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domingo, 13 de julho de 2014

O que vem a ser a duleta?

Duleta ou viatório era um sobretudo eclesiástico embainhado pelos calcanhares que se começou a usar em França por alturas da celebração da concordata entre o governo de Napoleão Bonaparte e a Santa Sé. Metia golas e abotoadura de trespasse à militar. As costas eram inteiramente lisas. Foi criada para ser vestida sobre a batina, substituindo a tradicional capa talar. Considerada símbolo do clero liberal oitocentista, a duleta foi generalizada em Itália no período de unificação que ditou o fim do Estado Pontifício. Embora não apreciasse a duleta, que era conhecida em Itália por "tapa misérias", o clero italiano achava que assim escaparia melhor à violência exercida pelos soldados de Garibaldi. Após o Concílio Vaticano I a duleta passou a fazer parte do enxoval dos clérigos quando em traje de passeio. Não tendo o garbo da capa, nem sendo uma veste própria para cerimónias, era ainda assim um resguardo corporal austero e imponente, que podia ser enriquecido com vivos. Com as reformas vestimentárias de 1969 praticamente desapareceu.

O que vem a ser "hábito usual"?

No articulado dos documentos eclesiásticos e académicos dos séculos XVI, XVII e XVIII ocorre com frequência a expressão que se vista o hábito usual/que se vista o hábito costumeiro.
O que significa exatamente este tipo de disposição na linguagem consagrada pelos autores das constituições sinodais, estatutos universitários e regulamentos de seminários e colégios católicos?
-Em primeiro lugar, significa que o mais certo é estarmos a falar de pelo menos três vestes distintas que constituíam o enxoval do clérigo/estudante/docente;
-Em segundo lugar, significa que o traje talar abrange o conjunto de vestiduras exteriores, roupa interior e acessórios que seguem no essencial a moda costumeira na corte e aquela que era mais comummente exibida pelos elementos do clero e da nobreza de toga.
Isto clarificado, tire-se daqui a ideia de uma veste manufacturada como um uniforme, pois um enxoval eclesiástico ou académico integrava vestes próprias para verão e inverno e pelo menos três variantes adequadas aos contextos sociais, profissionais e cerimoniais.
Quais eram os modelos de veste talar habitual conformes com o usos?
a) o hábito talar doméstico, de andar por casa ou privado. Correspondia no fundo ao que hoje chamamos pijama e roupão. Era considerada falta de etiqueta receber convidados com indumentária privada;
b) o traje de passeio ou hábito de passeio, usado nas viagens e nas deslocações às vilas e cidades;
c) o hábito de cerimónia, admitido nas audiências e solenidades.

Uma festa escolar pouco conhecida em Portugal: Cortejo dos estudantes finalistas do Liceu Jaime Moniz, Funchal, no momento do transito do pátio do liceu para a sé catedral.
A festa dos finalistas integra números civis (banquete e baile) e religiosos (benção das capas). Não consegui apurar com rigor quando começou a realizar-se no Liceu do Funchal a benção católica das capas de estudante. Admito que nas décadas de 1940-1950, ou até um pouco antes, pois já era considerada uma cerimónia costumeira na década de 1960. Esta festa sofreu contestação por alturas da Revolução de 1974 mas nunca terá chegado a ser interdita ou suspensa, ao contrário do que aconteceu com a maioria dos costumes praticados nos liceus portugueses e nas universidades de Coimbra e do Porto.
Na atualidade, e com a colaboração do órgão de direção da escola, os finalistas realizam anualmente a sua festa de consagração e despedida. Os alunos vestem smoking preto com capa negra. As alunas vestem tailleur preto com capa. Entre o Liceu e a Sé desfilam com as capas nos braços, só as colocando nos ombros no momento da benção religiosa pelo bispo diocesano.
A partir do Liceu do Funchal este costume académico generalizou-se nas diversas escolas de ensino médio/técnico da ilha da Madeira e da ilha de Porto Santo. A comunicação social regista-a na Escola Secundária Francisco Franco e na Escola Profissional de Hotelaria e Turismo.
Esta tradição académica coloca-nos algumas questões de ordem protocolar. Não fica suficientemente explicada a entrada no templo com a capa no braço. A tradição de benzer a capa é desconhecida em Coimbra, pelo que não se pode assacar à UC a sua origem. Admito que possa ter origem católica francesa, mas sem provas bastantes. Com efeito, na França dos séculos XVII a XIX havia a tradição de se dar a benzer a sotaina no momento em que era vestida pela primeira vez: ou ao entrar para o seminário, sendo o portador estudante, ou no momento da prima tonsura, situação que graves e conservadores prelados como Montault (1898: 81) consideravam um "abuso" inaceitável.