Virtual Memories

sábado, 5 de novembro de 2011

Cerimónia de abertura do Parlamento em 2.1.1904. D. Carlos lê o "discurso da coroa" (na verdade escrito pelo presidente do Conselho de Ministros) sentado no trono armado para o efeito na sala dos Deputados. Não existe o conceito de "mesa da presidência" neste tipo de acto solene. As únicas cadeiras dispostas na tribuna alta demarcada pelos cortinados do dossel são as destinadas a D. Carlos e a D. Amélia. Ao contrário dos estilos britânicos, segundo os quais os monarcas proferem o discurso da coroa com a coroa real posta na cabeça, os braganças mantiveram o costume herdado de D. João IV que dispensava o uso da coroa (tendo sido oferecida a N. S. da Conceição de Vila Viçosa, a coroa estava presente nos actos solenes mas não era colocada na cabeça). Há fotografias da abertura solene das cortes posteriores a 1904 que mostram a coroa ao fundo da sala.
Fonte: Ilustração Portuguesa n.º 10, de 11.1.1904

Cerimónia real de abertura do Parlamento em 2.1.1904. O infante D. Afonso, irmão de D. Carlos I, aguarda o monarca e a rainha D. Amélia no átrio do palácio de S. Bento. Imediatamente atrás estão os membros do Conselho de Ministros. O corpo de lanceiros a cavalo encontra-se postado ao longo do trajecto do cortejo real.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 10, de 11.1.1904

A premiação do mérito: distribuição dos prémios rainha Maria Pia aos operários do Arsenal da Marinha em 31.12.1903. A premiação era um acto social muito expressivo durante a monarquia constitucional, abrangendo instituições como bombeiros, colégios particulares, Universidade de Coimbra, liceus. Embora tenham sido praticadas durante a 1.ª República e o Estado Novo, as premiações do mérito foram hostilizadas pelas elites portuguesas do século XX. Entre a Revolução de 1974 e a década de 1990, período que coincide com a massificação de todos os níveis de ensino, a premiação praticamente desaparece das escolas de 1.º ciclo, secundárias, politécnicos e universidades. O acto de premiação é visto como um ritual menor e desnecessário, que serviria apenas para contentar a vaidade e promover a discriminação entre os alunos. Havia prémios, é certo, como os diplomas e bolsas atribuídas pelos Rotários, mas sem qualquer impacto mediático. Lembro-me de um prémio que me foi atribuído em 1985 pelo liceu de Ponta Delgada. Nem o recebi, nem havia cerimónia alguma para o receber. Chegou-me às mãos pelo correio, um cheque metido num envelope. Numa aula de cerimonial e protocolo poderíamos trabalhar este exemplo com os nossos formandos e reflectir sobre a pobreza e a ineficácia de certos actos e aquilo que um gabinete de protocolo não deve fazer. Conforme diz o vulgo, "o péssimo é inimigo do bom". Os titulares dos órgãos de direcção das instituições públicas ainda não tinham compreendido que a sua inércia e desconhecimento eram prejudiciais à imagem dos serviços que dirigiam supostamente em benefício dos cidadãos. É neste quadro de vazio e de extrema pobreza protocolar que a estação televisiva privada SIC e a revista mundana Caras iniciam em 1996 os Globos de Ouro, replicando galas mediáticas de matriz norteamericanas de perfil eclético (teatro, música, desporto, cinema, moda, música).
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 10, de 11.1.1904

Uma cerimónia militar: benção da bandeira do Regimento de Infantaria n.º 1, realizada na igreja da Boa Hora (Lisboa) em 3.1.1904
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 10, de 11.1.1904

Um evento de inspiração militar que no século XX ganharia crescente importância na vida das corporações: distribuição de medalhas de mérito aos bombeiros do Quartel da Esperança (Lisboa) que em 25.3.1902 se distinguiram no combate a um incêndio no largo de Camões.Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 9, de 4.1.1904

A presença dos monarcas em hospitais, asilos e orfanatos fazia parte dos processos de construção e gestão da imagem dos reis e consortes. A prática da caridade cristã era enquadrada pelas Obras de Misericórdia. A rainha D. Amélia ajuda a servir a sopa de Natal às crianças do Dispensário D. Amélia. Não se trata de uma cerimónia mas de um acto de relações públicas.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 9, de 4.1.1904

Uma cerimónia militar pouco conhecida: acto de entrega da canhoeira Pátria no Arsenal da Marinha, adquirida com contribuições dos emigrantes portugueses no Brasil
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 9, de 4.1.1904

Cerimonial de colocação da pedra fundamental do monumento a Camões (1862)


Havendo-me  participado o marechal duque de Saldanha, presidente da comissão central dos subscritores para se levantar um monumento ao grande poeta nacional Luís de Camões, acharem-se concluídas as obras necessárias para a colocação da pedra fundamental; e querendo eu honrar a memória do imortal cantor dos altos feitos portugueses, que das gloriosas navegações e descobrimentos em que para sempre se afamaram no mundo, perante a civilização, as potentes armadas do Senhor Rei D. Manuel, meu ínclito avô; manifestando por esta ocasião o jubilo que me causa satisfazer-se no meu reinado a dívida que a nação tem há séculos em aberto, resgatada agora por uma subscrição espontânea dos meus leais e amados súbditos, em toda a monarquia e fora dela:
Tendo resolvido ir colocar por minhas reais mãos a pedra fundamental do monumento erigido ao imortalizado autor dos Lusíadas, na praça de Luís de Camões. E mando que este acto se faça com toda a solenidade, para o que se observará o cerimonial constante do programa, que foi submetido à minha régia aprovação pelo mesmo duque, presidente da comissão central dos subscritores, e que baixa assinado pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino.
O mesmo Ministro e Secretário de Estado assim o tenha entendido e faça executar. Paço da Ajuda, em 11 de Junho de 1862. Rei (D. Luís I). Anselmo José Braamcamp. Publicado no Diário de Lisboa, n.º 134, 2.ª feira, 16 de Junho de 1862.

Ver também VASCONCELOS, José Leite de – Etnografia portuguesa. Volume X. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1988, pp. 393-394. O autor confirma a colocação de moedas nas cerimónias de lançamento de 1.ª pedra do monumento ao Duque de Loulé (Diário de Notícias, de 26.7.1875) e do monumento a Vasco da Gama (26.1.1925). No Vaticano era de tradição amortalhar-se os papas com três bolsinhas contendo moedas de ouro, prata e cobre.

 Programa para a solenidade da colocação da pedra fundamental do monumento de Camões
Artigo 1.º: Sua Majestade El-Rei há por bem designar o dia 28 do corrente mês de Junho, pelas seis horas da tarde, para ir colocar por suas reais mãos a pedra fundamental do monumento que se há-de erigir na praça de Luís de Camões à memória do imortal autor dos Lusíadas.
Artigo 2.º: Se acaso Sua Majestade a Imperatriz do Brasil, viúva duquesa de Bragança, se dignar de (sic) assistir a este acto, o duque mordomo-mor tomará as disposições necessárias para a recepção da mesma Imperial Senhora.
Artigo 3.º: Para esta solenidade se farão os convites do estilo ao corpo legislativo, ao corpo diplomático, à Câmara Municipal de Lisboa, aos titulares e mais pessoas que formam a corte, à Academia Real das Ciências e demais corporações científicas e literárias, às autoridades eclesiásticas, civis e militares, assim como outras quaisquer pessoas que devam concorrer à mesma festividade.
Artigo 4.º: Ao poente da praça de Luís de Camões se armará a tribuna para Suas Majestades, e a família real.
Artigo 5.º: No centro da praça para o lado poente se armarão três pavilhões convenientemente adereçados, atapetando-se o espaço que mediar entre eles e a tribuna real.
Artigo 6.º: Dentro do pavilhão central e sobre uma mesa coberta de veludo estará o modelo do monumento, e uma escrivaninha para a assinatura do auto desta cerimónia. O pavilhão do lado direito é destinado para o corpo legislativo, e o esquerdo para o corpo diplomático.
Artigo 7.º: No meio do alicerce estará a pedra fundamental aprumada, e coberta com uma alcatifa de veludo carmesim franjada de oiro.
Artigo 8.º: Junto do alicerce haverá dois bufetes cobertos com bancais de veludo carmesim.
Artigo 9.º: No bufete do lado esquerdo estará uma padiola forrada de seda azul e branca, e sobre ela um cofre de mármore.
Artigo 10.º: No bufete do lado direito estará uma bandeja de prata com um cofre do mesmo metal; e bem assim seis salvas, contendo a primeira o auto de assentamento da pedra fundamental; a segunda a lâmina com a inscrição comemorativa; a terceira as moedas nacionais em oiro, prata e cobre; a quarta a trolha de prata com o cimento; a quinta a colher; a sexta o camartelo.
Artigo 11.º: A tribuna real, o pavilhão central e todo o espaço entremédio (sic) serão rodeados por duas alas da guarda real dos archeiros.
Artigo 12.º: Às cinco horas da tarde as tropas da guarnição de Lisboa formarão em parada aos três lados da praça de Luís de Camões, norte, sul e leste.
Artigo 13.º: Sua majestade El-Rei e seu augusto pai El-Rei o Senhor D. Fernando, saindo do paço da Ajuda, e trazendo por guarda de honra um esquadrão de cavalaria, entrarão na praça de Luís de Camões pela rua do Alecrim.
Artigo 14.º: A Câmara Municipal de Lisboa, a corte, a comissão central dos subscritores do monumento, e mais pessoas convidadas, esperarão Suas Majestades no vestíbulo da tribuna real, indo depois ocupar os lugares que lhes estiverem destinados.
Artigo 15.º: Os oficiais mores da casa real, os gentis homens da câmara, os ajudantes de campo de Suas Majestades e os membros da comissão central dos subscritores, ficarão na tribunal real, de pé e atrás de Suas Majestades.
Artigo 16.º: Assim que Suas Majestades houverem chegado à tribuna receberão a continência das tropas.
Artigo 17.º: Em seguida encaminhar-se-á o cortejo para o centro da praça, indo na frente os porteiros da real câmara com as maças de prata, e logo os reis de armas, arautos e passavantes [ajudantes dos arautos ou pregoeiros] com as suas cotas [librés de gala ou tabardos]. Seguir-se-ão as corporações, autoridades e mais indivíduos convidados, guardando entre si a mesma precedência: a Câmara Municipal de Lisboa; os titulares e mais pessoas que formam a corte, indo os grandes do reino na ala direita e cobertos, e os outros personagens na ala esquerda; o Conselho de Estado; o Ministério [Conselho de Ministros]; os membros da Academia Real das Ciências; a comissão central dos subscritores do monumento; e por último Sua Majestade o Senhor D. Fernando e Sua Majestade El-Rei, seguidos dos gentis homens da real câmara e ajudantes de campo.
Artigo 18.º: Assim que Sua Majestade El-Rei houver chegado ao pavilhão, o duque de Saldanha, presidente da comissão central dos subscritores, lerá o auto narrativo desta solenidade, por ele previamente redigido, bem como a seguinte inscrição esculpida em lâmina de cobre:

Nomini immortali
Aloisii de Camoens
Lusitanorum poetarum
Temporis sui
Principis
Hoc monumentum
Voluntariis elargitionibus
Fuit erectum
Cuius lapidem auspicalem
In tanti operis molitionem
Ludovicus I
Portugalliae et Algarbiorim Rex
Quarto kalendas mensis juliis
Anno MDCCCLXII
Plaudentibus civibus universis
Solemniter fixit

Artigo 9.º: Finda esta leitura, o mesmo duque presidente oferecerá a Suas Majestades uma pena de oiro para assinarem o auto; e, obtida permissão de Sua Majestade El-Rei, será também assinado pelo Ministério, pela comissão central dos subscritores do monumento, pelos presidentes das câmaras legislativas, e pelo da Câmara Municipal.
Artigo 20.º: Assinado o autor, serão apresentados em salvas de prata a Sua Majestade El-Rei: pelo vice-presidente da comissão central, Francisco de Paula S. Tiago, o cofre de prata; pelo duque presidente, o auto já assinado; pelo secretário, Joaquim Pedro de Sousa, a lâmina comemorativa; e pelo tesoureiro, Carlos Krus, as moedas nacionais.
Artigo 21.º: Sua Majestade El-Rei, recebendo todos estes objectos, depositá-los-á no cofre, e fechando-o à chave entregará esta ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, para ser depositada com um traslado do auto, no arquivo dos paços do concelho.
Artigo 22.º: Os membros da comissão central, António Feliciano de Castilho, José da Silva Mendes Leal Júnior, José Maria Eugénio de Almeida e António da Silva Túlio, tomarão a padiola em que está o cofre de mármore, e a levarão até junto de Sua Majestade El-Rei, que, recebendo o cofre de prata das mãos do duque presidente, o meterá dentro no (sic) de mármore. Depois os mesmos quatro vogais conduzirão a padiola até ao alicerce, onde o director da obra, pegando neste cofre o depositará na cavidade da pedra fundamental, e lhe assentará a laje para esse fim aparelhada.
Artigo 23.º: Sua Majestade El-Rei, recebendo das mãos do vogal da comissão, conde de Tomar, a colher, e tirando da trolha, que lhe apresentará o vogal conde do Farrobo, um pouco de cimento, o deitará nas juntas da pedra, em acto contínuo a baterá com o camartelo, que lhe será oferecido pelo membro da comissão visconde de Menezes.
Artigo 24.º: Uma girândola de foguetes, correspondida por uma salva real no castelo de S. Jorge e demais fortalezas, bem como dos navios de guerra surtos no Tejo, anunciará a colocação da pedra fundamental do monumento consagrado à memória de Camões.
Artigo 25.º: O cortejo voltará na mesma ordem acompanhando Suas Majestades à tribuna real, em frente da qual desfilarão, na presença dos mesmos augustos senhores, as tropas que formarem a parada.

Visita de Afonso XIII a Portugal (II: 1903)

Imagem 9: aspectos da caçada em Vila Viçosa

Imagem 8: a galeota real que conduziu Afonso XIII na despedida

Imagem 7: momentos da caçada real na tapada de Vila Viçosa

Imagem 6: discurso proferido por Afonso XIII no salão nobre dos paços do concelho de Lisboa com rigorosa observância do cerimonial. Dossel montado sobre estrado de degraus, estando o monarca de pé e acompanhado por D. Carlos, à esquerda, e D. Amélia, à direita. Presidente e vereadores vestem casaca, desde finais do século XIX adoptada como traje de rigor dos vereadores portugueses. A bandeira do município é conduzida desenrolada por um oficial municipal que se encontra de pé (no século XX as bandeiras passaram a estar fixas no espaço reservado no topo de uma sala ou teatro).
Tradicionalmente, o cerimonial de recepção de um alto dignitário real ou eclesiástico em paços de concelho obedecia a um programa detalhado: recepção solene nas fronteiras do município (os de Coimbra iam a Condeixa, os do Porto iam a Grijó receber as comitivas visitantes); cortejo equestre ou de carruagens de grande gala até ao edifício dos paços do concelho; Te Deum em igreja (devendo o rei ser acolhido com pálio); cerimónia da entrega das chaves das portas da cidade/vila em pavilhão expressamente armado para o efeito; recepção à porta principal dos paços do concelho por representantes de todos os grupos sociais; discursos de saudação, sendo obrigatório o monarca responder com um agradecimento individual ao representante de cada grupo; saudação à multidão na janela principal/varanda dos paços do concelho; cumprimento de programa diversificado que podia incluir visita a regimentos, museus, laboratórios, escolas, hospitais, igrejas, serenata, fogo de artifício, sarau, banquete; cerimónia de despedida, devendo o visitante ser escoltado até às fronteiras do município.
Até à revolução liberal oitocentista as visitas oficiais do monarca, especialmente quando se deslocava acompanhado pela corte, constituiam pesado encargo para as finanças municipais que tinham a obrigação de garantir a aposentadoria (alojamento) e a alimentação. Durante os dias da estadia eram consumidas inúmeras pipas de vinho, cozidas abundantes fornadas de pão de trigo e pão doce e assados animais de variado porte. O monarca costumava patrocinar por alturas de aclamações, casamentos e entradas bodos ou vodos, que eram distribuições generosas de comes e bebes às populações. Na minha infância ainda conheci resquícios deste costume nos bodos populares que podiam ser de carne/pão/vinho ou de leite/pão de trigo. Quando a rainha D. Maria II fez a sua visita de estado entre Lisboa e o norte de Portugal em 1852 (foi a última viagem oficial por terra em carruagens, usando-se depois o comboio) as câmaras mandaram perguntar à casa real quais eram as orientações quanto a cama e mesa, alegando não ter réditos bastantes para alojar e alimentar a corte. D. Maria II respondeu que as despesas eram por conta da casa real, atitude que tornou a visita um périplo de sucesso. Ainda hoje em Ovar corre na memória oral que a rainha cansada (sofria de obesidade mórbida) da viagem e agastada com as traquinices dos infantes lhes chimpou sonoras bofetadas em plena varanda dos paços do concelho, reprimenda que foi aplaudida e tomada por exemplar.

Imagem 5: visita oficial de Afonso XIII de Espanha à Câmara Municipal de Lisboa. A CML ocupava lugar de relevo no cerimonial monárquico desde tempos imemoriais. Primus inter pares no conspecto dos municípios portugueses, o presidente do município da capital tinha primazia entre todos os demais presentes de municípios. A CML era obrigatoriamente incluída em todos os programas relativos a cerimónias solenes de Estado: aclamação de monarcas, quebra dos escudos, recepção a altos dignitários que desembarcavam no Terreiro do Paço. O regime republicano manteve em parte esta tradição, seja por via da proclamação da República na varanda dos paços do concelho (proclamar na varanda da câmara municipal era uma tradição monárquica associada à inauguração de um reinado. Outra explicação para o mediático acto de José Relvas é a imitação à letra da proclamação da Republique em Paris. E contudo, a casa que representava a soberania popular constitucional era o Parlamento), seja por via da sua celebração anual a 5 de Outubro.

Imagem 4: espectáculo nocturno de fogo de artifício na Av. da Liberdade, 13.12.1903. Integrado nas grandes festividades cívicas, monárquicas e religiosas desde o Renascimento, o fogo de artíficio povoou rapidamente o imaginário de todos os grupos sociais e atingiu o auge na época barroca. As explosões aéreas multicolores simbolizavam o uso da pólvora e dos explosivos em contexto de paz, associados à alegria. Nos finais do século XIX tornam-se famosos os espectáculos de girândolas de foguetes à moda do Minho nos arraiais religiosos, festas de fim de ano dos estudantes de Coimbra, festas da rainha Santa Isabel em Coimbra, festas de Viana do Castelo e sanjoaninas do Porto. Gastavam-se fortunas para contratar os melhores fogueteiros e encomendar os mais insólitos explosivos. Um espectáculo era admirado pela beleza das cores, pela diversidade dos explosivos, pelo tempo que durava e pela muldidão que conseguia juntar. Símbolo do aparato festivo por excelência, o fogo de artifício servia também para empolar as rivalidades entre terras e comissões festivas e mostrar o poder económico e as capacidades realizadoras de cada uma delas. Em certas localidades, o espectáculo fluvial de fogo de artifício lançado a partir de barcos foi conhecido por "serenata".

Imagem 3: Afonso XIII assiste a uma missa no mosteiro dos Jerónimos

Imagem 2: D. Carlos e Afonso XIII numa sala do Museu de Artilharia/Museu Militar de Lisboa, visita realizada a 11.12.1903

Imagem 1: na presença de D. Carlos I, o rei Afonso XIII condecora Hintze Ribeiro com o grande colar da ordem do Tosão de Oiro. A cerimónia decorreu a bordo do couraçado Carlos V, no Tejo, em 12.12.1903. Os monarcas envergam grandes uniformes da marinha. O presidente do Conselho de Ministros, Hintze Ribeiro, traja farda direita, que era o uniforme de gala dos ministros de Estado e dos membros do Conselho de Estado. Sobre a credência avistam-se a Bíblia aberta e um crucifixo. O ritual da outorga de insígnias das ordens militares foi mantido pelos regimes republicanos, pese embora expurgado da liturgia monárquica e religiosa.
Fonte: imagens 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, Ilustração Portuguesa, n.º 7, de 21.12.1903; imagem 9, Ilustração Portuguesa, n.º 8, de 28.12.1903

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Cerimonial de encerramento das Cortes Gerais Ordinárias (1862)


Hei por bem aprovar o programa que, para regular o cerimonial da sessão real de encerramento das cortes gerais ordinárias da nação portuguesa no dia 30 do corrente mês de Junho, baixa assinado pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino. O mesmo Ministro  e Secretário de Estado assim o tenha entendido e faça executar. Paço da Ajuda, em 25 de Junho de 1862. Rei. Anselmo José Braamcamp. Publicado no Diário de Lisboa, n.º 141, de 5.ª feira, 26 de Junho de 1862. Resumo da acta de encerramento publicado no Diário de Lisboa, n.º 144, 3.ª feira, 1 de julho de 1862

PROGRAMA
1.º: A sessão real para o acto de encerramento da sessão ordinária das Cortes Gerais da nação portuguesa no ano legislativo de 1861-1862 terá lugar a 30 de Junho corrente, às seis horas da tarde, no palácio das Cortes, reunidas ambas as câmaras legislativas na sala das sessões dos Senhores Deputados, sob a direcção do Presidente da câmara dos Dignos Pares do Reino.
Sua Majestade El-Rei, acompanhado da corte, tenciona assistir a esta solenidade.
As pessoas da corte são prevenidas por este programa para concorrerem ao cortejo real.
2.º: Se acaso Sua Majestade, a Imperatriz do Brasil, viúva, duquesa de Bragança, ou alguma das outras pessoas reais forem presenciar da tribuna real a festividade do encerramento das Cortes Gerais, o duque mordomo-mor tomará as disposições necessárias para a devida recepção de tão augustas personagens.
3.º: Na sala da sessão real, convenientemente adereçada, os representantes da nação, em trajo acomodado a este acto solene, tomarão lugar, sem precedências, a um e outro lado do trono, ficando os Dignos Pares do Reino à direita, e os Senhores Deputados da nação portuguesa à esquerda. O Presidente da câmara hereditária [câmara dos Pares], colocado no estrado grande abaixo do último degrau do trono, nomeará uma grande deputação de Pares e Deputados para acompanhar Sua Majestade desde o vestíbulo do palácio das Cortes até à sala da sessão real.
Nesta sala, o porteiro da real câmara dará entrada somente às pessoas que fizerem parte do cortejo real.
Nas tribunas da sala, que lhes forem indicadas pelos porteiros da cana [porteiros com bastões], serão admitidos os membros do corpo diplomático e as demais pessoas que se acharem munidas de bilhetes de admissão.
4.º: A Sua Majestade El-Rei serão feitas as devidas continências militares pela tropa convenientemente postada nas ruas do transito do real cortejo, e pela guarda de honra que deve achar-se, com a respectiva bandeira, à saída do paço da Ajuda e à entrada do palácio das Cortes.
A chegada de Sua Majestade ao palácio das Cortes será anunciada por uma salva de real artilharia das fortalezas e dos navios de guerra nacionais surtos no Tejo.
5.º: Sua Majestade será recebido no vestíbulo do palácio das Cortes, ao som da música da casa real, pela grande deputação das câmaras legislativas, pela corte e por todas as pessoas que têm lugar no cortejo real.
Desde o vestíbulo do palácio até ao salão das Cortes irão em alas as pessoas do cortejo por entre fileiras da guarda real dos archeiros, que ali estará postada.
A frente do préstito será formada dos porteiros da cana e dos demais criados da casa real, que devam concorrer às festividades da corte, seguidos do porteiro da real câmara.
Os grandes do reino na ala direita e a outras personalidades da corte na ala esquerda guardarão entre si as precedências de estilo.
Junto a Sua Majestade El-Rei tomarão à lugar à direita os Dignos Pares do Reino, e à esquerda dos Senhores Deputados da nação portuguesa.
No centro das alas, logo diante de Sua Majestade El-Rei, irá o duque mordomo-mor [na qualidade de mestre de cerimónias] com o marquês estribeiro-mor à direita, e o marquês comandante da guarda real à esquerda.
Em frente destes dignitários tomará lugar o Conselho de Ministros e o Conselho de Estado, precedidos de três oficiais mores da cana, a saber: o conde porteiro-mor no centro, o conde vedor da casa real à direita e o marquês mestre sala à esquerda.
Ao lado e atrás de Sua Majestade El-Rei irão o cardeal capelão-mor, o camareiro-mor, o gentil homem e o ajudante de serviço do mesmo augusto senhor.
6.º: Antes de dar entrada na sala da sessão real, o condestável e os oficiais mores já mencionados tomarão das mãos dos respectivos moços da real câmara as suas insígnias.
7.º: Quando Sua Majestade El-Rei se aproximar do trono, o marquês resposteiro-mor descobrirá a cadeira real. No momento de Sua Majestade El-Rei haver de subido os degraus do trono, o condestável tomará lugar à direita, na extremidade do estrado pequeno, ficando de pé e descoberto e conservando sempre desembainhado e levantado o estoque real.
No degrau superior do estrado grande, à direita do trono, colocar-se-há o mordomo-mor conjuntamente o estribeiro-mor, o comandante da guarda real e o conde camareiro-mor.
À esquerda do trono, no degrau superior do estrado grande tomarão lugar o cardeal capelão-mor, os gentis homens e ajudantes de campo de Sua Majestade El-Rei.
Na extremidade do degrau superior do estrado grande tomará lugar, à parte esquerda, o alferes-mor com a bandeira real desenrolada. Da mesma parte, no segundo degrau, ficarão: o conde porteiro-mor, o marquês mestre-sala, o conde vedor da casa real, o marquês reposteiro-mor e o conde meirinho-mor, com as suas insígnias; colocando-se aos lados do último degrau os grandes do reino, os titulares e os oficiais mores sem exercício especial.
Defronte do trono haverá assentos para o Conselho de Ministros e para o Conselho de Estado.
8.º: Logo que Sua Majestade El-Rei se assentar (sic), tomarão assento em seus respectivos lugares os Dignos Pares do reino, os Senhores Deputados da nação portuguesa, o Conselho de Ministros e o Conselho de Estado.
9.º: Sua Majestade El-Rei, fazendo então a leitura do discurso do trono, declara estar encerrada a presente sessão ordinária das Cortes Gerais da nação portuguesa.
10.º: Finda esta  solenidade, Sua Majestade El-Rei será acompanhado até à porta do palácio das Cortes pela deputação das câmaras legislativas e pelas pessoas do cortejo real, guardando-se a mesma ordem do cerimonial prescrito para o acto de recepção.
Uma salva de artilharia, igual à da entrada, anunciará a saída de Sua Majestade.

Visita de Afonso XIII a Portugal (1903)

Imagem 1: salas do Museu de Artilharia visitado por Afonso XIII na sua deslocação oficial a Lisboa

Imagem 2: o banquete de gala (jantar de gala) oferecido a Afonso XIII no paço da Ajuda. O jantar de gala era e ainda hoje é um dos maiores desafios de uma cerimónia pública que envolva chefes de estado de países amigos. O serviço responsável pela organização tem de garantir a segurança dos convidados e altos dignitários, a correcta distribuição dos lugares, a escolha da ementa e da baixela, o serviço de mesa em conformidade com elevados padrões de qualidade, a conversação social e diplomática segundo regras de etiqueta bastante rígidas e as saudações.

Imagem 3: D. Carlos e D. Amélia no baile de gala oferecido a Afonso XIII de Espanha no paço da Ajuda (10.12.1903). Uso de traje de rigor: grande uniforme militar masculino com luvas brancas e condecorações; vestido comprido, tiara e leque.

Imagem 4: uma das naves da esquadra inglesa fundeada no Tejo que foi visitada pelo rei Afonso XIII

Imagem 5: instalações do Regimento de Caçadores 5 no castelo de S. Jorge, espaço visitado por Afonso XIII

Imagem 6: passagem do cortejo junto ao teatro D. Maria II

Imagem 7: visita de estado do rei Afonso XIII de Espanha a Portugal em 10 de Dezembro de 1903. Recepção solene na estação do Rossio e passagem do cortejo de coches pelas ruas de Lisboa em direcção ao paço real da Ajuda. As carruagens de aparato utilizadas neste cortejo seriam pouco depois seleccionadas pela rainha D. Amélia na constituição do núcleo fundacional do Museu dos Coches.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 6, de 14.12.1903

Cerimonial da sessão real de abertura das Cortes Gerais extraordinárias (de 1862)

Hei por bem aprovar o Programa que, para regular a cerimonial da sessão real da abertura das Cortes Gerais Extraordinárias (Parlamento) da nação portuguesa no dia 4 de Setembro próximo seguinte, baixa assinado pelo Ministro e Secretário de Estado nos Negócios do Reino [Ministério da Administração Interna]. Paços de Mafra, em 28 de Agosto de 1862. Rei. Anselmo José Braamcamp. In: Diário de Lisboa, n.º 195, ano 1862, sábado, 30 de agosto.

“Por ordem superior se anuncia que, sendo expressamente proibida a entrada no palácio das Cortes, no dia 4 do próximo futuro mês de Setembro, a quem não se apresentar munido de bilhete de admissão, devem as pessoas que pretenderem assistir à sessão real do referido dia dirigir-se ao exmo. duque mordomo-mor a fim de obterem o competente bilhete".

PROGRAMA
1.º: A sessão real para o acto de abertura da sessão extraordinária das Cortes Gerais da nação portuguesa terá lugar a 4 de Setembro, às cinco horas da tarde, no palácio das Cortes, reunidas ambas as câmaras legislativas na sala das sessões dos Senhores Deputados, sob a direcção do Presidente da câmara dos Dignos Pares do Reino.
Sua Majestade El-Rei [D. Luís I], acompanhado da corte, tenciona assistir a esta solenidade.
As pessoas da corte são prevenidas por este programa para concorrerem ao cortejo real.
2.º: Se acaso Sua Majestade, a Imperatriz do Brasil, viúva, duquesa de Bragança, ou alguma das outras pessoas reais forem presenciar da tribuna real a festividade de abertura das Cortes Gerais, o duque mordomo-mor tomará as disposições necessárias para a devida recepção de tão augustas personagens.
3.º: Os Dignos Pares do Reino e [os] Senhores Deputados da nação portuguesa são por este programa convocados para assistirem à missa solene do Espírito Santo, que há-de celebrar-se a 4 do referido mês de Setembro, às dez horas da manhã na Sé Patriarcal, actualmente colocada no templo do extinto convento de S. Vicente de Fora, e para se reunirem depois pelas cinco horas da tarde no palácio das Cortes [palácio de S. Bento].
4.º: Na sala da sessão real, convenientemente adereçada, os representantes da nação, em trajo acomodado a este acto solene, tomarão lugar, sem precedências, a um e outro lado do trono, ficando os Dignos Pares do Reino à direita, e os Senhores Deputados da nação portuguesa à esquerda. O Presidente da câmara hereditária [câmara dos Pares], colocado no estrado grande abaixo do último degrau do trono, nomeará uma grande deputação de Pares e Deputados para acompanhar Sua Majestade desde o vestíbulo do palácio das Cortes até à sala da sessão real.
Nesta sala, o porteiro da real câmara dará entrada somente às pessoas que fizerem parte do cortejo real.
Nas tribunas da sala, que lhes forem indicadas pelos porteiros da cana [porteiros com bastões], serão admitidos os membros do corpo diplomático e as demais pessoas que se acharem munidas de bilhetes de admissão.
5.º: A Sua Majestade El-Rei serão feitas as devidas continências militares pela tropa convenientemente postada nas ruas do transito do real cortejo, e pela guarda de honra que deve achar-se, com a respectiva bandeira, à saída do paço da Ajuda e à entrada do palácio das Cortes.
A chegada de Sua Majestade ao palácio das Cortes será anunciada por uma salva de real artilharia das fortalezas e dos navios de guerra nacionais surtos no Tejo.
6.º: Sua Majestade será recebido no vestíbulo do palácio das Cortes, ao som da música da casa real, pela grande deputação das câmaras legislativas, pela corte e por todas as pessoas que têm lugar no cortejo real.
Desde o vestíbulo do palácio até ao salão das Cortes irão em alas as pessoas do cortejo por entre fileiras da guarda real dos archeiros, que ali estará postada.
A frente do préstito será formada dos porteiros da cana e dos demais criados da casa real, que devam concorrer às festividades da corte, seguidos do porteiro da real câmara.
Os grandes do reino na ala direita e a outras personalidades da corte na ala esquerda guardarão entre si as precedências de estilo.
Junto a Sua Majestade El-Rei tomarão à lugar à direita os Dignos Pares do Reino, e à esquerda dos Senhores Deputados da nação portuguesa.
No centro das alas, logo diante de Sua Majestade El-Rei, irá o duque mordomo-mor com o marquês estribeiro-mor à direita, e o marquês comandante da guarda real à esquerda.
Em frente destes dignitários tomará lugar o Conselho de Ministros e o Conselho de Estado, precedidos de três oficiais mores da cana, a saber: o conde porteiro-mor no centro, o conde vedor da casa real à direita e o marquês mestre sala à esquerda.
Ao lado e atrás de Sua Majestade El-Rei irão o camareiro-mor, o gentil homem e o ajudante de serviço do mesmo augusto senhor.
7.º: Antes de dar entrada na sala da sessão real, o condestável e os oficiais mores já mencionados tomarão das mãos dos respectivos moços da real câmara as suas insígnias.
8.º: Quando Sua Majestade El-Rei se aproximar do trono, o marquês resposteiro-mor descobrirá a cadeira real. No momento de Sua Majestade El-Rei haver de subido os degraus do trono, o condestável tomará lugar à direita, na extremidade do estrado pequeno, ficando de pé e descoberto e conservando sempre desembainhado e levantado o estoque real.
No degrau superior do estrado grande, à direita do trono, colocar-se-há o mordomo-mor conjuntamente o estribeiro-mor, o comandante da guarda real e o conde camareiro-mor.
À esquerda do trono, no degrau superior do estrado grande tomarão lugar os gentis homens e ajudantes de campo de sua majestade.
Na extremidade do degrau superior do estrado grande tomará lugar, à parte esquerda, o alferes-mor com a bandeira real desenrolada. Da mesma parte, no segundo degrau, ficarão: o conde porteiro-mor, o marquês mestre-sala [mestre de cerimónias da casa real], o conde vedor da casa real, o marquês reposteiro-mor e o conde meirinho-mor, com as suas insígnias; colocando-se aos lados do último degrau os grandes do reino, os titulares e os oficiais mores sem exercício especial.
Defronte do trono haverá assentos para o Conselho de Ministros e para o Conselho de Estado.
9.º: Logo que Sua Majestade El-Rei se assentar (sic), tomarão assento em seus respectivos lugares os Dignos Pares do reino, os Senhores Deputados da nação portuguesa, o Conselho de Ministros e o Conselho de Estado.
10.º: Sua Majestade El-Rei, fazendo então a leitura do discurso do trono, declara estar aberta a presente sessão extraordinária das Cortes Gerais da nação portuguesa.
11.º: Finda a solenidade, Sua Majestade El-Rei será acompanhado até à porta do palácio das Cortes pela deputação das câmaras legislativas e pelas pessoas do cortejo real, guardando-se a mesma ordem do cerimonial prescrito para o acto de recepção.
Uma salva de artilharia, igual à da entrada, anunciará a saída de Sua Majestade.

Fontes para o estudo do cerimonial público oitocentista

Retomamos hoje a publicação de fontes do cerimonial público português oitocentista, orientação que tinha feito parte da linha editorial inicial deste blogue.

O cerimonial público português do período da Monarquia Constitucional passava por uma criteriosa estratégia de elaboração e publicação periódica de programas. O serviço de cerimonial estava concentrado na casa civil e militar do monarca reinante, cabendo a sua reprodução e actualização a especialistas como o mestre-sala (mestre de cerimónias), auxiliado por oficiais da corte como o mordomo-mor. Os programas, elaborados de acordo com os antigos estilos portugueses e fontes comparadas de outros países (particularmente França - a mãe da etiqueta - e a Grã-Bretanha) eram sempre submetidos à apreciação e aprovação do monarca reinante e/ou regente.
A garantia plena da sua publicidade e observância era dada pelo Ministério do Reino (actual Ministério da Administração Interna), que articulava as políticas de execução com as forças militares convocadas e a casa civil e militar do monarca.
A preparação e gestão de cada cerimónia era partilhada entre o mordomo-mor (coordenação), chefe da guarda real (forças de segurança, cerimonial militar), o arauto, os passavantes e os reis de armas (pregões, falas rituais em voz alta), o alferes-mor (estandarte real), o mestre-sala (actos cerimonialísticos em sala) e os porteiros da cana (actos cerimonialísticos no parlamento, no Terreiro do Paço, ruas e praças).
Só na 1.ª República (1910-1926) é que a gestão dos actos protocolares públicos é concentrada no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e numa fase mais adiantada da vida da República, uma vez que os primeiros anos do novo regime político foram garantidos por um chefe de protocolo que a partir de 1911 assessorava o Presidente Manuel de Arriaga no palácio de Belém. Os oficiais maiores da corte ocupavam lugar de destaque nos cortejos reais e nas sessões solenes em sala, posicionando-se sempre na proximidade do monarca.
Os programas escritos identificavam a cerimónia, os actores envolvidos, o papel a desempenhar por cada agente, o cronograma e a sequência espácio-temporal dos actos, as precedências, a distribuição das tribunas, o posicionamente exacto de cada agente, as formas de tratamento e o tipo de indumentária autorizada.
Ao longo do século XIX o corpus cerimonialístico monárquico manteve no essencial os estilos da corte herdados do renascimento e do antigo regime, tendo incorporado os aportamentos do liberalismo constitucional. O programa que rege cada cerimónia específica é estável, sem ser estático, repetindo fórmulas ao longo de décadas e acrescentando novidades. Há pormenores que se vão perdendo. Temos nomes de funcionários auxiliares do cerimonial que deixam de figurar no articulado dos programas. A charamela ("música da casa real"), cada vez menos presente nos cortejos e nem sempre expressamente referida nas deslocações dos monarcas ao parlamento, à Sé de Lisboa e à igreja de S. Domingos. Dois dos programas mais estáveis respeitam à abertura solene anual das cortes em janeiro (parlamento) e ao juramento constitucional e aclamação dos novos monarcas. Uma solenidade medieval que se perde com a morte de D. Pedro V (1861) é a cerimónia municipal da quebra dos escudos reais. O juramento constitucional em cortes é novo, a aclamação é um ritual português medieval. Uma outra cerimónia de grande impacto público, emocional e visual era o beija mão real abolido por D. Pedro V na década de 1850.
Concebido para salas, templos e espaços públicos criteriosamente preparados, o programa elaborado para cada uma das cerimónias era concebido como uma festa repleta de cores e sons. O cerimonial integrava elementos da festa pública renascentista e da festa barroca, confirmando a dimensão dramática/teatrocrática do poder: cortejos marítimos e terrestes de entrada, recepções, juramentos, aclamações, aberturas, encerramentos, paradas militares, salvas de artilharia no mar e em terra, revista naval, espectáculos de fogo de artifício, récita de gala, sarau, banquete de gala, baile de gala, eventual tourada com cortesias à antiga portuguesa ou serenata.
Por exemplo, nas festas de acolhimento do Rei de Espanha em Lisboa, Afonso XIII (10 de Dezembro de 1903), a casa real promoveu os seguintes momentos:

-recepção na estação ferroviária do Rossio;
-cortejo de grande gala em coches de Estado pelas ruas de Lisboa;
-banquete de gala no paço da Ajuda;
-baile de gala;
-visita ao Museu de Artilharia (Museu Militar);
-visita ao Regimento de Caçadores 5, no Castelo de S. Jorge;
-visita à esquadra inglesa fundeada no Tejo;
-visita oficial aos paços do concelho de Lisboa;
-espectáculo nocturno de fogo de artífico na Av. da Liberdade;
-missa solene no mosteiro dos Jerónimos;
-caçada na tapada do paço de Vila Viçosa;
-embarque de despedida no cais das colunas (Terreiro do Paço).

Descodificando o conteúdo dos programas, não existia fronteira definida entre cerimonial religioso católico (a religião católica romana era a religião oficial do Estado), cerimonial militar (o rei era o comandante supremo das forças armadas), cerimonial público monárquico e vida privada dos elementos da casa real.
Os noivados, casamentos, gestações de primogénitos, baptizados, estado de saúde e morte eram momentos da vida dos casais reais expostos à curiosidade pública e propositadamente partilhados através da sua inclusão no calendário anual da corte.
Conheci na década de 1970 uma mulher idosa da minha aldeia que recordava com grande densidade o luto oficial usado por morte do rei D. Carlos e do príncipe D. Luís Filipe (os sinos das igrejas locais dobravam a finados pelos reis, imperadores e papas). Este tipo de exposição mediática e festiva da vida privada, condenada pelos regimes republicanos mais austeros, seria retomada pelos presidentes dos USA, tendo atingido o auge no período Kennedy, quando o casal Kennedy/Jacqueline praticou um estilo de vida decalcado no star system de Hollywood. Modernamente assiste-se ao mesmo tipo de confusão com o primeiro ministro de Itália, Sílvio Berlusconi, e com o casal presidencial francês (Sarkozi, político de carreira, e uma mediática ex-manequim). Outro exemplo mediático, mesclando aristocracia e figuras do jetset é protagonizado pelos Grimaldi do Mónaco desde finais da década de 1950.
A comunicabilidade do cerimonial público monárquico prendia-se com a sua efectiva eficácia, eficiência e qualidade, na medida em que através de dispositivos de cores (arcos de verdura, tapetes de flores, pendões, colchas nas janelas), cheiros (pólvora das salvas, cheiros das ervas e flores usadas nos arcos, festões e tapetes), sons (sinos, charangas, salvas, foguetes), falas rituais, combinação de contributos monárquicos, religiosos, militares, conseguia envolver a comunidade e inscrever-se profundamente no território dos afectos.
Um exemplo: ao contrário da investidura do presidente da República, que apenas é festejada em Lisboa e transmitida ao resto do país pela televisão, o ritual de aclamação dos monarcas envolvia todas as comunidades provinciais e locais na medida em que cada câmara municipal estava obrigada a realizar uma cerimónia de aclamação e festividades apropriadas.
Nos programas recolhidos, o mestre de cerimónias desempenha um papel nuclear, mas simultaneamente muito discreto. Dirige e coordena cada uma das cerimónias, marca o ritmo com as pancadas do seu bastão de autoridade ("cana") e cortesias (reverências), mas não narra os momentos da cerimónia. Ou seja, não actua como um apresentador de um espectáculo ou de uma emissão televisiva que é na actualidade a fórmula mais conhecida de apresentação de eventos.
No Brasil há uma importante discussão sobre a identidade/atributos do mestre de cerimónias e do apresentador de eventos. Um conhecedor do ofício, Marcílio Lins Reinaux, embora atribua ao mestre de cerimónias uma função narrativa (enunciador das falas que ligam os diversos momentos de uma cerimónia ou de um evento), distingue vigorosamente o ofício do mestre de cerimónias do papel desempenhado pelo(a) apresentador(a). Para Reinaux, o apresentador é um profissional de teatro ou de televisão, um actor-comediante ou uma figura da moda que apresenta um espectáculo ou evento mesmo sem dominar a arte. O exemplo máximo é dado pelas galas anuais dos Oscares, cujos apresentadores podem ser actores, manequins, jornalistas ou figuras mediáticas do momento sem quaisquer qualificações profissionais. Os atributos requeridos são ter boa figura e ser conhecido na televisão, na moda, no cinema, no desporto de alta competição e nas revistas de jetset.
Confirmando a interpretação de Reinaux, o mestre de cerimónias tinha aspectos em comum com o ponto do teatro mas não com o animador/apresentador televisivo que numa festa pode rir, fazer gestos e poses com os dedos e pernas, piscar o olho, dizer graçolas, efectuar várias mudas de roupa, atitudes que conferem aos actos uma escorregadia ambivalência entre formal/informal, gala/evento simples, chic/vulgar.
Em sociedades crescentemente globalizadas e influenciadas pelos estilos de vida da moda, é muito frequente vermos apresentadoras de programas e galas que se vestem e movimentam no palco como manequins de alta costura, inclusivé replicando a clássica pose de passerela do deitar a mão na cintura. De acordo com os padrões clássicos de etiqueta, por as mãos na cintura é um gesto grosseiro e agressivo conotado com peixeiras e regateiras, pelo que seria suprema desonra e descrédito ver-se tal gesto num mestre de cerimónias. Na ausência de outros referentes, a passarela impõe-se como irresistível polo de fascínio, hiperbolizada pelo estilo de vida das estrelas do momento.
No caso do Brasil, não podemos sinalizar com segurança um momento alfa que marque a convergência entre os estilos do mestre de cerimónias e o modus faciendi do apresentador de espectáculos/locutor de rádio e televisão. Podemos admitir que a situação tenha sido exponenciada após o fim do Império. No caso das universidades, o manual do «Cerimonial» editado pela Universidade de São Paulo em 1940 tornou-se num documento fundador no contexto lusófono. O capítulo V deste documento refere expressamente a figura do chefe de cerimonial como organizador e coordenador dos actos protocolares. Contudo, o referido manual não estipula que o chefe de cerimonial, ou um porta voz sob a sua orientação, fique responsável pela introdução, locução dos interlúdios e encerramento, modelo actualmente prodominante que foi estudado por Renata Silva (2007).
A questão que temos forçosamente de colocar-nos é onde entronca este paradigma comunicacional que convoca os atributos do apresentador/locutor? A televisão é demasiado recente nos cenários mediáticos ocidentais. Ela implanta as suas redes de cobertura nacional no Brasil em 18.9.1950, e em Portugal a 7.3.1957. Se a televisão que hoje constitui paradigma em termos de concepção e gestão de actos protocolares não é a instituição alfa, então onde foi a televisão buscar as suas referências?
A resposta a esta questão contém, a meu ver, a chave do mistério. Antes da televisão há a rádio, lançada no Brasil em 1923 e em Portugal no ano de 1935. Nas décadas de 1920-1930 a rádio cria a figura nuclear do locutor de continuidade, um profissional com boa voz (não necessariamente um jornalista) que na abertura da emissão diária saúda os ouvintes, anuncia a grelha da programação, informa sobre os próximos programas, apresenta os convidados em estúdio, insere entre os diversos momentos da programação contextualizações-síntese, profere agradecimentos e no final de cada emissão agradece a atenção do público e faz as despedidas. As aberturas e encerramentos de emissão eram bastante cerimoniosas, convocando em certos países a visualização da bandeira nacional e a audição do hino nacional. Penso que todos reconhecemos sem esforço no trabalho prestado pelo locutor radiofónico as bases de um modelo que mais tarde se generaliza na televisão e nos mais variados actos protocolares.
Recuemos um pouco mais no tempo. Antes da rádio há o teatro com o ponto que abre o espectáculo, saúda o público, liga as várias cenas, anuncia os intervalos,  as retomas e o encerramento. Há as reverências dos actores ao seu público, os aplausos e as pateadas. Há também os estilos do sarau de corte, que a pouco e pouco se democratiza, com momentos de teatro, declamação, canto, metendo um apresentador que em nome do dono da casa saúda o público, anuncia o início, sequências, autores, actores, músicos, compositores, encerramento.
Há ainda outro fenómeno artístico considerado fascinante e irresistível, o espectáculo de circo difundido desde o século XVIII na Grã-Bretanha. Ao longo do século XIX constroem-se circos e teatros-circos nas principais cidades e companhias ambulantes percorrem a Europa e a América. O circo apropria-se das entradas régias e utiliza o mesmo esquema festivo para anunciar ruidosamente as entradas das companhias numa determinada localidade em cortejo de viaturas, animais e actores. Eis-nos chegados a um ponto crucial nesta discussão: como é que o director de uma companhia de circo do século XIX apresentava o seu espectáculo, repetindo o discurso ao longo das várias noites de uma temporada? A hora de início de cada espectáculo era anunciada nas ruas por grupos de músicos e de actores que se podiam fazer acompanhar de palhaços e animais amestrados (tradicional função de arauto ou pregoeiro). O apresentador estava vestido com um uniforme ornamentado com brilhantes, a sua entrada na arena e falas eram marcadas por apontamentos musicais interpretados por uma banda que animava todo o especáculo. O apresentador cumprimentava o público, prestava informação sobre o historial da companhia e anunciava os pontos fortes do espectáculo. Cada exibição de um novo número era sublinhada pela fala do apresentador e pelos aplausos e exclamações do público. A presença do apresentador e o grau de suspense que se pretendia conferir ao espectáculo eram animadas por uma música ambiente previamente ensaiada (na tourada ibérica, as principais sequências também são reforçadas por toques musicais). Os sucessivos quadros de palhaços, malabaristas, ilusionistas, acrobatas, equilibristas, domadores, cuspidores de fogo, engolidores de espadas e exibição de anões, gigantes, obesos, implicavam a fala do apresentador, que podia cirandar, rir, dizer piadas ou fingir amnésia com o fim de por o público a "recordar-lhe" nomes e atracções, gesticular para pedir reforço de aplausos, colocar a mão no ouvido fingindo que estava a ouvir mal. Os especáculos encerravam com palavras de agradecimento e convite a futuros reencontros.
Quanto a mim radica nos espectáculos de circo do século XIX o actual modelo predonimante de apresentação de eventos mediáticos. Pelo meio há condimentos do modus faciendi das casas de teatro, mais tarde apropriados pela rádio (décadas de 1920-1930) e pela televisão (década de 1950), a que se hão-de juntar na fase de privatização das televisões o código de apresentação dos troféus e prémios a actores de cinema, cantores e futebolistas (galas de óscars, globos, bota de ouro, etc.).
Nos nossos dias são raras e difíceis de encontrar instituições que mantiveram os mestres de cerimónias de perfil clássico. Podemos citar a Universidade de Salamanca e a Universidade de Coimbra. Nas catedrais anglicanas, o cerimonial é regido com grande rigor e prestígio pelos vergers. Nas catedrais católicas, a figura do mestre de cerimónias praticamente desapareceu após as reformas implementadas pelo Vaticano II nos anos do pontificado de Paulo VI. Nos tribunais portugueses e brasileiros, a função era desempenhada pelo oficial de diligências, estando inteiramente olvidada. Em Portugal são os juizes que actualmente dizem as falas, o que era impensável até há cem anos atrás. No Brasil, os tribunais superiores têm vindo a contratar cerimonialistas para os gabinetes presidenciais, cabendo a estes profissionais garantir a apresentação e articulação dos actos.
Noutro registo, podemos referenciar as festas do Divino Espírito Santo realizadas no arquipélago dos Açores que mantiveram no domínio do património imaterial o essencial do cerimonial imperial e monárquico com raízes medievais. Quem conheceu de perto aquelas festividades populares, percebe imediatamente o conteúdo e a linguagem inscrita no corpus cerimonialístico de oitocentos. Havia ali de tudo, desde a folia com os cantos rituais de ligação entre cada acto, o alferes da bandeira, o mestre sala, o vedor e um irmão que tinha como função reger os cortejos com uma vara alta. Na Ilha Terceira havia quem lhe chamasse "vara de enxota porcos", coisa bem vista, pois ao mestre de cerimónias também competia garantir caminho desimpedido.
Os manuais e guias publicados no século XX referenciam em linguagem implícita ou explícita paradigmas considerados como grandes referências da arte cerimonialística e do comportamento sócio-institucional regido por elevados padrões de excelência. Esses referenciais existem efectivamente. São configurados pelos programas elaborados, publicados e actualizados no Ocidente até à Grande Guerra de 1914-1918. A estrutura espacio-temporal e narrativa dos actos públicos assemelhava-se a uma peça de teatro. Actos que eram autos, isto é, dramatizações públicas. O pregoeiro ou arauto, mantido na estrutura cerimonialística portuguesa até ao ocaso do século XIX, tinha muito em comum com o ponto. Daí que os programas que compõem o corpus cerimonialístico possam ser facilmente reconstituíveis por grupos de teatro. Na cultura popular ainda se representam anualmente alguns destes autos em Portugal, no Brasil e em Espanha, exemplificados pelos enterros do bacalhau, enterro da sardinha, queimas dos judas, serrações da velha. É também esta a origem mais remota da queima das fitas dos estudantes da Universidade de Coimbra e do enterro da gata dos estudantes da Universidade do Minho.
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Letícia Conceição Martins - A política de pop stars. São Luís, 28 a 30 de agosto 2007, disponível em http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIII/html/Trabalhos/EixoTematicoE/4d176a60b4f7f2fc4417telicia%20Marins%Cardoso.pdf.
CUNHA, D. Helder de Mendonça e - Regras do cerimonial português. Lisboa: Livraria Bertrand, 1976.
GRINÉ, Euclides dos Santos - A construção da imagem pública do rei e da família real em tempo de luto (1649-1709). Coimbra: Universidade de Coimbra/Faculdade de Letras, 1997.
História do rádio no Brasil, http://www.abert.org.br/site/images/stories/pdf/AHistoriadoRadionoBrasiVERSaO%2020112.pdf;
O sagrado e o profano. Do rito religioso ao espetáculo midiático. São Paulo, 2007, http://www.pluricom.com.br/forum/o-sagrado-e-profano-do-rito-religioso-ao/.
REINAUX, Marcílio Lins - O mestre de cerimónias. 2.ª edição. Recife: COMUNIGRAF Editora, 2005.
SILVA, Renata Almeida de Souza Aranha e - O discurso do mestre de cerimónias. Perspectiva dialógica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007. Disponível em http://www.pucsp.br/pos/lael/inf/teses/renata_almeida_souza.pdf.
AMNunes

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Imagem 1: a rainha D. Amélia visita as crianças internadas no Sanatório de Carcavelos e distribui brinquedos (22.10.1903). Ontem como hoje, a imagem da rainha reinante ou da rainha consorte passava obrigatoriamente pela prática de actos públicos caritativos. Na segunda metade do século XIX algumas rainhas portuguesas distinguiram-se na tomada de importantes medidas de apoio à criação de instituições hospitalares infantis. No presente, princesas e esposas de presidentes de repúblicas continuam a visitar hospitais e orfanatos. Estas visitas faziam parte dos calendários anuais do cerimonial oficial.

Imagem 2: D. Carlos e D. Amélia na saída das exéquias realizadas por alma do rei D. Luís I em 19.10.1903. Imagem do catafalco armado no interior do templo (parece estar em cima do ataúde um capecete militar e não a coroa real). O corpo de archeiros da casa real faz escolta de honra e avança com as alabardas derreadas e as cabeças descobertas em sinal de luto. A rainha veste de luto pesado.
No período da monarquia, as cerimónias fúnebres (funerais de estado, exéquias solenes) integravam o calendário anual do cerimonial público. Os actos realizados no interior dos templos e os cortejos na via pública mantinham ainda traços de dramatização herdados dos séculos XVI-XVII e dos anos áureos de encenação da morte barroca. Por outro lado, não havia uma separação clara entre o cerimonial religioso católico, fortemente conotado com a organização tridentina da Igreja Católica Romana, e o cerimonial monárquico que embora mantendo heranças do período do absolutismo viera progressivamente a aburguesar-se no curso de oitocentos.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 1, de 9.11.1903

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Retratos a óleo de antigos provedores da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro com balandraus pretos forrados de roxo (?), vara alta e condecorações.
Fonte: Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, http://www.almacarioca.com.br/

Procissão da rainha Santa Isabel, baixa de Coimbra, julho de 1915: um lente da Universidade em hábito talar e borla e capelo, testemunho de que o traje e a insígnias se mantiveram mesmo que confinados a espaços muito restritos nos anos que se seguiram à implantação da República. Entre o século XVII e 1910 foi costume luzidio o reitor, o corpo catedrático, os funcionários e os estudantes integrarem a procissão da Rainha Santa. Cada vez mais raro e difícil de ver, na actualidade ainda é possível encontrar meia dúzia de lentes e de estudantes que vão à rainha Santa em hábito talar. Na década de 1980 a Confraria da Rainha Santa costumava pedir com antecedência a colaboração de meia dúzia de estudantes de capa e batina para fazerem turnos nas varas do pálio. Não sei se ainda costumam ir. Sei que a subida de Santa Clara nos rigores do verão de Coimbra era percurso árduo. Enfim, nada que se comparasse com o sacrifício dos marchantes que levavam o andor da rainha Santa, cujo peso era lendário. Dizia-se que só em baterias de iluminação eram centos de quilos.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 491, de 19.7.1915

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Imagem e identidade na Academia das Ciências de Portugal


A instituição: a Academia das Ciências de Portugal foi um organismo fundado em 16 de Abril de 1907 por Teófilo Braga e António Cabreira. O seu primeiro Regulamento foi publicado no Diário do Governo de 28 de Janeiro de 1911 pela Direcção Geral da Instrução Secundária Superior e Especial do Ministério do Interior, com assinatura de J. M. de Queirós Veloso. Não possuímos elementos sobre a data de extinção.
A ACP adoptava uma estrutura organizativa e uma identidade idênticas às demais academias de artes, letras e ciências ocidentais oriundas dos séculos XVII-XVIII.

Instrumentos comunicacionais
As formas comunicacionais privilegiadas eram as sessões solenes, a publicação de memórias e estudos, a cerimónia anual de abertura do ano académico, o conferimento de prémios a autores e sócios distintos, a organização de missões científicas e a realização de congressos.

Principais momentos rituais do calendário institucional
-escrutínio secreto de vogais, correspondentes e oficiais
-cerimónia solene de investidura de novos membros, com compromisso de honra
-sessão solene de abertura do ano académico em Novembro, com a seguinte estrutura: leitura do relatório de actividades; elogio dos académicos falecidos; balanço dos contributos do pensamento/investigação; entrega de prémios; concessão de recompensas
-sessões ordinárias de trabalho das classes e secções
-constituição da mesa da direcção
-representações externas
-recepção de visitantes
-instituição e distribuição dos prémios monetários
-elaboração, validação e entregar diplomas de honra.

 Património simbólico

Emblema: referido no artigo 97.º, seria elaborado pela 6.ª sub-secção de Sociologia. Não foi desenhado nem descrito no texto.
Bandeira: bandeira com as cores nacionais (verde e vermelho), tendo ao centro o emblema da ACP

Insígnias: medalha circular em ouro para académicos; medalha em prata para os oficiais. A usar suspensas de fita de seda com as cores nacionais. Anverso com o emblema da ACP. Reverso com o nome da ACP e a data “16 de Abril de 1907”.
Uniforme de académico: grande uniforme masculino em tecido de lã azul escura composto por:

-casaca de abas, bordada a fio de ouro com palmas no colarinho, cintura e canhões de mangas; botões dourados com as armas nacionais;
-colete de casimira branca com botões dourados e gravados;
-calça comprida azul escura, com as costuras exteriores agaloadas a ouro;
-chapéu armado (bicórnico) de pasta preta, tope nacional, presilhas e borlas em ouro, emplumado de branco;
-florete de corpos e guarnições douradas, em telim de seda com as cores nacionais.

O último dia de prestação de provas públicas na Politécnica/Faculdade de Ciências da ULisboa
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 267, de 3.4.1911

Mediática cobertura do concurso da Escola Politécnica de Lisboa. Os diversos candidatos, Afonso Costa e o seu inseparável amigo e admirador António Macieira dirigem-se à secretaria para levantar os pontos tirados à sorte.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 266, de 27.3.1911

Afonso Costa presta provas púbicas na Academia Politécnica de Lisboa para uma vaga  na cadeira de economia política. Aspecto do auditório, Março de 1911. A 22 de Março sairia no Diário do Governo o diploma que declarava criadas as universidades de Lisboa e do Porto, nelas incorporando as antigas escolas técnicas e convertendo-as em faculdades. Afonso Costa, que pertencia ao quadro da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, passa a integrar a Faculdade de Ciências da ULisboa (ex-Politécnica) em 1911, e em 1913 transita para a recém-criada faculdade de Direito. A arguição ante o júri funcinou, neste caso, como um acto meramente administrativo civil destituído de quaisquer solenidades.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 266, de 27.3.1911

VI Jornadas Internacionais de Protocolo da APEP

A APEP, liderada por Isabel Amaral, realiza no próximo dia 22.11.2011, em Lisboa, as VI Jornadas Internacionais de Protocolo subordinadas ao lema "O protocolo em tempos de crise".
Momento charneira da reflexão sobre as mutações e desafios no âmbito da imagem e comunicação corporativa das instituições públicas e privadas, estas jornadas proporcionam uma oferta alargada de temas (palestras), painéis de reflexão e oradores credenciados.
Em destaque temas como "A importância do protocolo no mundo actual" (Isabel Amaral), "O protocolo europeu após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa (Pedro Cymbron) e "O protocolo como afirmação da democracia" (Manuel Corte-Real). Não são esquecidas as novas tecnologias e em particular "O papel das redes sociais como instrumento para potenciar eventos" (Ricardo Mena). Um dos painéis é exclusivamente dedicado à "Evolução do ensino profissional e superior de protocolo", com moderação de Isabel Névoa. As intervenções dos especialistas Maria Teresa Otero e Carlos Fuentes prometem momentos de grande densidade.

FERNÁNDEZ, Fernando Ramos - El protocolo universitário. Historia, tradiciones y prátctica actual de ceremonial en la universidade española. Vigo: Universidad de Vigo/Consello Social, 2007, 253 pp.

Do autor: Fernando Ramos Fernández (Lugo, 1948) é licenciado em jornalismo pela Universidade Complutense e doutor em Direito pela mesma instituição. É professor do quadro da Universidade de Vigo. É um dos mais reputados especialistas ibéricos em protocolo académico, tendo leccionado cursos e promovido palestras sobre a temática em Espanha, Portugal e países da América Latina. Publicou vários artigos e estudos sobre a matéria. Assessor da Organização Internacional de Cerimonial e Protocolo, em 2006 redigiu o texto espanhol do Código Deontológico da OICP para os profissionais de protocolo.
Do livro: a monografia assinada pelo Prof. Ramos está organizada em seis capítulos, comportando ainda um generoso e muito útil anexo documental. O autor analisa os principais actos cerimonialísticos e eventos comummente organizados pelas universidades espanholas, facultando vasta informação comparada sobre as respectivas semelhanças e diferenças. Insere informação sobre imagem institucional e identidade, nomeadamente vestes profissionais, insígnias, símbolos, heráldica e cores científicas. Não foge a abordar questões melindrosas como precedências, a relação institucional das reitorias com os presidentes das regiões autónomas, a moda da graduation ceremony (que condena) e o crescente fenómeno de diferenciação cerimonialística que se acentua em Espanha após 150 anos de gestão uniformizadora.
O manual é escrito em linguagem acessível, predominando o tom pedagógico inerente ao saber fazer e ao esclarecer dúvidas, sempre com a Complutense erigida em paradigma. O texto publicado em 2007 resulta de um aprimoramento de trabalhos esboçados ao longo da primeira década do século XXI, nomeadamente a célebre conferência inaugural (História del protocolo universitario) que proferiu em 5 de outubro de 2004 na Universidad de Carabobo (Venezuela), na abertura do I Congresso Internacional de Protocolo Universitario.
Aproveito para felicitar o autor e agradecer-lhe a oferta de um exemplar da obra.

domingo, 30 de outubro de 2011

Digressão da Tuna Académica da Universidade de Coimbra ao Alentejo e Algarve no carnaval de 1912. Fotografia promocional dos tunos no pórtico da capela da Universidade e retrato do regente, o padre Manuel Rodrigues, que além de estudar e reger foi um reconhecido tocador de guitarra a solo e acompanhador de serenateiros.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 314, de 26.2.1912

Novas tendências, novas sensibilidades: a emergência das universidades livres e populares em Lisboa, Porto e Coimbra. O ambiente demoliberal republicano possibilita e legitima a produção e transmissão de saberes não tutelados pelas escolas superiores. É o caso da Universidade Livre de Lisboa onde chão chamados a proferir palestras e cursos livres diversos experts e oradores, num registo que actualiza o espírito de curiosidade e discussão das academias e salões do iluminismo.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 314, de 26.2.1912

(I) O carnaval dos estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. 1912

(II) Dramatização carnavalesca e cortejo alegórico dos estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Fevereiro de 1912. Uma "tradição" implementada pela Escola Politécnica desde a década de 1890, cujo modelo serão as festividades carnavalescas fortemente implantadas nas universidades e escolas politécnicas francesas (baile de máscaras, corso de fantasia com figurantes e viaturas). Este tipo de festa também foi praticada durante alguns anos na Academia Politécnica do Porto/Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 314, de 26.2.1912

Visita do Ministro do Interior António José de Almeida (titular dos negócios da instrução pública que então corriam na Administração Interna) ao Porto, tendo visitado a Academia de Belas Artes e a Escola Politécnica. Estudantes com indumentária civil e militar (os alunos militares da Politécnica com farda, capote e tachinho).
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 248, de 21.11.1910

Uma revolução na Universidade [de Coimbra]

(I) A chegada de António José de Almeida e Manuel de Arriaga a Coimbra no dia 19 de Outubro de 1910

(II) O vestiário dos lentes

(III) Aspecto do vestiário dos lentes de Direito e Teologia após a passagem da Falange Demagógica

(IV) Posse do novo reitor Manuel de Arriaga em 19.10.1910

(V) A visita de António José de Almeida à UC em 19.10.1910

(VI) Com o título "Uma revolução na Universidade", a revista Ilustração Portuguesa, n.º 245, de 31.10.1910 publica uma fotoreportagem sobre a invasão e vandalização do Paço das Escolas da Universidade de Coimbra por membros de um grupo radical composto por estudantes civis e militares, a Falange Demagógica. A reportagem mostra o estado em que ficou a Universidade no dia 17 de Outubro e como a viram o Ministro do Interior António José de Almeida e o novo Reitor Manuel de Arriaga à sua chegada em 19 de Outubro. Arriaga é empossado no meio dos escombros da sala dos actos grandes, num acto meramente civil, que pretendeu marcar o início de uma nova época.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 245, de 31.10.1910


Poucos dias após a proclamação da República, o advogado e professor de inglês Manuel de Arriaga é convidado pelo Ministro do Interior, António José de Almeida, a assumir a reitoria da Universidade de Coimbra. Antes de partir para Coimbra, onde chega a 19 de Outubro de 1910, Arriaga fora empossado por Afonso Costa no salão nobre do STJ como o primeiro titular do cargo de Procurador Geral da República. Ao contrário das novas universidades criadas em Lisboa e no Porto em 1911, a quem o governo deixou margem de liberdade para votar e escolher os primeiros reitores, a UCoimbra ficou sujeita a um clima de suspeição e vigilância, o que implicou ao longo dos anos uma acentuda tendência para a nomeação de reitores da confiança do governo central e uma política de "policiamento" protagonizada pelos governadores civis de Coimbra. Arriaga vinha cheio de projectos e entre Outubro de 1910 e Fevereiro de 1911 consegui debelar a violência juvenil que irrompera na universidade, lançou as primeiras reformas de fundo que abriram as portas ao modelo de universidade republicana e apoiou medidas orientadas para projectos de apoio ao associativismo, desporto e actividades culturais dos estudantes. A Universidade e a Academia deram-se com Arriaga. O seu retrato a óleo figura na galeria oficial dos retratos dos reitores. O seu vice-reitor foi o então revolucionário Sidónio Pais, lente da Faculdade de Matemática~responsável pelas medidas abolicionistas que afligiram o património material e imaterial multissecular. Nem o sino da universidade escapou às fúrias de Sidónio.
Fonte: Ilustração Portuguesa, n.º 245, de 31.10.1910