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sábado, 25 de agosto de 2012

Saberes, símbolos e representações de áreas do conhecimento e de organização do trabalho

1 - Alegoria da Ciência. A figura representada neste painel é Atena/Minerva com túnica e manto, capacete, lança, escudo e mocho da Sabedoria. Trata-se evidentemente de uma confusão redutora segundo a qual o Conhecimento/Sabedoria é reduzido a certas áreas constitutivas que até ao século XVIII integravam o currículo das Artes Liberais. O pintor Jean-Baptiste Chardin, que abordou este tema, omite a figura feminina, propondo o Globo terrestre (Geografia), livros e um telescópio (Astronomia). Sebastiano Conca (século XVI, Museu de Arte da Bahia) pinta uma figura feminina que munida de ábaco e telescópio ensina uma criança. Jacob Jordaens (séc. XVI) associa à Ciência Minerva (Sabedoria) e Cronos (Tempo) em luta contra a Ignorância e a Inveja. Em nenhuma das abordagens referidas temos o problema bem resolvido pois os vários ramos do saber que nos séculos XVIII e XIX foram agupados nas escolas de Filosofia Natural/Ciências Naturais são representados iconologicamente por separado. Agumas dessas representações são antiquíssimas, caso da Matemática, da Astronomia, da Aritmética.

2 - Alegoria da Agricultura. Registo superior, pano central. Figuração da deusa greco-romana Deméter/Ceres com a cornúcópia da fertilidade/abundância repleta de frutos da terra. Tradicionalmente as vestes de Deméter são verdes, cor da vegetação terrestre, cor que entretanto veio a ser adoptada pelas escolas de agronomia/ciências agrárias.

3-Alegoria da Indústria, registo intermédio. Figura feminina com bastão rematado em mão aberta com olho da providência. Atributo pouco claro do ponto de vista da fundamentação e significado. Na época anterior ao liberalismo, o bastão com a mão aberta era o símbolo da justiça suprema dos reis franceses. Na década de 1860, quando foi realizada a encomenda, a industrialização encontrava-se em franca expansão em Portugal: carreiras de barco a vapor, caminhos de ferro, circulação de locomotivas, abertura de fábricas dotadas de máquinas a vapor, cursos ligados à engenharia nas escolas politécnicas de Lisboa e Porto e cursos práticos de nível médio em escolas comerciais e industriais. Mais para o fim do século XIX, o atributo da Indústria e Tecnologia passa a ser a Roda Dentada ou Engrenagem da máquina a vapor, correndo em emblemas e em estátuas de vulto. Assim veremos a Indústria representada por José Veloso Salgado na sala do Tribunal do Comércio do palácio da Bolsa do Porto e este era o atributo exibido pelo catálogo de esculturas vidradas de branco da Fábrica de Cerâmica das Devezas. Evidentemente a imaginação não tem limites. O deus tutelar da Indústria/Tecnologia é Hefesto/Vulcano e os seus símbolos são a bigorna, o malho e a tenaz. Se os pintores forem pela moda, certamente que a roda dentada teria de dar lugar ao telemóvel digital.

4 - Alegoria do Comércio. Figura de vulto, frontal, enquadrada em nicho no registo intermédio do pano central. Figuração correta do deus grego-romano tutelar das mensagens, comércio, negócios. Hermes/Mercúrio veste sandálias e capacete alado (rapidez comunicacional) e exibe o caduceu.

5 - Alegoria da Terra. Figura feminina de vulto, associada ao globo terrestre e a um molho de flores e plantas. A representação iconológica da Terra (enquanto planeta Terra=Geograhia) é frequentemente confundida com a alegoria greco romana da Agricultura (Deméter/Ceres), cujos atributos são o archote e a cornucópia repleta de frutos da terra (espigas de cereais, frutos, flores). Alguns artistas dos séculos XVI-XVII figuram a Terra e a Água juntas, mas cada uma com os seus atributos (cornucópia de frutos e cântaro jorrante). Outros apresentam uma única figura feminina e junto dela a cornucópia e o cântaro. No trabalho de Luís Ferreira, a Terra é uma figura híbrida que congrega atributos da Geopraphia (globo terrestre) e da Agricultura/Deméter (frutos da terra).

6 - Alegoria da água
Conjunto de seis figuras de vulto, cinco femininas e uma masculina, em azulejo polícromo assente na fachada principal de prédio sito no largo Rafael Bordalo Pinheiro, Lisboa. Trabalho da autoria do pintor ceramista Luís Ferreira (1807-1870), 1864, ligado à Fábrica Viúva Lamego. Ferreira muito possívelmente socorreu-se de ajudantes para levar a cabo o monumental trabalho encomendado. Terá utilizado gravuras francesas e italianas de iconologia que corriam impressas desde o século XVI em folhas volantes e encadernadas em tratados. Os autores mais completos, como C. Ripa, explicitavam o desenho, pormenorizando o tipo de figura a retratar, os atributos e o seu significado. Não sabemos de que fontes iconológicas se socorreu Ferreira, cuja encomenda segue um interessante e imaginativo programa ancorado nos valores do trabalho, produtividade, laicização e eventual adesão ao ideário maçónico.
As ninfas da Água (AQUA) eram conhecidas desde a sistematização da mitologia grega. Havia diferentes ninfas associadas à representação da água. Náiades para as nascentes dos rios, em Portugal conhecidas por mãe de água e olhos de água. Efidríades para a água em geral. Crineias e Pegeias para os rios. Nereides para águas marinhas, sendo os oceanos e mares representados por Poseidon/Neptuno. Ferreira opta por desenhar uma proposta compósita, ou seja, associa uma Efidríade com o cântaro jorrante a Neptuno (tritão e tridente).

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Duas situações protocolares (1923)

Em cima: a bordo do vapor Bagé, o chefe de protocolo do MNE avista-se com o novo núncio apóstólico nomeado para Lisboa (1923). Na data referida os serviços de protocolo de estado estavam assim repartidos: a) serviços de protocolo da 2.ª Repartição da Direção-Geral dos Negócios Políticos e Diplomáticos do MNE; b) serviços do protocolo da Secretaria da Presidência da República (palácio de Belém. Com o Decreto n.º 12.811, de 30.11.1926, os serviços da PR foram integrados no MNE passando a existir doravante um único serviço central regulador.
Em baixo: o ministro de Cuba e o 1.º secretário após a apresentação de credenciais no palácio de Belém (28.6.1923). Durante a 1.ª República os diplomatas ocidentais mantiveram o uso do grande uniforme nas cerimónias solenes. Constituiram exceção à regra os diplomatas dos países onde existiam trajes ditos nacionais e o representante dos EUA que logo após a revolução de 5.10.1911 aparece de casaca preta e cartola.
Fonte: Ilustração Portuguesa n.º 707, de 7.7.1923

Curso médico do Porto (1923)

Foto superior: Bodas de prata do 1.º curso da Escola Normal de Vila Real, instituição que precedeu as escolas de magistério primário. Completa ausência de distintivos académicos como fitas, emblemas, medalhas.
Foto inferior: curso de 1923, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Estudantes com capa e batina e pastas com fitas amarelas fotografados com os respetivos professores.
Fonte: Ilustração Portuguesa n.º 907, de 7.7.1923

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Receção do Patriarca Mendes Belo na Academia das Ciências (1923)

Sessão de receção do Patriarca de Lisboa D. António Mendes Belo como sócio da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa, edifício da Academia das Ciências, 23 de julho de 1923.
Mendes Belo está sentado na última fila. Veste o hábito talar romano e não o fardão de académico que fora aprovado em 1856 e reformado em 1918. Os restantes académicos envergam indumentária masculina urbana, não sendo visíveis o fardão de académico e o espadim.
As sessões solenes da Academia das Ciências, que tinham sido seguidas de perto pelo Curso Superior de Letras, viriam a constituir para as universidades criadas no período republicano um paradigma protocolar alternativo ao legado configurado pelos patrimónios cerimonialísticos considerados de tipo "religioso-metafísico" e, como tal, arcaicos.
Nos anos da Grande Guerra, quando a Universidade de Coimbra começa a movimentar-se no sentido de revitalizar o cerimonial académico (1915-1916) formam-se fações que nos meios estudantis e docentes discutem acaloradamente que trajes e insígnias adotar. Houve uma fação de cunho politécnico e científico que defendeu como solução uma via minimalista que passaria por uma aproximação às práticas em uso nas academias de ciências e belas letras (adeptos da casaca napoleónica bordada, com bicórnio e espadim) e às tradições puritano-burguesas das universidades escandinavas (cartola e casaca de abas). Houve ainda outra fação, animada por variadas sensibilidades que se reviam nos valores simbólicos, que defendeu a continuação simplificada do hábito talar e da borla e capelo. Os ministros da instrução pública menos sensíveis às tradições académicas de Coimbra manifestaram dificuldades na compreensão deste debate:

1) por acharem que os de Coimbra deveriam erradicar as velhas tradições, quando afinal estudantes, professores e equipas reitorais davam mostras do contrário;
2) por verificarem que no Brasil, onde a proclamação do regime republicano precedera Portugal, as faculdades de Direito manifestavam enorme respeito pela Universidade de Coimbra e tinham mantido como insígnias doutorais a borla e capelo;
3) por terem notícia de que os estudantes dos liceus e os da nova Universidade do Porto tinham optado por continuar a usar ou por começar a usar a capa e batina;
4) pelo aparente paradoxo registado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (fundada em 1913) cujos professores detentores do grau de doutor ou a ele equiparados tinham começado a comparecer a cerimónias com hábito talar e borla e capelo [Os recrutados eram esmagadoramente doutorados em Coimbra].

O que é fato é que das discussões travadas em Coimbra no ano de 1915 brotou o entendimento de que a borla e capelo eram "superiores" ao fardão da Academia das Ciências. E acrescentamos nós, como poderiam os lentes da Universidade de Coimbra usar a casaca aberta de abas de grilo, que era afinal o traje de gala dos contínuos e bedeis, ou a casaca azul bordada que era a libré de gala dos archeiros? Esta discussão já tinha sido travada na Universidade de Coimbra na década de 1860, com óbvia rejeição da casaca napoleónica, mas isto não poderiam saber os ministros da instrução pública. Num mundo composto por três universidades públicas que se queria regulado por normativos centrais, gerais e abstratos, o solução encontrada consistiu em declarar a borla e capelo insígnias nacionais no estatuto universitário de 1918.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Inauguração do ano letivo no Instituto Superior de Agricultura (1923)

Sessão solene de inauguração do ano académico no Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, 9.12.1923, escola que em 1930 seria integrada na Universidade Técnica de Lisboa

Preside ao ato o Presidente da República Teixeira Gomes. Exemplo do modelo de sessão solene que se generalizou com a Revolução de 5 de outubro de 1910: a) ato laico sublinhado pela ausência de símbolos religiosos ou monárquicos, mas abrindo exceção e posição de favor para os símbolos militares que passam a constituir um dos paradigmas a seguir; b) utilização de indumentária civil de feição puritana, predominando o vestuário masculino urbano à base de casaca preta e cartola [linhas direitas e geometrizadas, austero monocromatismo preto, abolição de ornatos]; c) organização de uma mesa de honra/presidência que decalca no essencial as mesas usadas antes de 1910 nas sessões solenes de inauguração de edifícios/infraestruturas e congressos académicos e científicos; d) crescente tendência para encher a mesa de honra com representantes do Legislativo e do Executivo, abuso que tenderá a agravar-se ao longo do século XX.
Fonte: Ilustração Portuguesa n.º 930, de 15.12.1923

Receção aos caloiros na FL/UL (1923)

Foto ao fundo da página: sessão solene de abertura, presidida pelo Prof. José Leite de Vasconcelos, das festas de Receção aos Caloiros da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que tiveram lugar em 8.12.1923. Professores e estudantes "à futrica". Leite de Vasconcelos era um académico de formação positivista oriundo da Médico-Cirúrgica do Porto/Curso Superior de Letras de Lisboa e um antripraxista assumido. Deixou escritos onde condena explicitamente a importação dos costumes académicos conimbricenses pelos liceus e novas universidades republicanas.
Há quem diga que tem, mas a receção aos caloiros não tem origem coimbrã, embora em 1904 se tenha constituído na Universidade de Coimbra uma comissão de estudantes republicanos e antipraxistas que dinamizou um programa chamado de receção. Esta iniciativa ficaria em letra morta até inícios da década de 1950, altura em que a AAC tentou realizar uma receção que também não teria continuação. A chamada "semana de receção ao caloiro" só viria a ser implementada pela AAC entre 1979 e 1987 no contexto traumático de restauração das tradições académicas e de lutas incendiárias entre as juventudes partidárias. Era uma festa banal e incaracterística que procurava concentrar ao longo de uma semana uma imitação pobre da Queima das Fitas (de tal arte que na serenata monumental se interpretavam em início de ano escolar peças de despedida), a imposição de insígnias dos novos grelados e novos fitados, a latada das faculdades e até as comemorações da Tomada da Bastilha, junção aberrante que deixava os antigos estudantes à beira de um ataque de nervos). Alguns dos antigos estudantes adeptos fervorosos da restauração das tradições académicas no após 1974 que tinham vindo a aconselhar a DG-AAC a promover a "semana de receção" eram também os primeiros a criticar a probreza do programa e a denunciar que se tratava de uma importação acrítica e politizada de festas que antes de 1974 se faziam na FL/UL e com maior incidência nos magistérios primários. Aliás, o imaginário kitsh de tipo creche avultava nos bibes, nas chupetas e nos biberons abundantemente registados nas fotografias [que eram um dos grandes negócios da festa cujos lucros revertiam integralmente para as casas fotográficas].
Nos festejos de 1988 muito se procurou melhorar. Uma das pequenas grandes vitórias consistiu em convencer os dois autores do cartaz a pintar em letras garrafais "festa das latas e imposição de insígnias". Esta facécia alimentaria troca de galhardetes entre as duas juventudes partidárias que dominavam o rotativismo eleitoral da DG-AAC, mas a "receção" ficou na prateleira. Para não destoar, o autor da iniciativa não receberia agradecimento. Mas voltemos à fotografia e à conversa inicial: a UL não criou apenas a receção. Foi igualmente no seio dos seus estudantes católicos que nasceu na década de 1920 a "consagração dos finalistas ao Sagrado Coração de Jesus", que levada para a UC e para a UP deu vida à "missa de consagração dos quintanistas católicos", ou em linguagem vulgar "missa da benção das pastas", que nas décadas de 1980-1990 seria globalizada e mediatizada.
Fonte: Ilustração Portuguesa n.º 930, de 15.12.1923

Honoris causa de Léon Duguit (1923)

Académicos que promoveram a atribuição do doutoramento honoris causa pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ao professor da Universidade de Bordéus Léon Duguit. Lisboa, edifício da Academia das Ciências, 7.12.1923.
Os docentes da FD/UL apresentam vestes e insígnias conformes à tradição conimbricense, seguindo assim uma prática primeiramente adoptada pelas faculdades de Direito fundadas na década de 1830 no Brasil (São Paulo e Olinda/Recife). Uma importante diferença a assinalar entre as escolas brasileiras e a FD/UL: no Brasil usa-se desde o início toga de feição judiciária conforme o paradigma oitocentista das escolas laicas e napoleónicas, com borla e capelo, enquanto que na FD/UL (criada em 1913) a partir de 1915 se começa a usar o conjunto conimbricense completo (hábito talar+borla+capelo). Houve exceções, é certo, mas estas acabaram por não pesar na identidade institucional da nova escola. Foi o caso do Prof. Barbosa de Magalhães que envergava toga de advogado+borla+capelo, admitindo assim no mundo universitário os trajes judiciários [eqivalência já então campeante nas universidades de  França, Espanha, Itália), experiência que décadas mais tarde a Universidade Lusófona haveria de consagrar no seu manual de cerimonial (v.01: 2011).
Fonte: Ilustração Portuguesa n.º 930, de 15.12.1923

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Funerais de estado da rainha D. Estefânia (1859)

Chegada a S. Vicente de Fora do préstito fúnebre da rainha D. Estefânia
Fonte: Ilustração Luso-Brasileira n.º 29, de 13.7.1859

Reportagem sobre o Centenário da Sebenta (1899)

Foto-reportagem sobre o Centenário da Sebenta realizado pelos estudantes da Universidade de Coimbra. Aspetos do cartaz promocional, da recepção a "legações" e do cortejo alegórico de viaturas de tração animal.
Fonte: Brasil-Portugal n.º 8, de 16.5.1899

O que foi: festa burlesca concebida e realizada por um grupo de estudantes das faculdades de Direito e Teologia da Universidade de Coimbra no mês de abril de 1899. O programa foi pensado como uma crítica parodial aos centenários cívicos que vinham a ser realizados em Lisboa e no Porto desde 1880. O tema das festividades foi a sebenta, folha litografada com os textos das lições teóricas dadas pelos lentes da Faculdade de Direito, intrumento de ensino então considerado aberração pedagógica, sinónimo de obscurantismo e dogmatismo.
Data de realização: 28, 29 e 30 de abril de 1899
Comissão central: Alexandre de Albuquerque, Veridiano Gonçalves, Alberto Costa, João Eloy, D. Vicente da Câmara (Filho), Luís José da Mota (tesoureiro)
Presidente da Comissão central: Alexandre de Albuquerque
Papel desempenhado pelo Conselho de Veteranos: escreveu e publicou a Carta de Alforria dos caloiros [apenas e só no âmbito dos três dias de festas. A emancipação dos caloiros só ocorreu a 24.5.1899 por alturas da Festa das Latas e Queima das Fitas]
Souvenirs e material kitsh: cartaz promocional, pelo estudante Álvaro Viana de Lemos; selos miniatura; medalhinhas; bilhetes postais, pratos cerâmicos para o banquete; relíquias (mocho de Minerva); registos "devocionais" para os chapéus dos romeiros

Programa oficial:
6.ª feira, 28 de abril de 1899
manhã: abertura oficial com a proclamação da Carta Régia de D. Dinis (paródia ao bando e pregão usual nas festas portuguesas e espanholas)
17.00h: receção oficial aos grupos de romeiros chegados ao largo da Portagem acompanhados de grupos de gaiteiros (grupos de estudantes mascarados e travestidos)
20.00h: alvorada musical
Sábado, 29 de abril de 1899
10.30h: cerimónia de mudança dos nomes das ruas da Alta
11.00h: visita às tascas da Alta, casas de prego (=penhores) e sebentarias (tipografias que imprimiam sebentas)
12.00h: Banquete aos delegados das "câmaras municipais" no largo da Feira
13.00h: inauguração do busto de Alois Senefelder, inventor da litografia (busto de sebo, colocado sobre um plinto de madeira no largo Marquês de Pombal)
16.00h: condecoração de Maria Marrafa, distribuidora de sebentas pelas portas, e do sebenteiro Manuel das Barbas
17.00h: "Revista naval" (parada fluvial no Mondego com 30 embarcações)
20.30h: Sarau de gala no teatro circo (Avenida)
Domingo, 30 de abril de 1899
10.00h: Sessão solene no teatro circo presidida pelo conde de Burnay (banqueiro muito caricaturado por Bordalo Pinheiro. Número anulado)
14.00h: Cortejo de viaturas alegóricas decoradas pelos principais caricaturistas da época, Manuel Bordalo Pinheiro, Celso Hermínio, Jorge Cid, Jorge Colaço. Integrou carros do Liceu de Coimbra e da Escola de Agricultura
16:00h: inaguração do monumento à Sebenta
20.00h: baile no restaurante José Guilherme, serenata pelo Orfeon, arraial com danças e iluminações

O Centenário da Sebenta substituiu a Queima das Fitas? Não. O Centenário foi uma festa organizada antes do fim do ano escolar, em abril, e contou com a participação de estudantes de várias faculdades. As festas de encerramento do ano escolar tinham lugar em finais de maio/inícios de junho, eram organizadas pelos quartanistas, tiveram lugar nesse mesmo ano e continuaram nos anos seguintes.
Que festejos académicos de fim do ano ocorreram em 1899? Realizaram-se as tradicionais latadas, cortejo-charivari muito antigo, que ficou conhecido por Festa do Ponto, Festa das Latas, Arruaça das Latas. Foram impressos pelos menos dois cartazes em verso em finais de maio de 1899: "O programma das latadas", sem data, claramente da 3.ª semana de maio; o "Programma das latadas, extraordinário, pyramidal, estupendo, massante e solidificante programma das latadas decretado no dia 24 de maio de 1899 por ordem da mui nobre, ínclita e tradicional Dona Praxe", que custava 20 réis. E realizaram-se, com enorme probabilidade, os números da Queima da Fitas dos quartanistas grelados de Direito e de Teologia, já então considerados tradicionais, o cortejo, a garraiada, a queima das fitas, o enterro das cinzas, a mijaria à Porta Férrea e a emancipação dos caloiros. Escrevo probabilidade porque seria necessário aprofundar o assunto nos jornais da época.
O Centenário da Sebenta é a origem da Queima das Fitas? Não. A Queima das Fitas, enquanto festa dos quartanistas de Direito e de Teologia, já existia em 1899.
Ainda assim, alguns dos números do programa do Centenário da Sebenta vieram a ser incorporados na Queima das Fitas? Sim, mas apenas em parte, e não com a importância que se lhe tem querido atribuir. A estrutura da Queima das Fitas contemporânea, por contraposição às festas académicas arcaicas, é a mesma que se praticava nos programas oficiais da casa real por ocasião dos recebimentos de visitantes, esponsais, casamentos, aclamações e batizados.

domingo, 19 de agosto de 2012

Programa dos esponsais de D. Pedro V com D. Estefânia (1858)

1: Programa oficial dos esponsais de D. Pedro V, 29.4.1858

2: Programa oficial dos esponsais de D. Pedro V com D. Estefânia
Fonte: A Ilustração Luso-Brasileira n.º 20, de 15.5.1858

Programa para as festividades que hão-de ter lugar na receção de sua majestade a Rainha [D. Estefânia, 1858]

1: Programa oficial para o recebimento da rainha D. Estefânia

2: Programa oficial para o recebimento da rainha D. Estefânia em Lisboa, datado de 5.5.1858
Fonte: A Ilustração Luso-Brasileira n.º 20, de 15.5.1858

O milenário de Hipócrates na Médico-Cirúrgica de Lisboa (1899)

[1]: O Milenário de Hipócrates

[2] O Milenário de Hipócrates
Foto-reportagem do corso alegórico realizado pelos estudantes da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa em 8 de março de 1899.
Iniciativa de cariz parodístico não teve seguimento na EMCL nem nas escolas que a partir de 1911 integraram a Universidade de Lisboa. Antecedeu os festejos do Centenário da Sebenta que tiveram lugar na Universidade de Coimbra nesse mesmo ano e que são erradamente considerados a origem da Queima das Fitas*, uma festa de celebração do fim de ano dos cursos jurídicos e teológicos que em 1894 já era considerada "tradicional" nalguns relatos de imprensa local.
Fica bem patente na estrutura organizativa e na narrativa plástica e discursiva do Milenário o  arremedo aos seguintes eventos:

a) aos diversos congressos científicos que tinham vindo a fazer moda nos países ocidentais (marítimos, pedagógicos, de medicina, de jornalistas, de comerciantes, penitenciários), cujas sessões solenes de abertura são parodiadas;
b) aos corsos religiosos de quadros vivos, de forte impregnação em Portugal e em Espanha, nomeadamente a procissão do Corpo de Deus;
c) aos cortejos carnavalescos de julgamento de um bode expiatório comunitário, com ampla radicação popular em Portugal, Espanha, Brasil, Bélgica, França e Itália, que integravam corso burlesco, eventual julgamento e aplicação de uma pena que se podia traduzir em fuzilamento, serração ou queima (do Judas, do Bacalhau, da Velha, do João, do Ano Escolar, das fitas dos estudantes). Esta modalidade de festa popular, mesmo quando não contém todos os números do "programa", corresponde ao paradigma mais ancentral das festas realizadas no final do ano escolar pelos estudantes da Universidade de Coimbra com recurso a designações como "soiças", "festa do ponto", "festa das latas", "tourada", "pega de rabo". Daí que não seja possível datar com segurança quando começa uma festa e acaba outra, à luz de formas de organização orais e espontaneas que de ano para ano introduziam modificações e modas que à época eram bem aceites. Por exemplo, na espinha dorsal da Queima das Fitas de Coimbra podemos acompanhar permanências de números do programa da Festa do Ponto/Festa das Latas, cuja latada dos caloiros só acaba definitivamente em 1935. Este tipo de festa, de matriz arcaizante e popular é de alguma forma apropriado e adaptado a partir da década de 1890 por vários liceus portugueses que passam a sublinhar o encerro do ano escolar com o "enterro da gata" (Braga)/"enterro da bicha" (Ponta Delgada)/"festa do galo" (Beja), animal que simboliza o esconjuro da raposa (=reprovação do ano). Um dos liceus que não adere aos enterros é o do Guimarães, que pouco após a sua instalação se apropria de uma antiga festividade local, as Nicolinas. Neste caso específico, a festa estudantil tem lugar no mês de Dezembro e o programa mantém uma estrutura arcaica quinhentista/seiscentista que era comum ao modelo de festividades promovidas pelas câmaras municipais (ex: festas de S. João Batista). No abrir do século XX os estudantes da Universidade de Liège também preferirão festejar o São Nicolau dos Estudantes, pese embora inventando para fim do ano escolar a Saintoré.
d) os recentes e mediáticos centenários e milenários concebidos por comissões de notáveis para evocar heróis, poetas, missionários e navegadores. Os centenários, de cariz profano, apresentavam uma estrutura programática sedutora (abertura solene, sessão de homenagem, cortejo alegórico, banquete, parada naval/fluvial,teatro/sarau, inauguração de rua ou estátua) e deram origem a uma economia de souvenirs kitshs exponenciados pelo comércio: lenços, pratos, postais, selos, cartazes, caixas de biscoitos.
Fonte: Brasil-Portugal n.º 4, de 16.3.1899
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* Algumas das lendas e rumores circulantes sobre a Queima das Fitas de Coimbra e a Queima das Fitas do Porto foram discutidas (e rebatidas) por João Caramalho Domingues, "Quando foi a primeira Queima das Fitas?", In Porto Académico, postagem de 24.2.2011, http://portoacademico.blogspot.com.pt/2011/02/quando-foi-primeira-queima-das-fitas.html.