Virtual Memories

sábado, 2 de janeiro de 2010

O Star Trek look


Fotografia de 2006 com membros da tripulação Star Trek

Tripulação original da série televisiva de culto Star Trek


Fotografias divulgadas na comunicação social anglo-saxónica em 2008-2009, as quais colocam lado a lado os fatos da série Star Trek e a nova beca desenhada por Betty Jackson


Indumentária de gala dos magistrados da High Court do Canadá. Na actualidade, o tricórnio preto caíu em desuso


Magistrados com hábito de gala no cortejo de abertura solene do ano judicial que tem lugar anualmente em Londres, com trajecto entre a High Court e a Abadia de Westminster


A veste histórica que Lord Philips e Betty Jackson fizeram substituir a partir de Outubro de 2008 nos tribunais da Inglaterra e do País de Gales

Em 2008-2009 o Lord Chief Justice da Grã-Bretanha, Lord Philips, comprou uma guerra com os juizes e advogados da Inglaterra e do País de Gales. A imprensa adorou.
Invocando a necessidade de modernizar a imagem da justiça, Lord Philips encomendou à estilista Betty Jackson (na foto supra) uma nova beca que viesse substituir a antiga gown e a peruca usada havia mais de trezentos anos nos tribunais.
Betty desenhou uma toga preta tubular, muito simples, com guarnições de veludo na frente e bocas de mangas e vivos sobre o peito, numa alusão ao clássico plastron usado pelos advogados na Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
Diversos advogados e cerca de quarenta magistrados da High Court manifestaram o seu descontentamento face à nova beca que o Lord Chief Justice se apressou a vestir e a exibir perante a comunicação social (na foto supra). Houve que quisesse ver em Lord Philips a viva imagem dos vendedores de bilhetes de espectáculos Star Trek no Caesars Palace de Las Vegas. E não faltaram os que, relembrando a saga televisiva logo apostrofassem a indumentária de veste fascista e de visual Star Trek.
Na voz dos detractores do projecto, haveria algo nesta veste que faria lembrar a saga televisiva norte-americana produzida a partir de 1966 por Gene Roddenberry com o título "Star Trek". Já em 2009, perante o coro de protestos, Lord Philips veio dizer-se disponível para rever a sua posição inicial, ao mesmo tempo que admitia solicitar à estilista alterações ao figurino confeccionado em 2008.
Fonte: Judges horror at designer Betty Jackson robes wich look like a Star Trek costume, in MAIL ONLINE, edição de 1.04.2009, http://www.dailymail.co.uk/news/article-1166423/Judges-horror-designer-Betty-Jackson-robes-look-like-Star-Trek-costume.html; Judges throw away 300 years of tradition and reveal their new bare-headed "Star Trek" look, in MAIL ONLINE, edição de 13.05.2008, http://www.dailymail.co.uk/news/article-565992/Pictured-Judges-throw-away-300-years-tradition-reveal-new-bare-headed-Star-Trek-look.html; Judges abandon wigs for "Star Trek" look, in THE SYDNEY MORNING HERALD, edição de 14.05.2008, http://www.smh.com.au/news/world/judges-abandon-wigs-for-star-trek-look/2008/05/14/1210444472812.html.

Vida na Thessaloniki

Ioannis Antonopoulos, da Aristotle University of Tessaloniki, Grécia, apresenta o Prof. Constantine Balanis como doutor honoris causa em cerimónia realizada no dia 2 de Junho de 2004. O galardoado é um dos mais distintos membros da Electrical Engenieering da Arizona State University.
O protocolo é relativamente simples, próximo do praticado na maior parte das universidades italianas e norte-americanas.
Não foram encontrados testemunhos para outros momentos do calendário desta universidade federada no Coimbra Group, como sejam a abertura das aulas, a instalação do reitor ou a fomatura de cursos. Os dados recolhidos não parecem indiciar a existência de uma sólida estratégia institucional voltada para a consolidação e comunicação de uma identidade visual forte, diferenciadora e competitiva.

Vida na Aarhus


"Postgraduate graduation ceremony" na School of Business da Universidade de Aarhus, em 9 de Outubro de 2009.
Embora só tenha integrado a Aarhus em 2007, a School of Business replica as estratégias de markting consagradas nos anos mais recentes pelas escolas de business/management à escala global, afirmando-se assim como a primeira escola da Universidade de Aarhus a conferir visibilidade pública aos actos de formatura.
Em Aarhus, os 120 formandos de 2009 compareceram à civil, mas esta não é seguramente a moda internacional campeante, a qual tende a apropriar e a reproduzir o paradigma norte-americano da graduation ceremony.


Tomada de posse do novo reitor (ou presidente?) da School of Business da Universidade de Aarhus, em 4 de Novembro de 2009. Embora a Aarhus remonte a 1928, a School of Business só viria a ser integrada nesta instituição dimanarquesa em 2007.
Como se pode constatar, o novo "presidente"/"director" enverga fato masculino civil, apenas se distinguindo pelo porte de um grande colar estilo renascença. As restantes fotografias captadas durante a tomada de posse mostram um beberete, dando conta de um evento cuja gramática protocolar tanto poderia acontecer numa câmara municipal como numa empresa, banco ou companhia de seguros.
A homologia protocolo universitário/protocolo civil parece ser a estratégia adoptada pela Aarhus enquanto ferramenta de gestão e promoção da imagem de marca dos seus investigadores e formandos. Se os momentos mais marcantes do calendário académico são idênticos aos praticados nas tomadas de posse dos elencos governamentais, empresas e instituições bancárias, então os "produtos" humanos e científicos fabricados pela Aarhus parecem ser os mais adequados aos comportamentos do mercado. Ao adoptar o comportamento dos bancos e empresas, a Aarhus acredita que os seus formandos estarão melhor treinados para integrarem o competitivo mercado de trabalho a uma escala nacional e global.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010


Cerimónia honoris causa na Aarhus Universitet, Dinamarca.
A Aarhus é membro do Coimbra Group. Nesta fotografia, da autoria de Lars Truse, o Prof. Neil Shephard, da Universidade de Oxford, recebe o diploma honoris causa que lhe é entregue pelo Prof. Suend Hylleberg, da Faculdade de Ciências Sociais.
A cerimónia, realizada em 11 de Setembro de 2009, teve cariz meramente civil, correspondendo aos eventos protocolares de entrega de diplomas/ou certificados que conheceram grande voga no século XX.
Numa conjuntura de afirmação internacional da missão e visão das universidades europeias, este tipo de estratégia comunicacional não parece ser a escolha mais acertada para falar a mesma linguagem mediática a que nos habituaram os galardões cinematográficos, ou louros da academia sueca ou as grandes celebrações desportivas de entrega de troféus.


Representantes de universidades membros do Coimbra Group fundado em 1985

Cerimónia de tomada de posse de novos cónegos na Catedral de Compostela


Cerimónia dos abraços ou "beijo da paz" entre os velhos e os novos cónegos, Sala do Capítulo da Catedral de Santiago de Compostela, 27.06.2009.


Catedral de Santiago de Compostela, 27.06.2009: o ritual de investidura ou tomada de posse de novos elementos implica um conjunto de actos rituais que passam pelo cortejo, entrada solene no local, investidura, orações de petição, acolhimento e consagração, efectiva tomada de posse de um lugar e acolhimento dos novos elementos pelos seus pares.
No que respeita à Univ. de Coimbra, além da tomada de posse do respectivo assento nos doutorais, o novo doutor só poderia começar a ler as lições em sala de aula após o bedel abrir a portinhola da cátedra e fazê-lo subir com as palavras rituais "ascendam in cathedra!"


Vista do cadeiral da Sala do Capítulo da Catedral de Santiago de Compostela.


Cortejo dos cónegos da Catedral de Santiago de Compostela, com percurso entre a Biblioteca e a Sala do Capítulo, para efeitos de investidura de novos cónegos (27.06.2009).
Há que assumi-lo, o cerimonial catedralício apresenta diversos momentos comuns ao cerimonial académico das universidades históricas. O cortejo público, festivo e celebrativo, assemelha-se a uma dança ritual que visa comunicar um evento e operar uma cesura entre o antes e o depois. Mantidos nas universidades britânicas e na Univ. de Coimbra, os cortejos públicos foram banidos da cultura europeia continental pela Revolução Francesa e pelo estilo de vida burguês. O último desconfiou deste tipo de eventos e procurou estigmatizá-los como momentos de desperdício que prejudicariam a produtividade da econonomia liberal-capitalista. Ironia do destino, o neoliberalismo viria a integrar na sua identidade os actos celebrativos e a consagração pública dos líderes através de cerimónias mediáticas de outorga de troféus e prémios monetários.
Presente nas cidades-estado do Mediterrâneo, na Grécia clássica, nos triunfos militares romanos, nas procissões religiosas e nas entradas régias, o cortejo público tem sido mantido nos regimes republicanos (visitas de chefes de estado), nas paradas militares dos regimes autoritários e em eventos desportivos como os jogos Olímpicos. Na Europa continental, após o longo confinamento intra-muros das universidades históricas, parece vislumbrar-se um desejo de regresso à praça pública, seguindo a tendência evidenciada pelos encontros internacionais de tunas académicas e confrarias gastronómico-vinícolas. A título de exemplo, muito recentemente, a Universidade de Alcalá realizou um cortejo público evocativo da fundação dos estudos superiores em Alcalá de Henares.


"Bonete de quatro picos" ou barrete clerical preto ainda em uso em Espanha, remado por pompom de seda verde, cor identificativa dos cónegos da Catedral de Santiago de Compostela.
Até meados de 2009 os cónegos do cabido de Compostela usaram um capelo (muceta) inteiriço com capuz dorsal e cruz de Santiago bordada sobre o centro do peito. Em cerimónia realizada na sala capitular, a 27 de Junho de 2009, apresentaram um novo e simplificado modelo de murça, abotoada sobre o peito, com a cruz de Santiago bordada no lado esquerdo. O barrete não sofreu transformações, mantendo a traça herdada do século XVI, como é sabido comum a algumas universidades ibéricas. A borla de seda verde aproxima este barrete daquilo que foi o chapéu dos doutores em Direito Canónico, bem como de algumas figurações patentes na galeria dos reitores da UC.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

IX Encuentro de Responsables de Protocolo Universitario

Em Maio de 2010 terá lugar na Universidade de Salamanca o IX Encuentro de Responsables de Protocolo Universitário, cujo programa será pensado no contexto das celebrações do VIII Centenário da Alma Mater Salmantinensis.
Estes encontros, na generalidade das situações com actas publicadas no sítio da Associación para el estúdio y la Investigación del Protocolo Universitario, http://www.protocolouniversitario.ua.es/, foram até ao presente participados apenas por investigadores e especialistas ligados a universidades e politécnicos de Espanha. Estando em preparação o IX Encuentro, estuda-se a possibilidade de abertura a investigadores e especialistas de outros países.
No período 1996-2010 foram programados os seguintes encontros:
I Encuentro, Universidad de Granada, 6 e 7 de maio de 1996
II Encuentro, Universidad de la Rioja, 24 e 24 de abril de 1997
III Encuentro, Universidad Complutense, 19 e 20 de abril de 1999
IV Encuentro, Universidad de Cantabria, 7, 8 e 9 de abril de 2005
V Encuentro, Universidad de Navarra, 11, 12 e 13 de maio de 2006
VI Encuentro, Universidad de Alicante, 26, 27 e 28 de abril de 2007
VII Encuentro, Universidade de Coruña, 8, 9 e 10 de maio de 2008
VIII Encuentro, Universidad de Huelva, 20, 21 e 22 de maio de 2009
IX Encuentro, Universidad de Salamanca, maio de 2010.

Um catálogo alemão sobre chapelaria religiosa e académica ("La colección Philippi")


Capa do catálogo Sammlung Philippi sobre chapelaria religiosa e académica.

Em Outubro de 2009 foi finalmente publicado pela Editorial St. Benno Verlag, de Leipzig, o catálogo de chapelaria clerical e académica de Sammlung Philippi. O autor possui a maior e mais rica colecção mundial de gorros, barretes e chapéus usados pelos seguidores das grandes e pequenas religiões do mundo, colecção que tem vindo a ser divulgada no sítio KLERIKALE KOPFBEDECKUNGEN, http://www.dieter-philippi.de/mydante_1479.html. Nos últimos anos, e tendo como plataforma comum de comunicação o referido sítio, Philippi recebeu inúmeras fotografias, gravuras e notícias de coberturas de cabeça remetidas por leitores dispersos pelo mundo. No que respeita à Península Ibérica, a colecção contempla exemplares do barrete doutoral espanhol e do barrete doutoral da Universidade de Coimbra ("borla").
Esta obra, escrita em língua alemã, tem 712 páginas, sendo ilustrada por 1000 fotografias de excelente qualidade. Custa 119 Euros. Na Península Ibérica pode ser adquirida em Madrid.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009


Retrato do Bispo de Angra do Heroísmo Frei Clemente Vieira (1629-1692) com figuração da borla doutoral de Teologia, variante quadrangular. Confirmam-se as borlas de pingentes sobre o franjado, a estrutura cartonada preta e a pega de altimetria modesta.
Frei Clemente Vieira, que pertenceu aos Eremitas Descalços de Santo Agostinho, foi doutor pela Faculdade de Teologia da Univ. de Coimbra, cujo corpo docente chegou a integrar em 1684.
Galeria dos Retratos dos Bispos de Angra, na Sé Catedral de Angra do Heroísmo, Açores.


O Cónego Doutor António de Vasconcelos com batina talar romana e borla doutoral de Teologia e Letras (azul-escuro e branco) pousada no regaço. Discreta mistura do branco com o azul-escuro, sem que se tenha caído no desagradável efeito "bolo de noiva" popularizado nos finais da década de 1980 pela Faculdade de Economia (branco e carmezim) e à entrada do século XXI pela Faculdade de Ciências do Desporto (castanho e branco-pérola).
As insígnias "bolo de noiva" resultam essencialmente da erosão da memória institucional, da extinção das oficinas de confecção local e do insuficiente diálogo técnico entre a Casa Reitoral e a casa de confecção que ainda pratica esta arte.


O Cónego Doutor António de Vasconcelos com capelo doutoral confeccionado em 1916, por ocasião do doutoramento honoris causa que que lhe foi conferido pela Faculdade de Letras da UC. A mistura do azul-escuro com o branco tem a seguinte fundamentação: a) AV já era doutorado pela extinta Faculdade de Teologia, a cujo corpo docente pertencera; b) o azul-escuro foi a cor adoptada pela Faculdade de Letras por se ter entendido (e bem) que continuava o legado das faculdades de artes liberais; c) na tradição conimbricense, o ser-se doutorado em mais do que uma ciência implica a mistura de cores científicas.
Enfatize-se o bom gosto de AV, partilhado por outros colegas que com ele em 1911 transitaram de Teologia para Letras, patente na sóbria mistura de cores: em lugar de se misturarem as duas cores nas rosáceas, como acontecia em Matemática, os doutores de Letras fugiram ao efeito "bolo de noiva", mantendo a murça interna numa só cor e a externa na segunda cor.


Retrato de corpo inteiro de Frei Marcelino José da Silva, bispo de Macau entre 1789-1801. O prelado fez questão de retratar-se com o barrete doutoral da Faculdade de Teologia da Univ. de Coimbra, este confeccionado muito singelamente com estrutura cartonada preta quadrangular, cristas sobre a copa, franjado branco e pega de bolbos.


Selo postal de 1$00 reproduzindo a estátua do botânico Avelar Brotero


Egas Moniz com o capelo Faculdade de Medicina da UC. Selo dos correios no valor de 1$50 editado em 1974


Estola bordada a fio de ouro, com debruns, rosetas, franja e borlas de pingentes, secção de arte sacra do Palácio Nacional de Mafra.
A passamanaria rocaille, característica da gramática decorativa da segunda metade do século XVIII, afirmou-se sobretudo em oficinas conventuais onde monjas bordadeiras confeccionavam mantos para santos, capas de arsperges, dalmáticas, capelos, barretes, sapatos, estolas e reposteiros. É em peças originais do século XVIII, como sapatos episcopais, luvas, estolas e mitras preservadas em museus de arte sacra que se deve buscar alguns dos primitivos elos da gramática ornamental das insígnias doutorais conimbricenses.

Por uma carta do património insigniário e vestimentário

O trabalho de campo ralizado entre 1989-2009 revelou um património disperso, desconhecido ou mal conhecido, sobretudo não estudado nem pedagogicamente explicado, detentor de enormes potencialidades nos campos do simbólico e do artístico, com possibilidades de dinamização de projectos em rede[1].
Ao levantamento iconográfico efectuado juntam-se testemunhos insigniários dispersos pelo Museu Académico de Coimbra[2], Arquivo da Universidade de Coimbra[3], Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra[4], Museu Abade do Baçal[5], Museu Bernardino Machado e templos religiosos[6].
A elaboração de um projecto de protecção e salvaguarda da borla e capelo preenche a maior parte dos requisitos tipificados nas alíneas do artigo 17.º da Lei do Património Cultural Português (Lei n.º 107/01, de 8 de Setembro), e enquadra-se sem dificuldade em algumas das exigências constantes da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial aprovada pela UNESCO em 17.10.2003 e entrada em vigor a 20.04.2006[7].
Com efeito, o património artístico referido ao longo deste projecto ilustra os seguintes domínios:

-tradições orais locais com forte radicação em saberes transmitidos de geração em geração e vestígios expressivos na gíria académica;
-manifestações enquadráveis nas artes do espectáculo, nomeadamente a associação morfologia/cor/som/movimento que decorriam da capacidade de ocupação dos espaços urbanos históricos;
-práticas sócio-profissionais directamente imbricadas a rituais e cerimónias de passagem, investidura e publicidade de feitos académicos e científicos;
-saberes tradicionais e oficinais com capacidade de articulação e rentabilização dos contributos de bordadeiras, marceneiros, alfaiates e sapateiros[8];
-veículo privilegiado de afirmação pública da identidade profissional dos membros do corpo docente da UC e da própria Alma Mater, funcionando como ex-libris da identidade visual da instituição.

Por circular de 23.04.2007 o Ministère du Budget, des Comptes Publics et de la Fonction Publique de França determinou a criação de uma Agence du Patrimoine Immatériel com os objectivos de optimizar o impacto da gestão do património imaterial do Estado na economia, tirar partido da valorização de bens “inertes” e a partir da sua rentabilização modernizar a imagem dos serviços públicos, e prevenir o Estado e os potenciais utilizadores contra actos de perda do património[9]. Tentando aproveitar o que esta iniciativo tem de positivo, desde que se tomem medidas para garantir que o património tradicional não fica sujeito ao saque do capitalismo de massas, tudo indica que a técnica tradicional de confecção, morfologia estética e cerimonial associado ao património insigniário e vestimentário conimbricense podem ser alvo de projectos de reinvestimento local (ateliês especializados, formação de bordadeiras, turismo, dinamização de espaços históricos, qualidade de vida)[10] e de abertura à comunidade e aos cidadãos.
Um dos maiores desafios dum projecto desta natureza passaria pela elaboração de uma carta dos sítios/instituições onde foram preservados testemunhos do património insigniário e vestimentário da Alma Mater Conimbrigensis e respectiva articulação em rede virtual onde pudessem depositar informação e partilhar projectos os membros do Grupo de Coimbra e do Grupo de Coimbra das Universidades Brasileiras, o Museu Académico de Coimbra, o Museu Bernardino Machado, templos detentores de bens referidos ao longo deste trabalho e instituições onde foram assinaldas obras de arte e iconografia. Devem ficar garantidos desde o primeiro momento a elaboração de estudos especializados, a dinamização de oficinas de transmissão de conhecimentos, a produção de trabalhos monográficos, a edição de roteiros iconográficos, a reconstituição exaustiva de indumentária e insígnias, exposições materiais e virtuais e prestação de serviços educativos[11] e de fruição, e o apetrechameno do Museu Académico de Coimbra com exemplares de trajes e insígnias. A reprodução das peças do hábito talar caídas no esquecimento e o seu uso em momentos de visitas de estudo poderá constituir um dos momentos interactivos mais conseguidos.
E mesmo que nada se faça (coisa que não me surpreenderia na idade em que estou e tendo já visto o que vi), o Museu Bernardino Machado não deve acanhar-se de assumir um projecto global de restauro das insígnias doutorais, reconstituição de exemplar completo do hábito talar docente e concepção de serviços culturais e educativos correlacionados. Bernardino Machado era um gentlman e a sua memória bem merece tal cuidado.
ANOTAÇÕES
[1] A propósito do disposto no Título IV dos Estatutos de 1989, importaria superar as disposições que ficaram em letra morta como a elaboração do regulamento das cerimónias, trajes e insígnias e as indecisões quanto às insígnias reitorais, definição de trajes e insígnias para detentores de novos cargos e a questão da retoma do cerimonial específico dos graus de licenciado (formatura) e mestrado. A não criação de um conselho cultural pode empurrar a questão da identidade visual e do manual de normas gráficas para meros projectos de decalque da identidade visual das management schools e business schools. No pior dos cenários, o resultado seria uma colagem aos fascinantes efeitos especiais usados pela indústria cinematográfica e pelos serviços de protocolo das forças políticas instaladas no poder, com o cerimonial histórico substituído pela organização de eventos (protocolo).
[2] A borla vermelha do Doutor António Lopes Guimarães Pedrosa (1850-1933), de alcunha O Petiz, danificada em 17.10.1910 pela Falange Demagógica. Pontapeada desde o vestiário dos lentes e pátio da UC, seria recolhida do lado de fora da Porta Férrea e anos mais tarde oferecida ao Museu Académico. Seria o barrete usado por Guimarães Pedrosa desde o seu doutoramento realizado em 1879.
[3] Em 1955 a viúva do Doutor José Cipriano Rodrigues Dinis (1876-1954) ofertou ao AUC as insígnias doutorais de Farmácia do seu marido. Exemplar de grande importância, testemunhando a cor adoptada pela UC após a elevação da Escola de Farmácia a Faculdade, foi usada pelo seu proprietário em cerimónia colectiva honoris causa realizada em 22.03.1921.
[4] Insígnias doutorais em azul claro e branco, de Matemática, que pertenceram ao Doutor Manuel Marques Esparteiro (1893-1985).
[5] Numa visita efectuada a este museu nas férias da Páscoa de 1986 vimos uma borla branca de Teologia exposta numa vitrine.
[6] Caso da imagem de São Ivo, na Igreja do Carmo, Coimbra, que ostenta borla e capelo da antiga Faculdade de Cânones.
[7] Informações apud Pourquoi une convention?, http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?, pp. 00004 a 00007.
[8] Qu’est-ce que le patrimoine culturel immatériel?, http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?pg=00002.
[9] Sobre a APIE, vide http://www.minefi/gouv.fr/directions_services/apie7index.htm; http://fr.wikipedia.org/wiki/Agence_du_patrimoine_immat%C3A9riel_de_l%E2%80%99C3%89tal; Maurice Lévy et Jean-Pierre Jouyet, L’Économie de l’immarériel, Paris, 2006, disponível no endereço http://www.minef.fr/directions_services/sircom/technologies_info/immateriel/immateriel.pdf.
[10] Sigam-se os exemplos patenteados pelo European Institute of Cultural Routes (património gastronómico no Pays du Roquefort), http://kiem.culture-routes.lu/php/fo_index.php?view=full&Ing=en&back=%252Fphp; Jacinthe Bessière, Valorisation du patrimoine gastronomique et dynamiques de développement territorial. Le haut plateau de l’Aubrac, de pays de Roquefort et le Périgord Noir, http://ruralia.revues.org/document154.html; Arts du spectacle (comme musique, la danse et le théâtre traditionnels), http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?pg=00054; Pratiques sociales, rituels et évenements festifs, http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?=00055; Savoir-faire liés à l’artisanat traditionnel, http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?pg=00057.
[11] Sobre o papel dos serviços educativos nos museus e a acção dos agentes especializados, leia-se Teresa Duarte Martinho, Apresentar a arte. Estudo sobre monitores de visitas a exposições, Lisboa, Observatório das Actividades Culturais, 2007 (colecção Documentos de Trabalho 9).


Pormenor da ornamentação da murça interna do capelo doutoral.
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Capelo doutoral de Bernardino Machado
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Ornamentação peitoral do capelo.
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Ornamentação rocaille do capelo.
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Outro aspecto do interior da borla doutoral de Bernardino Machado, quando o azul-escuro era a cor oficial da Faculdade de Philosofia Natural (=Ciências).
Destaque para a copa dupla, o franjado longo e a estrutura cónica.
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Estrutura cartonada forrada de cetim do barrete doutoral conimbricense, sendo bem visíveis o parafuso de fixação da pega e o fundo duplo donde pendem as franjas e borlas. Conforme foi salientado no texto de desenvolvimento, apenas foi detectada técnica de confecção semelhante nos chapéus de gala dos antigos imperadores da China.
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Grande plano da borla doutoral, ornamentação da ilharga e copa e aspecto da pega com o bolbo floral aberto.
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