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quinta-feira, 23 de novembro de 2017



Togas para formaturas em Toulouse

As universidades francesas começaram a realizar na década de 1990 cerimónias de formatura com recurso a elementos vestimentários replicados das universidades norteamericanas. Em todos os casos conhecidos tratou-se de uma abordagem historicamente desinformada, materializada em adereços pouco felizes ao nível dos materiais/formas/design que passam frequentemente a imagem de festa de carnaval em casa de amigos, cortejo de infantário, fantasia de dia das bruxas ou até da mistura de tudo isto com um pouco de Grammys. Para tentar solucionar estes sustos visuais, em 2015 uma equipa da Universidade de Toulouse trabalhou em conjunto com a Maison Bosc e criou a proposta que se pode observar na terceira fotografia.

 Entrega de diplomas de mestrado, Farmácia, 2015, Univ. de Monpellier

Entrega de diplomas de doutoramento, Engenharia, 2015, Univ. de Limoges

Toga, epitógio e gorra (faluche), projeto desenhado e confecionado em 2015 pela firma Maison Bosc para os graduandos da Fac. de Direito da Univ. de Toulouse. Combina elementos da tradição francófona universitária (toge, epitoge) e redesenha a gorra oitocentista dos estudantes (La Faluche).


Abertura solene em Poitiers

Apontamentos do cortejo de abertura solene das faculdades de Medicina e Farmácia, Universidade de Poitiers, 26.09.2016, anfiteatro no campus.




Assim vão as coisas na Sorbonne

Aspetos da exposição de togas e insígnias no átrio do grande anfiteatro dos atos, cortejo do corpo docente e diversas figurações dos bedéis com as massas das faculdades.
Identificação das vestes e cores: 1) toga vermelha, epitógio e barrete de Direito (vermelho); toga e insígnias de Medicina (vermelho púrpura); toga de Letras/Humanidades (amarelo); toga de Ciências Naturais (vermelho escarlate); libré de oficial com casaca, espada e colar; togas de reitor (preto e lilás forte).






terça-feira, 21 de novembro de 2017


Do hábito e das insígnias dos santos doutores da Misericórdia da Bahia


Imagens sacras em madeira esculpida, estofada e policromada dos santos doutores São Cosme e São Damião, segundo explícita gramática barroca do século XVIII, altar-mor da igreja da irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Salvador da Bahia, Brasil.
Graciosas e muito raras esculturas do universo lusófono, emprestam aos santos doutores os hábitos e insígnias corporativas da Universidade de Coimbra.
Ambos os santos vestem hábito talar de abatina, composto por colete comprido, abatina e capa. A abatina é do tipo redingote, embainhada pelos joelhos, com carcela ornamental frontal caseada e com botões forrados, sendo visíveis os canhões de mangas orlados de botões. Nos acessórios, identificamos bengala, sapatos pretos de pele guarnecidos de fivelas de prata, meias altas pretas, calções e possível plastron à francesa. Uma figuração bastante curiosa, pois a etiqueta universitária preceituava o uso de cabeção entre o colete e a camisa branca e volta branca. Igualmente curiosa parece ser a presença de capa curta num dos doutores, e de capa talar enrolada no braço esquerda de outro dos doutores. As insígnias doutorais estão conformes com a borla e capelo da Universidade de Coimbra, insígnias que na mesma época eram bastante semelhantes às de algumas universidades espanholas da Península Ibérica e da América Latina (México, Lima, entre outras). Os santos exibem sobre os ombros o capelo, uma murça dupla, munida de capuz dorsal e jogos de rosáceas de seda e alamares, em cetim e seda amarela, a cor distintiva das ciências médicas. Sobre as cabeças dos santos vislumbramos as borlas, quer dizer, barretes pretos ornamentados com franjas longas de seda amarela e florões aparafusados nas copas. Estes florões, que em Coimbra se chamam pegas, são semelhantes às borlas dos cortinados, e armavam com bolbos de madeira feitos num torno de carpinteiro, que se forravam com fio de seda e encaixavam uns nos outros, levando no interior um comprido parafuso.
Estas insígnias eram conhecidas no Brasil, território para onde eram levadas por eclesiásticos e funcionários da coroa que tinham obtido graduação na Universidade de Coimbra. Quando foram criadas as primeiras faculdades de Direito nos anos seguintes à independência, essas escolas também adotaram as insígnias no estilo de Coimbra.

Fotografias digitais de Liana Mascarenhas, acessora de imprensa da SCMSB, a quem agradecemos.



Elementos adicionais para a compreensão das imagens sacras

A-Insígnias doutorais, Faculdade de Medicina/UC, Portugal, identificadas como borla (barrete) e capelo (murça) em seda e cetim.
B-Coletes da primeira metade do século XVIII, conhecidos por véstias, com mangas metidas e costas abertas, ligadas por atacas de pano. Nalguns documentos produzidos por estudantes da UC ligados aos ideais abolicionistas, há referências a uma peça do traje académico, a sotaina, que se vestia pela cabeça e teria as costas fendidas até à cintura, fechando com este tipo de atilhos.




C- Casacas da primeira metade do século XVIII, sem colarinho nem gola:





D-Calções de alçapão ou portinhola:


E-Sapatos de fivela conforme a etiqueta palaciana dos séculos XVII e XVIII:

E.1-Segunda metade do século XVII, em pele preta, tacão vermelho, línguas curta e comprida, e fivela.



E.2-Século XVIII




F- mantéu de seda:



G-meias ou meias-calças à italiana (cáligas) com ligas de fixação:




Reunião de antigos alunos da Universidade de Sherbrook, Canadá, em 2007.
Toga preta com aquilo que parece ser uma muito duvidosa ou lá o que quer que isso seja insígnia para bacharéis, em cetim amarelo e verde.


Universidade Católica de Lyon

 Reitor e decanos num cortejo fúnebre, 27.05.1911
Uso de toga e insígnias, notando-se cabeças cobertas e desbarretadas.

Reitor e decanos, precedidos por oficial à civil, 1912.
Entre a segunda metade do século XIX e os inícios do século XX algumas universidades católicas francesas como Lyon e Lille mantiveram os hábitos romanos em uso entre os representantes dos órgãos de direção e membros do corpo docente com dignidade eclesiástica. Trata-se efetivamente de uma tradição universitária europeia, com expressão em universidades americanas, segundo a qual as vestes eclesiásticas masculinas e femininas são para todos os efeitos equivalentes às académicas estatutárias. Nas universidades ibéricas, o uso do hábito eclesiástico secular ou regular admitia exceções em matéria de insígnias. Por desconhecimento da etiqueta universitária europeia plurissecular, esta situação tem sido repetidamente omitida nos chamados códigos "de praxe" ou até proibida "contra legem". Como é sabido, cada tempo tem as suas legitimidades e as suas razões.


Trajes e insígnias da primeira universidade estabelecida na Lorraine
(1572-1768)


Cartaz da exposição instalada na Abbaye des Prémontrés, 18/10 a 05/12 de 2012.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017


Um enigma quinhentista sobre o hábito estudantil

Decifração de um enigma escrito em 1578 por A. Luís da Cruz, do Real Colégio das Artes, então escola menor de Filosofia, Línguas, Ciências Naturais, Matemática e Físico-Química, cuja cor distintiva era o azul ferrete, onde também vigorava o normativo estatutário do porte do hábito talar corporativo diário.
Este enigma, escrito em latim, por um membro da Companhia de Jesus, foi encontrado nos fundos da Biblioteca da UC e traduzido pelo lente de Medicina, investigador e militante republicano Joaquim Teixeira de Carvalho. Não obstante o rigor que assiste aos trabalhos de arqueologia, arte, cerâmica e indumentária de Joaquim Teixeira de Carvalho, o certo é que nos anos de fim da monarquia constitucional as elites universitárias anticlericais estavam erradamente convencidas de que o traje académico de capa e abatina (melhor dito, de gorra, mantéu e abatina) descendia diretamente do então muito odiado hábito talar da Companhia de Jesus, constituído por barrete preto de quatro cristas, mantéu talar de colarinho simples e roupeta de um corpo munida de carcela entre o pescoço e o diafragma. Daí que ao longo de todo o artigo o ilustre mestre traduza erradamente a cobertura de cabeça por carapuça e não por gorro e abatina por roupeta. Quim Martins aproveita o ensejo para zurzir na cultura jesuítica que na senda da Ilustração era considerada responsável pelo atraso científico e cultural de Portugal. É curioso que hesite na questão dos calções masculinos e dos calçotes ou bragas. A questão parece-nos relativamente clara de dilucidar. Calções eram a veste externa de cobertura das nádegas e coxas, metendo-se por dentro delas as bragas ou cueca-calção, e para os pés e pernas as calças, quer dizer, as meias altas que se fixavam com ligas pouco confortáveis. Sobre a questão da higiene, não eram apenas os jesuítas que não tomavam banho diário nem lavavam as vestes com regularidade. O banho de corpo inteiro ou geral era ao sábado, numa tina, quanto ao resto lavavam-se rostos, mãos e pés. A roupa era lavada de tempos a tempos para não desbotar nem desgastar a malha nas pedras e lavadouros ásperos. Os membros de diversas corporações faziam gala na exibição de roupas pingadas, avinhadas, com buracos e rasgões. Para enfrentar verão e inverno, chuvadas, lama e epidemias de pulgas, não havia uma roupa mas sim enxovais. Os enxovais dos clérigos e estudantes englobavam roupas de verão e de inverno, roupas de trazer dentro de casa e acessórios variados como regalos, luvas, bengalas, polainas, cabeleiras postiças e laçarotes para as ditas cabeleiras.
A abatina é uma veste de finais do século XVII, que sucedeu à soutanella quinhentista, usada por académicos e eclesiásticos em Itália, França, Portugal, Grã-Bretanha e seus domínios e Suécia. Caiu em desuso na corte Francesa após a Revolução de 1789, tendo-se mantido na corte pontifícia até à década de 1850, altura em que foi substituída pelo abito piano. Em Portugal, o traje de abatina foi um dos uniformes do Real Colégio dos Nobres (Lisboa), tendo sido usado como hábito alternativo por lentes e estudantes da UC. Nos inícios do século XIX, entre as invasões napoleónicas e o rescaldo da Revolução de 1820, este traje ter-se-á generalizado entre a Academia progressista, liberal e anticlerical, substituindo as antigas vestes ibéricas à base de loba e mantéu, num processo que com alguns anos de diferença marcou a Universidade de Salamanca e diversas universidades e colégios da América Latina.
Este tipo de enigmas não era específico da cultura universitária. Na cultura popular oral sobreviveram adivinhas do género «Qual é a coisa, qual é ela, que mal se mete em casa se põe à janela?», sendo coisa a carcela, casa o rasgo para a entrada do botão e janela os botões à vista.

Eis o que JPBaeta escavou:

Joaquim Teixeira de Carvalho (Quim Martins), jornal Resistência, 18.08.1904, «PICTURA», na crónica Bric-a-Brac


BRIC-A-BRAC

A BATINA

I

A batina só tarde começou a ser tema favorito de canções académicas.

A poesia da sebenta e da cábula apareceu muito mais cedo.

A beleza da capa rota e velhinha, a sua peregrinação lírica pelas noites luarentas é coisa relativamente moderna.

Vai o relativamente para nos darmos o ar de alegre velhice que convém a esta secção.

A poesia da capa e batina é do nosso tempo.

A sua dignidade não. Essa era já afirmada em frase de efeito quando viemos para aqui estudar.

A dignidade da capa e batina, como usa dizer-se, e a soberania da academia eram, quando aqui comecei a estudar, o primeiro artigo do código das assembleias gerais dos estudantes.

Á frases que envelhecem, estas, que devem ser da mesma idade, tem hoje o mesmo sabor antigo.

Não á com o mesmo efeito determinante para estudantes de Coimbra senão outra — a academia generosa ??

Esta ultima tem tanto de terna comoção como de arrebatamento.

Mas voltemos ao assunto.

Os primeiros versos que conheço á batina, são, os de um enigma, afixado no colégio das Artes de Coimbra em 1578 e feito pelo padre Luis da Cruz poeta dramático da companhia.

Julgamo-los os primeiros, visto a roupeta e mantéu jesuíta serem os antepassados da batina.

O documento que publicamos é um verdadeiro diploma heráldico.

Estes enigmas eram afixados no colégio por ocasião das festas escolares.

Encontrei-a no tomo 2.º da coleção das obras feitas pelos jesuítas para as festas escolares do colégio de Jesus em Coimbra.

Desta coleção, não encontrámos outro volume, alem do quinto, nos manuscritos da Biblioteca da Universidade.

O tomo 2.º, em que vem o enigma, tem 482 folhas, numeradas no reto (sic), a partir da terceira que contém o frontispício desenhado a preto e vermelho.

O titulo está inscrito num retângulo, em caracteres góticos e é encimado por uma oval com a palavra Jesus no centro, circundada da divisa: IN NOMINE IESV OMNE GENV FLECTATVR, escrita em caracteres latinos e a tinta vermelha.

O titulo do manuscrito, em letra gótica é: «Resu Scholastica | rú, quae à patrib ac | fratritb huius Conim |bricensis Collegii scrip | ta sant. | Tomos 2».

O capricho caligráfico que circunda o titulo é de uma arte primitiva e ingénua.



PICTURA

Vir faemina q cum una altera q breuis corporis puella

ante limina aedium picti uesebantur. Ad aedium fenestras

aderant roseta, rosis adhuc nõ erumpetib e folljculis



Significatio



Manteo,                 roupeta.              Carapuça





1 Nympha - / - roupeta
nubit uiro -/- manteo

2 Sine capitib ambo porq
magistri -/- os alfaiates
não lhes cortarão

3 ora &c por q o mãteo tudo
e costas

4 ille &c. ou e de colla
riuho ou de raia

5 vagina tem bainhas porq
são abainhadus

6 todos trazé a roupeta
iusta e não regulada
los statutos

7 Coniujis &. do manteo
se pode fazer roupeta
mas não da roupeta mãteo

8 Ex fam. a carapuca
preta è pêra fora, a
branca p. casa

9 a branca e cara adde
puça. e té hu olho

10 o Nunc fedes &c, casas
da roupeta as quais fazé
phrygiones .1. botoeiros

11 ocul. porq as casas tê
pestanas

12 nas casas não êntrão
senão claui -I- botões

13 as casas serve as rosas
q naõ abrirão, porq en
taõ saõ botões.
Nympha uiro nubit, qui mobilioris amore
Aduersi comitem temporis u q fugit:

Nec caput est illis, quia non secuere tmgistri
Si sedet ília, maio carpitur ille suo:

Ora uir abscondit, latíssima terga renudat
Terga tegit mulier, pectora nuda gerit;

Ille uel est soboles Torquati antiqua latiní:
Aut a Neptuno, uel Phaetonte uenit.

Vaginas quid agunt? Si poritis arma Togati ?
Quam iuuenes prodest, tam nocet esse senes »

Est modo qua uiuit nemo non iustior, exlex
Multaq iudiciis fanda nefanda tegit.

Coniugis ille suae, non illa in fata mariii
Ire potest, fieri dextera 'ae ia potest

Ex famulis foris atra, domi sedet candida uiuit
Vtraq temporibus quam tamê apta suis

Alba oculo cara est, labris et crinibus atra
Carior a domino si quoque missa manu est:

Nunc fedes Phrygio positas meditare labore
Qao Caeta loco nunc prope nomen habet:

Possidet has mulier oculorum nobíle setis
Mentita argentum bractea fundat opus.

Vis aedes intrare ? Sinet non ianua, clavis
Innumeris quando clausa, reclusa manet,

Stet sedes potius uarijis seruata rosetis
Non dum purpureas explicuere comas.



A Pe Ludovico da Cruz
anno 1578.


Si sedit. o manteo se safa


Tergategit, da roupeta o peito apa
rece.


Quã iunenes &c, nouos q uelhos milhor é seré


Multa &c. pôrq encobre calças das
quais hflmas são para ver e outras
não.

Fieri &c. podese uirar a roupeta
do aueso pera o direito.


Vtraq. cada hua e conforme a
cabeça de seu dono


labris & crin. a preta q é de frisa
e maist cara q e forrada


Quo cae , bajeta .fazesé as casas é


Mentita. porq as casas fazese
cõ hua palheta de frandes.


Innumeris a q tem botões eta por diante.


Os versos eram acompanhados de pinturas.

A pintura deste representava um homem, uma mulher e uma rapariga diante dum edifício a cujas janelas se viam rosas em botão.

O homem era o mantéu, a mulher a roupeta e a rapariga a carapuça.

Às janelas estavam os botões; porque nas casas da batina é que eles se mostram.

Se o leitor sabe latim, e lhe sobra paciência e vagar, facilmente descobrirá a decifração do enigma, ajudando-se das notas marginais do manuscrito.

Por o seu contexto poderá avaliar da argúcia do bom Luís da Cruz que foi autor de tragicomédias famosas.

Foi ele o encarregado de fazer a tragicomédia de Sedecias para delícias de el-rei D. Sebastião, na sua visita a Coimbra, em despique com os talentos dramáticos dos professores estrangeiros do colégio das artes.

As suas obras dramáticas andam em livro, hoje raro, com um prólogo curioso em latim.

Deixemos porém a erudição.

É para notar que a alteração da batina regulamentar é vício tradicional.

Já os Jesuítas usavam a batina mais apertada do que mandavam os estatutos.

É também para notar que no estatuto, falando-se da roupa que se deve mandar lavar, se cita do uniforme apenas a carapuça.

O mantéu e a roupeta nunca viam água.

Tal qual a batina hoje.

Quando não chove...

O enigma referindo-se aos calções fala nuns que são para ver e outros que o não são.

Querer-se-á referir ao abuso de calções de cor, ou fazenda contra o estatuto, ou referir-se-á a roupas brancas numa frase de espirito de sacristia?

Os enigmas, que se punham pouco antes, ou pouco depois do S. João, eram afixados por ocasião do elogio á rainha Santa e a D. João III.

O assunto era, como se vê dos manuscritos conservados na biblioteca da Universidade, muito variado, abrangendo objetos profanos, e casos da vida politica.

Alguns são interessantes para a história dos costumes, ou pela descrição de monumentos desaparecidos.

Esta literatura especial nunca foi estudada, bem como a das outras produções literárias escolares.


In jornal “Resistência” n.º 928 (10.º Ano) de 18 de agosto de 1904


Bibliografia

Sobre o Padre Luís da Cruz (1543?-1604)


Padre jesuíta com hábito talar ordinário de trazer por casa: roupeta talar de um corpo, em lã tingida de preto, com cinto simples e barrete. Como era próprio da maioria das vestes talares masculinas para eclesiásticos, jurisconsultos e académicos, vestia-se e despia-se pela cabeça. Para se poder fazer tal, tinha de ser uma túnica largueirona, de corte trapezoidal, com carcela frontal metida entre a base do pescoço e a linha do diafragma. Dentro de casa era usada com capas e capotes. Na missa, como veste de baixo, sobre ela se sobrepondo alvas, sobrepelizes, casulas e estolas. Fora de casa e em missão, completava-se com capa preta de colarinho, sem colarinho e com sombreiro. O cinto podia ser de pano ou de couro, nele se fixando os rosários.
A roupeta nada tem que ver com a morfologia das abatinas. Pertence sim à família das sotainas de um corpo e togas. São aliás vestes de épocas bem distintas. A roupeta vem do século dos meados do século XVI, a abatina vem das décadas de 1760-1790. Ao contrário da sotaina romana que tem feitios metidos no saio traseiro (3 machos), a roupeta levava o feitio de costas inteiramente liso.

Traje de abatina, sobrecacasa preta pelo joelhou ou cortada ligeiramente abaixo do joelho, inspirada na túnica persa masculina, divulgada nas cortes de Versalhes e de Londres a partir da década de 1760. Usava-se com uma capa preta, também de seda, variando a altura da bainha entre o talão (Coimbra), a meia perna, a linha do joelho, ou vestindo-se mesmo sem capa alguma (Grã-Bretanha, Suécia). Podia se na cor da dignidade ou avivada.


Uma figuração do dito traje, com insígnias doutorais de Medicina, nas imagens de São Cosme e São Damião, altar-mor da igreja da santa casa da Misericórdia da Bahia, Brasil, século XVIII.

A variante anglo-saxónica com meias altas, polainas, sotaina assertoada e sobrecasaca com carcela até à cintura. Retrato do bispo de Ontário, John Travers Lewis, ca. 1862, acervo do Musée MacCord. Usa-se de ordinário com a carcela desabotoada - no que os clérigos britânicos se adiantaram em mais de meio século aos estudantes da UC que só em 1907 começaram a generalizar esta usança - , com cartola alta e sem capa.

A variante anglo-saxónica, vista dianteira.

Variante feminina, cintada e com os botões forrados, Suécia, em uso entre o clero católico e lentes da Fac. de Teologia da Univ. de Upsala.

Versão romana cardinalícia, com vivos nas bainhas. Em uso entre o século XVIII e inícios da década de 1860.

O traje de abatina, neste caso substituindo-se o ferraioleto pelo balandrau curto. Cardeal romano, inícios do século XVIII.

Sobrevivências do balandrau sobre a batina talar. Trata-se de um misto de casacão com capote, que se fechava na frente com alamares, podendo vestir-se pelas mangas ou deitar-se pelos ombros e deixar as mangas a adejar. Fotografia captada nos USA, século XX.