Virtual Memories

sexta-feira, 3 de setembro de 2010


A Dra. Mary Waker na década de 1870 com vestes burguesas masculinas
Cheia de interditos fobias, a cultura burguesa ocidental teve francas dificuldades em lidar com o amor feminino às vestes masculinas manifestado por mulheres como Georg Sand, Amélia Bloomer e Waker. Estaria a mulher a perder a sua feminilidade, pondo em causa os valores burgueses da família, reprodução, ordem social, moral e jurídica consagrada nos códigos civis oitocentistas?
Os percursos da moda urbana da segunda metade do século XIX e as reformas das instituições confirmaram em plurímos momentos a progressiva masculinização da toilette feminina, seja consagrando trajes profissionais unissexo, seja propondo vestes práticas e funcionais, as últimas marcadas pelo despojamento da confecção e pela aproximação à uniformologia militar.


Mary Waker (1832-1919), natural de Nova York, foi a segunda mulher norte-americana a obter um diploma de estudos superiores. Formada em Medicina, casou em 1856 tendo recusar proferir o formulário tradicional que postulava a subordinação da esposa ao marido. Divorciada no início da década de 1860, participou como cirurgiã nos hospitais militares durante a Guerra Civil.
O Estado atribuiu-lhe uma medalha, que se seria injustamente retirada por alturas da Grande Guerra. Nesta expressiva fotografia da década de 1860 apresenta-se com a vanguardista toilette concebida pela sua concidadã Amélia Bloomer: casaquinha despojada de ornatos, saia de bainha alta e calça comprida. A Dra. Waker adorava usar indumentária masculina, e por conta da exibição pública de calças compridas, casacas e cartolas esteve várias vezes presa, sobretudo na década de 1870. Waker é considerada uma das pioneiras da luta pela consagração da igualdade de direitos de género nos EUA.
É deveras interessante frisar que a toilette Bloomer vinha da década de 1840, tendo provocado as atenções dos periódicos ilustrados e atitudes de repulsa junto da cultura burguesa conservadora. O aspecto prático e funcional da toilette Bloomer leva-nos a questionar até que ponto foi este traje conhecido dos emigrantes açorianos que demandavam as costas dos EUA. Consta da tradição oral da Freguesia de São João Baptista, da Ilha do Pico, Açores, que na construção da igreja paroquial participaram mulheres voluntárias no carrego de entulho, pedra, água e alimentos, durante a fase de levantamento das fachadas e pilares. Consta também do relato que essas mulheres traziam as saias arregaçadas e por debaixo calças compridas masculinas, o que lhes permitia subir escadas e trabalhar sobre os andaimes, pormenor a não perder de vista, pois não teriam usado calças compridas no tempo dos calções.


Traje desportivo de praticante de equitação
Botinas de couro, saia comprida de cós amplamente franzido, casaquinha, luvas, cartola, véu e chicote. Gravura da década de 186o


Anúncio publicitário londrino, de 1897, com figuração do traje desportivo feminino de ciclista

Traje desportivo feminino de ciclista popularizado na Grã-Bretanha na década de 1890 e rapidamente reproduzido nas principais capitais da Europa e da América
Nesta fotografia de 1895, a desportista usa casaquinha de mangas de balão a afunilar da direcção dos punhos, blusa branca, lacinho, chapéu de coco em feltro, saia-calção, botinas de couro e polainas

quinta-feira, 2 de setembro de 2010


Barrete doutoral confeccionado em 1970, data em que o Papa Paulo VI proclamou Santa Teresa de Ávila "Doutora da Igreja Católica"


Pedro Nunes (I)
Outro divertido desenho de Artur Correia na pág. 58 da obra citada infra, contendo anacronimos que passam pelos cenários joanino e josefino, gritos da década de 1930 e fórmulas matemáticas associadas a Einstein.

Pedro Nunes (II)
As BD I e II são extraídas do álbum Super-Heróis II da História de Portugal. Lisboa: Bertrand Editora, Fevereiro de 2006, p. 53 e ss., com textos de António Gomes de Almeida e ilustrações de Artur Correia.
O "grau de doutor" em Artes Liberais, ocupa o fundo da página 57, constituindo uma série de deliciosos anacronismos e impossibilidades nesta divertida história, como sejam o modelo barroco das insígnias doutorais, a cor amarela própria da Medicina, o hábito róseo e a entrega do diploma.


La Tuna
Apontamento da história em BD intitulada A BOÉMIA, texto e desenhos de Miguelanxo Prado, publicada no álbum A vida é um delírio. Lisboa: Edições Asa/Público, Março de 2008, pp. 58-61. Os cenários reportam-se a Santiago de Compostela, sendo admissível que Prado se tenha inspirado na Tuna Compostelana

Imagens da Festa da Queima das Fitas
Fotografias de quatro momentos da Festa da Queima das Fitas dos Estudantes da Universidade de Coimbra (1959)
Foto 1: quartanistas novas fitadas em carro alegórico engalanado de flores. O tailleur com capa era uma invenção muito recente. Fora imposto como uniforme académico feminino pelo Conselho de Veteranos em Maio de 1954. O cortejo de viaturas alegóricas nas festividades académicas conimbricenses é de remota fábrica, não se podendo assacar uma data de começo. O que se pode documentar e com grande rigor é a passagem do uso de burros e de carros de tracção bovina às viaturas motorizadas. Os carros engalanados com flores, festões, canas e bandeirolas eram uma tradição rural muito difundida em Portugal nas romarias, peregrinações, bodos, arraiais e entradas régias. O cortejo alegórico da Queima das Fitas herdou esta tradição rural e acrescentou-lhe nos anos de 1890-1910 o costume galante e carnavalesco da Batalha das Flores que se fazia em Paris, Lisboa ou Guimarães: desfile de viaturas engalanadas de flores, cujos ocupantes se divertiam a simular batalhas, lançando flores, bolas de cera recheadas de líquidos, jactos de seringas e serpentinas multicolores. Nos anos de 1980 ainda se viam em Coimbra os quartanistas a "atirar" plaquetes de caricaturas de curso sobre a multidão, resíduo da antiga batalha que se perdeu;
Foto 2: novos fitados de Medicina com batas de prática laboratorial. A tradição de queimar as fitas pelos quartanistas de Medicina começou após Direito e Teologia, por volta de 1900. Nas primeiras tentativas, em vez de altar incinerador usou-se um balão voador semelhante ao popularizado nos festejos do São João do Porto;
Foto 3: ritual da Queima das Fitas. O rito da incineração dos grelos ou fitilhos enquadra-se na tradição europeia e peninsular dos julgamentos do tempo, com consequente aplicação de sentenças aos condenados. Subjacente ao rito estão o julgamento do ano escolar e do bode expiatório (o caloiro), exorcizando-se o primeiro através de uma queimada purificadora e o segundo por meio de tourada. Originalmente, a Queima das Fitas é apenas a festa dos alunos do quarto ano de Direito e de Teologia que vão buscar no fim do ano as suas fitas de seda na cor do respectivo curso;
Foto 4: cartolado com cartola de fantasia na cor do curso, casaca com lapelas forradas de cetim, bengala e charuto. Na década de 1930 os quintanistas que se preparavam para celebrar o fim de curso começaram a participar na Queima das Fitas dos seus condiscípulos do 4.º ano. Para que esta intromissão pudesse acontecer foi necessário fundir na mesma estrutura duas festas académicas já antigas e totalmente distintas, a Queima das Fitas dos quartanistas e a Festa de Despedida dos Quintanistas, mais conhecida por Récita de Despedida. Os quintanistas trazem à Queima das Fitas a récita teatral de despedida, a balada de despedida, o livro de caricaturas e o desfile no cortejo alegórico com traje carnavalesco ou de fantasia. A moda das cartolas e bengalas começa na Faculdade de Medicina, no alvorecer da década de 1930 e rapidamente alastra às demais escolas. Na segunda metadade da década de 1940 é apropriada e tradicionalizada pelos estudantes da Universidade do Porto. Como traje de fantasia que era, usavam-se pijamas, casacas, vestidos e outras peças de roupa não combinadas. A cartola era de estrutura manufacturada, em cartão forrado de papel de lustro na cor científica do curso. Lapelas de cetim, papillon e bengala eram também na cor do curso. Por vezes aparecia uma flor na botoeira (que não era a roseta de seda que foi criada pelos estudantes da Universidade do Porto a partir das insígnias das comendas de Estado). A cartola conimbricense tinha aba plana, de tipo saturno, copa de ilharga alta e chegava a ser muito altarrona e forrada de preto caso o seu portador fosse veterano. O charuto vistoso, tradicionalmente ofertado por caloiro-afilhado, e a garrafa de espumante, compunham a toilete dandy do quintanista que se despedia lacrimogéneo.
Fonte: Frederic P. Marjay - Coimbra. A cidade universitária e a sua região. Lisboa: Bertrand Editora, 1959, p. 39