regime.

Saber mais
Código administrativo portuguez. Lisboa: Na Imprensa da Rua de S. Julião, 1837 [Decreto de 31.12.1836], http://www.df.unl.pt/Anexos/Investigacao/1814,pdf.
Código administrativo approvado por Decreto de 17 de Julho de 1886. Lisboa: Imprensa Nacional, 1888 [governo de José Luciano de Castro].
GOMES, Henrique Martins – Código administrativo (actualizado) com epígrafes aos artigos e índices cronológico e alfabético. 7.ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, Lda., 1968 [aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31.095, de 31.12.1940]. Idem, 8.ª edição revista e actualizada, 1971.
LOPES, Lídio – Protocolo autárquico. Lisboa: Aletheia Editores, 2009.

Derradeiro lugar ocupado na precedência do Estado (2006-2011)
A Lei n.º 40/2006, de 25 de Agosto, optou por uma solução do tipo “uma no cravo, outra na ferradura”. Não oferece dúvida que se trata de um diploma pouco feliz, que pouco respeita e conhece do património simbólico das instituições não integradas na administração central. Parte menos conseguida é o tratamento de desigualdade e de desequilíbrio conferido aos órgãos de soberania e o bamboleio entre órgãos de soberania e órgãos constitucionais da administração pública pesando sem surpresa o quinhão de leão a favor do Legislativo e do Executivo.
Pela listagem publicada em 2006, os presidentes de câmara ocupam nos actos públicos a 41.ª posição, os presidentes de assembleia municipal a 42.ª e os governadores civis a 43.ª. O legislador começa por lisonjear os presidentes de câmara, dizendo que presidem sempre aos actos públicos no respectivo município, gozando inclusive de estatuto protocolar idêntico ao de ministros de estado. Porém, acrescenta, nas derrogações ao princípio, que cedem a presidência sempre que presentes o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro Ministro. Os governadores civis tomavam lugar após os presidentes das assembleias municipais, mas assumiam a presidência sempre que verificadas as duas situações seguintes (n.º 2 do art. 41.º): a) se estivessem a representar o governo central; se as cerimónias públicas tivessem directamente a ver com segurança, protecção e socorro.

Uniforme que tiveram os governadores civis e secretários (1835-1910)
Pela Loi du 17.2.1800 Napoleão Bonaparte fixou aos préfets e sous-préfets uniformes de gala e uniformes de serviço, de matriz laico-militar. Constavam basicamente de casaca cortada no ventre, abas de grilo, amplamente bordada, espadim, bicórnio de plumas e faixa de borlas. Estes seriam retomados e reformados pelo Décret du 10.4.1873. Modificada, a grande tenue seria abolida por Portaria de 1.8.1945, do punho de Charles de Gaulle. Ao contrário de Portugal, que em 1910 suspendeu o uso dos uniformes de governador civil, administrador de concelho, e respectivos secretários, a França mantém em uso um uniforme de tipo gendarme (3 variantes), com individualização de modelos masculino e feminino.
É da grande tenue napoleónica que vem o uniforme português de governador civil, de que não conhecemos iconografia. O seu figurino era relativamente próximo do padrão de confecção da farda das Escolas Médico-Cirúrgicas, conselheiros de Estado, ministros de Estado, diplomatas, auditores do Tribunal de Contas e sócios da Academia das Ciências de Lisboa. Este tipo de uniforme, dito farda direita, está em voga e é comum a todos os países ocidentais, incluindo os países do continente americano, os domínios coloniais dos europeus e o Japão que a partir da década de 1860 começa a ocidentalizar-se.

«Sendo conveniente esclarecer definitivamente os uniformes de que devem usar os governadores e secretários dos distritos administrativos do reino, e seus domínios, em conformidade do que se acha disposto no Título segundo, Capítulo sexto, artigo noventa e dois do Decreto de 18 de Julho próximo passado. Hei por bem decretar o seguinte:
Artigo 1.º: Os governadores civis dos distritos administrativos do reino, e seus domínios, nos dias que não forem de gala na corte, vestirão farda comprida de talho militar, de feitio assertoada, com duas ordens de botões na frente do peito, toda de pano azul ferrete com forro branco, formando o corte da gola um ângulo por diante, botões de metal amarelo com as armas reais, sendo a gola, canhões e portinholas dos bolsos bordadas com duas cercaduras de ramos de carvalho e oliveira, conforme o modelo número um; calças azuis com galão de ouro nas costuras exteriores, botas, chapéu armado [bicórnio] com presilha e borlas de ouro, e faixa de seda azul, com borlas de canotão de ouro. Nos dias de simples gala fica admitido este mesmo uniforme, devendo ser a calça de casimira branca com galão de ouro.
Artigo 2.º: Nos dias de grande gala os governadores civis vestirão farda direita com talho militar, da mesma cor, e com o mesmo bordado e forro que se acha determinado no artigo antecedente, com frente do peito bordada com duas cercaduras de carvalho e oliveira, na forma do modelo número dois; calça de casimira branca, com galão de outro nas costuras exteriores, espada direita com bainha branca e a mesma faixa acima indicada.
Artigo 3.º: Os secretários dos governos civis vestirão farda da mesma cor, talho e feitio, que se acha determinado para os governadores civis no artigo primeiro, sendo a gola e canhões bordados com uma cercadura de ramos de oliveira, e dois ramos semelhantes entre os botões das feições na forma do modelo número três; chapéu de plumas pretas com presilhas de ouro, ficando o resto do fardamento em tudo o mais como o dos governadores civis, excepto a faixa, de que só poderão usar quando interinamente exercerem a autoridade dos referidos governadores, na conformidade do Título segundo, Capítulo primeiro, artigo trinta e oito, parágrafo único do citado Decreto de 18 de Julho último. Este uniforme fica admitido nos dias de grande gala, sendo a calça de casimira branco com galão de ouro, espada direita com bainha branca e chapéu de plumas brancas.
O ministro e secretário de estado dos Negócios do Reino o tenha assim entendido e faça executar. Palácio das Necessidades, em dez de Outubro de mil oitocentos e trinta e cinco. Rainha [D. Maria II]. Rodrigo da Fonseca Magalhães».
[Decreto de 10.10.1835]

«Sendo conveniente que os administradores gerais interinos dos distritos do reino e ilhas adjacentes usem de uniforme em todos os actos públicos a que tenham de concorrer, quer seja em ocasião de mera solenidade, quer seja naquelas em que deva intervir o exercício da sua autoridade como primeiros funcionários públicos nos seus respectivos distritos. Hei por bem ordenar que os referidos administradores gerais e seus secretários possam usar do uniforme adoptado pelo Decreto de dez de Outubro de mil oitocentos e trinta e cinco para os ex-governadores civis e seus secretários até que por uma nova regulação determine qual deva ser o fardamento de que definitivamente devem usar os mesmos administradores gerais e seus subordinados. O secretário de estado dos Negócios do Reino assim o tenha entendido e faça executar. Paço das Necessidades, em treze de Novembro de mil oitocentos e trinta e sete. Rainha [D. Maria II]. Júlio Gomes da Silva Sanches».
[Decreto de 13.11.1837]
Iconografia francesa: Grande ténue de Préfet, in Le Chêne et le Laurier, http://le-chene-et-le-laurier.blogspot.com/2006/11/le-decret-du-10-avril-1873-rtablit.html; idem, http://le-chene-et-laurier.blogspot.com/2009/09/dans-le-cadre-des-journees-du.html.
Citar: AMNunes-Adeus aos préfets. Sem ressentimentos protocolares (1832-2011), http://virtualandmemories.blogspot.com/, 21.12.2011

Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (V)


V-Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976
Portugal é definido como uma república soberana (art. 1.º). Novidade protocolar, o n.º 3) do art. 3.º reconhece os partidos políticos como importantes instituições de aprofundamento da democracia. Os seus presidentes e secretários gerais passam a ocupar lugar de relevo no protocolo de estado.
Os arquipélagos da Madeira e dos Açores são reconhecidos como regiões autónomas (n.º 2 do art. 6.º), situação que implica um desdobramento do cerimonial público clássico e a emergência de novos símbolos regionais: hino, bandeira, brasão de armas, autoridades regionais eleitas, representante da República.
Outra novidade de relevo relativamente às constituições de 1911 e 1933, a bandeira nacional republicana e o hino a Portuguesa integram o próprio articulado constitucional (n.ºs 1 e 2 do art. 11.º), quando dantes figuravam apenas em legislação avulsa.
Importantes orientações no que respeita ao convívio social e à organização de eventos são a consagração da liberdade de consciência (art. 41.º), a proclamação do ensino neutro (art. 43.º), o direito de reunião e manifestação (art. 45.º), o direito de associação (art. 46.º), o direito de organizar partidos políticos (art. 47.º) e a liberdade sindical (art. 57.º). Em matéria de partidos e sindicatos, são abolidos símbolos anteriores a 1974 e criadas bandeiras, hinos, brasões e logótipos que no curto prazo ganham forte expressão mediática. Os congressos e os comícios partidários transformam-se em mega eventos, com capacidade itinerante, abrindo as portas ao surgimento de profissionais cuja missão é gerir a imagem pública dos candidatos, preparar discursos, seleccionar vestuário, músicas, cenários e espaços, banquetes, produção de distribuição de merchandising. Propaganda política, marketing comercial e gestão de relações públicas e de recursos humanos e tecnológicos convergem.

O art. 113.º elenca os órgãos de soberania:
 
-Presidente da República
-Conselho da Revolução
-Assembleia da República
-Governo
-Tribunais.

No seguimento da tradição monárquica, o PR era considerado o comandante supremo das forças armadas (arts. 123.º e 127.º) e presidia ao Conselho da Revolução. Tomava posse e juramento na câmara dos deputados da Assembleia Nacional (130.º), conferida pelo respectivo presidente. Em caso de impossibilidade parlamentar, o PR tomaria posse perante o Presidente do STJ.
O n.º 3) do art. 130.º continha a fórmula do juramento: “Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”.
Nas suas ausências e impedimentos, o PR seria substituído pelo Presidente da Assembleia da República (art. 135.º), norma que se manteve após a Revolução de 1974. E no caso de impedimento daquele titular, por um membro do Conselho da Revolução.
Competia ao PR nomear o 1.º ministro e os membros do governo (art. 136.º), bem como o Presidente do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República e os representantes da República nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Nomeava embaixadores e adidos diplomáticos e acreditava os representantes diplomáticos (art. 13.º).
O Conselho da Revolução (art. 142.º) tinha funções de aconselhamento do PR e competências das áreas parlamentar e dos tribunais constitucionais (art. 146.º).
O texto constitucional era omisso em termos de funcionamento protocolar da Assembleia da República (arts. 150.º e 174.º). O art. 177.º clarificava que o ano parlamentar decorria entre q5 de Outubro de 15 de Junho, não referendo qualquer solenidade de abertura nem de encerramento. O art. 178.º legitimava a Assembleia da República a elaborar o seu regimento interno.
O poder executivo vinha referido no art. 186.º: “O governo é constituído pelo Primeiro Ministro, pelos ministros e subsecretários de estado”. O respectivo órgão colegial (art.º 187.º) seria constituído pelo Primeiro Ministro, que presidia, por um Vice-Primeiro Ministro e pelos ministros. O Vice-Primeiro Ministro não seria a 2.ª figura do governo, pois segundo o n.º 1) do art. 188.º, ao PR cabia indicar qual dos ministros em exercício substituía o Primeiro Ministro nos seus impedimentos.
Os artigos 189.º e 190.º especificavam que a cerimónia de posse dos membros do governo teria lugar no palácio nacional da Ajuda, presidindo ao acto o chefe de estado. Adiantava ainda que deveriam comparecer à cerimónia os membros do governo cessante e que os novos ministros deveriam visitar os seus ministérios no próprio dia da tomada de posse. O art. 190.º é estranhamente recheado de pormenores no que compete aos membros do governo, situação algo insólita, tanto mais que não tratada da mesma forma os demais órgãos de soberania. Aliás, a Constituição de 1976, revista em 1982, abriria as portas a uma guerra de precedências entre o representante do STJ, que é um órgão de soberania, e o Presidente do Tribunal Constitucional, que não é um órgão de soberania.
O art. 203.º refere as competências do Conselho de Ministros mas não adiante sobre as precedências entre ministérios.
No que concerne aos tribunais, o art. 205.º enunciava laconicamente que eram órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. Reafirmava-se o velho preceito liberal das audiências públicas (art. 211.º). Segundo o art. 215.º, o STJ era considerado o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais. Quanto aos magistrados judiciais, remetia-se para o Conselho Superior da Magistratura (art. 222.º). O Procurador-Geral da República era considerado a figura máxima do Ministério Público e da Procuradoria-Geral da República (art. 226.º).
Dispondo sobre as regiões autónomas, o art. 127.º clarificava que a autonomia era político-administrativa, não afectando a soberania da República, quadro que conferia primazia ao hino nacional, bandeira nacional, chefe de estado, ministro da República e tribunais. O Ministro da República era nomeado e empossado pelo Presidente da República (n.º 1 do art. 232.º). Logo após, especificavam-se os órgãos de governo das regiões autónomas (art. 233.º).
A precedência era a seguinte:

-Ministro da República para a região autónoma
-Presidente da Assembleia Regional e deputados regionais
-Presidente do Governo Regional e secretários regionais.

Competia ao Ministro da República nomear, empossar e exonerar os presidentes das regiões autónomas e os membros dos governos regionais (ns.º 4 e 5.º do art. 233.º).
A constituição referenciava ainda o poder local (art. 237.º). Nos municípios ou autarquias, vinham referidos:

-Assembleia Municipal
-a Câmara Municipal (art. 241.º)
-o Conselho Municipal (art. 250.º)

Era permitido aos municípios a criação de associações e federações (art. 254.º).
A nível local, posicionavam-se as Juntas de Freguesia (art. 245.º):

-Assembleia de Freguesia
-Junta de Freguesia.

Como se pode constatar, no caso das regiões autónomas, municípios e freguesias, o texto constitucional de 1976 colocava a precedência no presidente da Assembleia, situação sistematicamente derrogada pela tradição oral, pelos costumes locais multisseculares e pela conveniência dos titulares dos cargos.
Por último, previam-se regiões administrativas (arts. 256.º , 258.º, 262.º), com a seguinte precedência:

-Representante do Governo (a nomear em Conselho de Ministros;
-Assembleia Regional
-Junta Regional
-Conselho Regional.

As regiões administrativas viriam substituir os distritos criados no século XIX. Enquanto não ocorresse a reforma continuavam a existir os antigos distritos, com a seguinte precedência:

-Governador Civil (nomeado e empossado pelo governo)
-Assembleia Deliberativa (com representantes dos municípios do distrito)
-Conselho Distrital.

Por fim, reconheciam-se ainda unidades de base territorial (arts. 264.º e 265.º) destinadas a representar e defender os interesses dos moradores:

-Assembleia de Moradores
-Comissão de Moradores.

 CORPUS DOCUMENTAL
CAETANO, José Marcello – A constituição de 1933. Estudo de direito político. Coimbra: Coimbra Editora, 1956.
CAETANO, José Marcello – Direito constitucional. 2 volumes. Rio de Janeiro. Companhia Editora Forense, 1977.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, e MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 1978.
MIRANDA, Jorge – As constituições portuguesas. 1822. 1826. 1838. 1911. 1933. 1976. Lisboa: Livraria Petrony, 1976.
SOUSA, Marcelo Rebelo de – O sistema de governo português antes e depois da revisão constitucional. 2.ª edição. Lisboa: Cognitio, 1983.
SOUZA, José Ferreira Marnoco e – Constituição política da República. Comentário. Coimbra: França Amado, 1913.
Citar: AMNunes-Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (V), http://virtualandmemories.blogspot.com/m 21.12.2011

Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (IV)


IV – Constituição de 11 de Abril de 1933
No longevo consulado do Estado Novo voltam a ganhar importância central: 1) o cerimonial público, cuidadosamente encenado e mediatizado; 2) as normas de civilidade e boas maneiras, inculcadas de forma rígida, disciplinar e autoritária, numa lógica de condenação da cultura popular e de tudo quanto estivesse relacionado com o corpo e com o lado biológico do ser humano; 3) a integração de algumas tradições cerimonialísticas no aparelho propagandístico oficial do Estado, como sejam as visitas aos municípios e a política de inauguração de obras públicas, ou os honoris causa políticos conferidos pela Universidade de Coimbra após a Segunda Guerra; 4) o recurso continuado a paradas militares ou de tipo paramilitar, que transmitiam uma mensagem de ordem, disciplina e controlo; 5) relações de convivência e de conivência entre actos públicos e o património cerimonialístico da Igreja Católica tridentina; 6) uma política continuada de publicação de regulamentos de fardas no diário oficial, abrangendo corpos militares, bombeiros, motoristas, porteiros de repartições públicas, cantoneiros de estradas, carteiros, bem como as instituições de internamento.
As cerimónias públicas do Estado Novo, concebidas para serem admiradas, eram cuidadosamente vigiadas pela polícia política e pela censura que não raro exigia o controlo prévio dos discursos a proferir. E quando a censura não o fazia, tomavam tal encargo os próprios ministros das várias pastas. Num país como Portugal, cuja população adora emitir expressivamente opiniões e malsinar do que se dá a ver, "dar à língua" constituía dissabor em momentos como as visitas dos chefes de Estado. Durante o mandato de Américo Tomás (um study case em termos de imagem) corriam entre as populações, estudantes e jornalistas as mais hilariantes anedotas e tiradas sobre a figura e o estilo de linguagem do presidente que ficou conhecido como "corta fitas" e "cabeça de abóbora". Alheio aos rumores, o regime impunha o tratamente de "V. Exa., Venerando Chefe de Estado".
A primeira imagem que se forma do Estado Novo ao revermos fotografias e filmes é de um regime puritano, masculino, vestido de escuro, burguês.
Portugal é definido como uma república unitária, corporativa e pluricontiental (art. 5.º).O art. 27.º dispunha que o Estado concederia distinções honoríficas ou recompensas aos cidadãos que se notabilizassem pelos seus méritos pessoais, ou por feitos cívicos e militares. As distinções seriam extensíveis a estrangeiros, fixando a lei as ordens, condecorações, medalhas e diplomas a esse fim destinados.O n.º 3) do art. 43.º afirmava que o ensino público era laico, o que implicaria no rigor dos princípios a ausência de práticas e de símbolos religiosos nas escolas. No plano prático, o governo mandou colocar crucifixos nas escolas de ensino básico e médio e eram ministradas aulas de religião católica e de moral cristã. Pelo art. 47.º, os cemitérios públicos eram considerados espaços seculares, neles se podendo praticar actos de culto conformes à religião professada pelas famílias.
Os órgãos de soberania vinham elencados no art. 71.º pela seguinte ordem:

·         o chefe de Estado (Presidente da República)

·         A Assembleia Nacional (parlamento bicameral)

·         -O Governo (Presidente do Conselho de Ministros, ministros, subsecretários de estado)

·         Os Tribunais.

O chefe de Estado eleito (art. 75.º) tomava posse e assumia funções no dia em que expirava o mandato do presidente cessante. O acto de posse tinha lugar na câmara dos deputados da Assembleia Nacional, com o seguinte compromisso: «Juro manter e cumprir leal e fielmente a Constituição da República, observar as leis, promover o bem geral da nação, sustentar e defender a integridade e a independência da pátria portuguesa. Não estando prevista a figura de um vice-presidente, em caso de impedimento temporário do presidente, o cargo era assumido não pelo presidente da Assembleia Nacional (parlamento) mas pelo Presidente do Conselho de Ministros (n.º 2 do art. 80.º). Esta disposição colocava o 1.º ministro em 2.º lugar na precedência do Estado, logo após o Presidente da República, subvertendo a hierarquia consagrada no art. 71.º
No pleno gozo das suas funções, o PR podia nomear e demitir os ministros e o presidente do conselho de ministros (art. 81.º) e representar a nação interna e externamente. Em conformidade com o n.º 2 do artigo 81.º o Presidente abriria solenemente a primeira sessão legislativa de início de cada legislatura. Na Primeira República e no Estado Novo os parlamentares civis usaram predominantemente casaca e cartola, com correspondência à farda de gala n.º 1 no caso dos militares. No período do marcelismo o rigor protocolar seria aligeirado, tendo-se usado fraque na sessão de abertura da IX Legislatura, que teve lugar a 19.11.1973.
O art.º 83.º referia o Conselho de Estado, adiantando indicações sobre a respectiva composição, mas nada adiantando quanto a precedências e formas de tratamento. A presidência deste órgão, que na monarquia constitucional ocupava lugar de topo nas precedências públicas, competia ao PR.
Só após o Conselho de Estado é que vinha referida a Assembleia Nacional (art. 85.º), composta por câmara dos deputados e câmara corporativa. O art. 94.º determinava que as sessões parlamentares começavam a 10 de Janeiro, com a duração de três meses, com sede fixa em Lisboa. As sessões eram consideradas públicas (art. 95.º) excepto decisão em contrário. Não se consagravam distinções entre presidente da câmara dos deputados e presidente da câmara corporativa.
O art. 99.º especificava a fórmula de publicação dos diplomas públicos: “Em nome da nação, a Assembleia Nacional decreta e eu promulgo a lei (ou resolução) seguinte”.
O governo (art. 106.º) seria constituído pelo presidente do conselho de ministros, pelos ministros e pelos subsecretários de estado, todos de nomeação presidencial. Não eram apresentados critérios relativos à precedência entre os ministérios e subsecretarias de estado, prevalecendo a ordenação tradicional e a data de criação.
A função judicial vinha consagrada no art. 115.º, que apenas adiantava ser exercida por tribunais ordinários e especiais. O cerimonial judicial era regulado em diplomas próprios. No art. 120.º pormenorizava-se que as audiências de julgamento eram em geral públicas.
Sobre a administração pública regional e local (art. 124.º), nada era consagrado, suprindo esta lacuna as normas administrativas em vigor.
O texto de 1933 é um documento pobre em termos de normas programáticas sobre matéria de cerimonial público, em contradição com o tratamento que o assunto mereceu até 1974 na imprensa, na televisão e por força da criação de estruturas oficiais de propaganda. Trata-se de um documento de natureza conservadora, que permite a cada instituição ou corporação promover o seu próprio cerimonial.
Citar: AMNunes-Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (IV), http://virtualandmemories.blogspot.com/, 21.12.2011

Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (III)


III – Constituição da República Portuguesa de 21 de Agosto de 1911
A constituição foi elaborada pela constituinte entre no Verão de 1911. Como importantes novidades, criou as bases de implantação do regime republicano, aboliu os títulos de nobreza e as ordens honoríficas e promoveu a laicização do Estado por meio da separação das igrejas.
O cerimonial público deixou de praticar-se entre Outubro de 1910-Agosto de 1911, assistindo-se no ciclo do governo provisório a uma dessacralização da figura presidencial e à prática de actos de governação marcados pelo voluntarismo de cada ministro provisório.
Monárquicos e católicos desapareceram de cena. Em cada um dos ministérios publicaram-se instruções escritas ou difundiram-se orientações verbais destinadas à abolição dos cerimoniais e uniformes até então usados nos municípios, governos civis, parlamento, Universidade de Coimbra. Cuidou-se da nova bandeira e do novo hino. Se houve consenso quanto ao hino, a matéria da bandeira ficaria marcada pela controvérsia entre intelectuais.
A partir da sua tomada de posse, em Agosto de 1911, o novo Presidente Manuel de Arriaga criou no palácio nacional de Belém um gabinete de protocolo chefiado por um chefe de protocolo que inspirado no que se estava a fazer na França, no Brasil e nos EUA, garantiu a realização dos actos públicos num cenário de forte marca burguesa. A palavra “protocolo” pretende enfatizar as distâncias face ao cerimonial, considerado apanágio de monárquicos e católicos. São os anos do protocolo de cartola, sobrecasaca e bengala. Minimalismo, austeridade, secularização, retirada dos espaços públicos, supressão da festa e da pompa, são as linhas de força assumidas pelo gabinete de protocolo público do palácio presidencial. Algumas instituições dotadas de uniformes, distintivos e cerimonial foram poupadas pelo novo regime: Academia das Ciências de Lisboa, Marinha, Exército, corpo diplomático, Escola de Guerra (Academia Militar).
Manuel de Arriaga movimenta-se discretamente em Lisboa. Vai ao parlamento apresentar cumprimentos no início de cada ano civil, recebe em audiência de ano novo os representantes dos órgãos e instituições da administração pública, confirma as credenciais dos diplomatas, participa nas comemorações anuais da Revolução. Anos mais tarde, Bernardino Machado desloca-se à frente de batalha no contexto da Grande Guerra. Com Sidónio Pais a figura do presidente é sacralizada e mitificada. Sidónio traz o cerimonial de estado novamente para a via pública, socorrendo-se do cerimonial militar (paradas, cavalgadas, entradas solenes em cidades) e fazendo aprovar uma farda presidencial. António José de Almeida aposta na normalização das relações internacionais, em particular com a Santa Sé e faz uma visita de estado ao Brasil.
Cada instituição procura replicar os novos estilos da casa presidencial e do Parlamento. Generaliza-se o conceito de mesa da presidência nas instituições públicas e privadas, situação que antes de 1910 era utilizada em contextos administrativos e de despacho de processos/documentos.
Não é elaborada nem publicada nenhuma lei destinada a regular o cerimonial público nem as precedências. Pouco antes do golpe militar de 1926 os serviços de cerimonial e protocolo são concentrados no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O art. 1.º especifica que Portugal adopta o regime republicano como forma de governo. São abolidos privilégios de nascimento, títulos nobiliárquicos e de conselho e as ordens honoríficas (art. 3.º). Os feitos cívicos poderão ser galardoados mediante atribuição de diplomas especiais. Nenhum cidadão português pode aceitar condecorações estrangeiras.
O estado é laico e aceita o princípio da liberdade de crença (art. 5.º). Os cemitérios são considerados espaços laicos (art. 9.º), neles se podendo realizar o culto religioso de qualquer crença desde que este não ofenda a moral pública, o direito e a lei. O ensino público e particular é neutro em matéria de crenças religiosas (art. 10.º), o que implica a erradicação do ensino de catequese, a administração de sacramentos ou a presença de símbolos religiosos (imagens sacras).
São órgãos de soberania da República Portuguesa (art. 6.º) são o legislativo, o executivo e o judicial, declarados independentes.

·         Poder Legislativo. Simbolizado pelo Congresso da República, dividido em Senado e em Câmara dos Deputados. Tem sede em Lisboa e reúne a 2 de Dezembro de cada ano (art. 11.º). Quando reunidas as duas câmaras, preside o presidente mais velho. O Senado elege, demite e empossa o Presidente da República (arts. 19.º e 20.º). É definida a nova fórmula de publicação das leis (art. 30.º): “Em nome da nação, o Congresso da República decreta e eu promulgo a lei (…)”.
·         Poder Executivo (art. 36.º). Exercido pelo Presidente da República e pelos ministros das várias pastas. Existia a figura do Presidente do Ministério, que seria um dos ministros nomeado directamente pelo Presidente da República (art. 53.º).
·         Poder Judicial (art. 56º), sumariamente referenciado como sendo representado pelo Supremo Tribunal de Justiça, tribunais de 2.ª instância e tribunais de 1.ª instância.

O Presidente da República representava o país no plano interno e externo (art. 37.º). Após a respectiva eleição, tomava posse no Congresso da República, ante as duas câmaras reunidas (art. 43.º), sob a presidência do mais velho dos dois presidentes, com o seguinte compromisso: “Afirmo solenemente, pela minha honra, manter e cumprir com lealdade e fidelidade a Constituição da República, observar as leis, promover o bem geral da nação, sustentar e defender a integridade e a independência da pátria portuguesa”.
Era mantida a medalha ao mérito, filantropia e generosidade, bem como à prestação de bons serviços nos territórios ultramarinos e o direito ao uso da medalha militar (arts. 75.º e 76.º).
Os diplomas a atribuir por feitos cívicos relevantes poderiam ser acompanhados pela entrega de medalhas (art. 79.º).
Competia ao Presidente da República (art. 47.º): nomear os ministros, prover os cargos civis e militares, representar o país no estrangeiro, negociar tratados de comércio e de paz.
Nada consta quanto a municípios e governos civis.
Disponível em http://www.laicidade.org/wp-content/uploads/2006/10/constituicao-1911.pdf
Citar: AMNunes, Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (III). A Constituição de 1911, http://virtualandmemories.blogspot.com/, 21.12.2011

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Mantilha e coca e mantilha: pura e simplesmente inesperado e fantástico!
Camponesas de Sarnadas, concelho do Fundão, fotografadas em 1904 com abafos quinhentistas. Num caso a mantilha semelhante à usada em Monsanto, Porto, Viana do Castelo e noutras localidades assinaladas pelos etnógrafos. Noutro, a coca ou bioco do mesmo modelo que foi usado pelas mulheres da cidade de Coimbra até finais da década de 1850. No mundo rural posicionado no aro temporal que vai do século XVI aos finais da 2.ª Guerra Mundial as mantilhas de arco, os mantos (conforme Ilha Terceira e sul de Espanha), os capotes e capelos (Açores, Itália, Países Baixos), os biocos (Algarve) e as cocas (Coimbra, Fundão) foram as vestes femininas de maior dignidade social, apenas com elas ombreando a capa de honras de terras de Miranda e o muito mais tardio capote alentejano. Na voz dos alvitristas urbanos, as mantilhas representariam um mundo obscuro a erradicar. No mundo rural, as mantilhas eram sinal de poder, credibilidade e abastança.
Fonte: O Occidente n.º 918, de 30.6.1904

domingo, 18 de dezembro de 2011

Os textos constitucionais como fonte normativa do cerimonial público (II)


II-Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa, de 29 de Abril de 1826
Elaborada no Rio de Janeiro e enviada a Portugal pelo Imperador D. Pedro I (D. Pedro IV de Portugal).
Portugal é definido como um reino pluricontinental (art. 1.º), o que implicava a aplicação do cerimonial monárquico conjugado com os estilos convencionais militares, diplomáticos e da Igreja católica romana. O texto constitucional é bastante expressivo no que respeita às orientações que regem o cerimonial público. O regime afirmava-se respeitador dos sistemas cerimonialísticos de instituições como irmandades, confrarias, Universidade de Coimbra, municípios. Funcionando como paradigma, a casa real e o governo não pretendiam impor critérios centralistas e uniformizadores do cerimonial público.
Trata-se do documento programático que mais tempo vigora, de 1826 a 1910, mesmo descontados os anos do  interregno miguelista. À sombra da carta, ganha visibilidade uma nova realidade  traduzida no princípio da separação dos poderes, que se traduz na criação de novos organismos da administração central e regional do estado. A carta consagra-os e respeita-os. Mas, paralelamente aceita a sobrevivência do corpus cerimonialístico da casa real anterior à Revolução de 1820, regido pelos costumes, estilos da corte e programas escritos. De acordo om esses estilos, os membros da família real e a corte ocupam lugar de destaque, bem como o Corpo Diplomático e o Conselho de Estado. O mordomo-mor e o mestre-sala organizam e actualizam o corpus cerimonialístico adequando-o aos novos desafios e realidades emergentes com elevado sentido de distinção e pragmatismo. Além da forte densidade emocional e teatral, o cerimonial do período da monarquia constitucional revelou-se muito atento à presença feminina, reservando-lhes sempre lugar de destaque nos salões, igrejas, tribunas e pavilhões. Os actos públicos são regidos pela etiqueta, polimento e cortesia, sublinhando a sacralidade da figura do monarca e demarcando o espaço em que se movimentava na sua relação com a sociedade, os titulares de cargos e as corporações.
Reconhecia-se como legítima a dinastia de Bragança (art. 5.º) por linha do Imperador D. Pedro I.
O art. 11.º definia como poderes de Estado:

·         Poder Legislativo (representado pelas cortes bicamaralistas, cuja representante máximo era o Presidente da Câmara dos Pares, art. 13.º)
·         Poder Moderador (exercido pelo rei)
·         Poder Executivo (equipa de secretários de estado chefiada pelo rei)
·         Poder Judicial.

O art. 12.º clarificava que os representantes máximos da nação eram o rei e as cortes (parlamento), situação que conferia destaque ao Presidente da Câmara dos Pares e ao Presidente da Câmara dos Deputados.
Eram atribuições reservadas às cortes (art. 15.º):
·         tomar o juramento constitucional do rei, do príncipe real, do regente do reino e da junta de regência
·         eleger o regente ou a junta de regência
·         reconhecer o príncipe real como legítimo sucessor do trono na 1.ª sessão após o respectivo nascimento
·         nomear tutor ao rei menor.

A abertura das cortes seria celebrada com uma cerimónia solene anual, no dia dois de Janeiro (art. 18.º), com a presença do rei.
Seria também sessão real o encerramento dos trabalhos parlamentares (art. 19.º), decorridos três meses da abertura. As solenidades realizadas no parlamento, com a presença do rei, implicavam a reunião das duas câmaras na sala das sessões dos deputados, sentando-se os pares à direita e os deputados à esquerda.
Segundo o art. 20.º, o cerimonial a observar nas cortes constaria de um regimento interno, a articular com os programas da casa real.
Pelo art. 21.º eram considerados actos solenes parlamentares:

·         nomeação do Presidente e do Vice-Presidente da Câmara dos Pares pelo rei;
·         nomeação do Presidente e Vice-Presidente da Câmara dos Deputados pelo rei;
·         nomeação e posse dos secretários das duas câmaras legislativas. Os procedimentos e formalidades inerentes a estes actos constariam dos regimentos internos das câmaras.

A ordem dos assentos dos pares e dos deputados nas mesas de trabalhos respeitariam a mesma disposição observada na sessão solene de abertura do parlamento (art. 22.º).
As sessões parlamentares eram em geral públicas, havendo tribunas destinadas a visitantes e jornalistas. Só excepcionalmente se fariam sessões reservadas.
O príncipe real e os infantes eram considerados pares do reino, com direito a assento na câmara dos pares uma vez completados 25 anos de idade (art.º 40.º).
O artigo 61.º dispunha sobre a fórmula diplomática de elaboração e publicação das leis constitucionais: “D. (nome) por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves, etc., fazemos saber a todos os nossos subdítos, que as Cortes Gerais decretaram, e Nós queremos a Lei seguinte (…)”. O original seria assinado pelo rei, referendado pelo secretário de estado/ministro da pasta e selado, ficando um exemplar no Arquivo da Torre do Tombo (art. 62.º).
O rei era considerado inviolável e irresponsável (art. 72.º). O monarca teria os seguintes títulos: Rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar, em África, Senhor da Guiné, e da Conquista, Navegação, Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da India, etc., que vinham da época de D. João II e de D. Manuel I. Teria tratamento de Majestade Fidelíssima.
Competia ao rei no exercício das suas funções conceder títulos de nobreza, honras, comendas militares e distinções, que seriam realizadas mediante emissão de cartas seladas, cerimónias a carácter e publicação de listagens de agraciados em diário oficial.
O art. 75.º imputava ao rei a liderança do Poder Executivo com a equipa de secretários e ministros de estado, não tendo ainda ganho suficiente visibilidade pública a figura de primeiro ministro (Presidente do Conselho de Ministros), cargo a que homens como Fontes Pereira de Melo, o Duque de Ávila, José Luciano de Castro, Hintze Ribeiro e João Franco hão-de conferir importância a partir da década de 1850.
Segundo o art. 76.º, antes de ser aclamado, o rei prestaria juramento constitucional das mãos do Presidente da Câmara dos Pares, estando ambas as câmaras legislativas reunidas para o efeito na sala das sessões dos deputados, com o seguinte juramento: “Juro manter a religião católica, apostólica romana, a integridade do reino, observar e fazer observar a Constituição política da nação portuguesa, e mais leis do reino e prover ao bem geral da nação, quanto em mim couber”.
O herdeiro do trono teria título de Príncipe Real (art. 78.º) e o seu primogénito de Príncipe da Beira. Todos os mais filhos teriam título de Infante/Infanta. O tratamento do herdeiro presuntivo seria Alteza Real, e o mesmo era aplicável ao Príncipe da Beira. Os infantes seriam tratados por Alteza.
Em completando catorze anos, o herdeiro deslocava-se ao parlamento, e prestava juramento ante o Presidente da Câmara dos Pares, estando reunidas ambas as câmaras legislativas na forma do juramento seguinte: “Juro manter a religião católica, apostólica romana, observar a Constituição política da nação portuguesa, ser obediente às leis e ao rei”.
De acordo com a letra do art.º 87.º, a sucessão legítima era restringida aos sucessores de D. Maria II, encontrando-se impossibilitados de suceder candidatos estrangeiros (art. 89.º). Na menoridade do rei, assumiria o governo uma regência (art. 92.º), que prestaria juramento em cortes (art. 97.º) e expediria todos os actos de governação em nome do rei (art. 98.º).
O art. 101.º estipula que a governação pública seria concretizada por diferentes ministérios, mas não referia quais nem as formas de tratamento a adoptar relativamente aos secretários de estado. Estes tinham direito ao uso de um uniforme à francesa, com calça avivada, casaca bordada e bicórnio.
Mantinha-se o Conselho de Estado (art. 107.º) com membros de nomeação vitalícia, nomeação, juramento e posse ante o rei e título de conselho. Usavam uma farda idêntica à dos ministros.
O Poder Judicial (art. 118.º), considerado independente, seria garantido pelos juízes e jurados. Os magistrados usavam traje profissional e insígnias próprias e os tribunais praticavam um cerimonial distinto dos usos no Legislativo e no Executivo. O art. 130.º pormenorizava que os juízes do Supremo Tribunal de Justiça tinham título de conselho. Tudo o mais seria regulado em legislação extravagante.
A constituição de 1826 foi jurada nas câmaras municipais pelas vereações instaladas após o triunfo da causa liberal, tendo sido lavrados os respectivos autos de juramento.
Disponível em http://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/1533.pdf
Citar: AMNunes, «As constituições como fonte normativa do cerimonial público (II)», in http://virtualandmemories.blogspot.com/, 17.12.2011