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sábado, 31 de julho de 2010

Abundante figuração de estudantes que vão aos estudos
Representações assinadas por Almada na fachada de acesso à Aula Magna, de tipo caricatural ou banda desenhada. Almada recria alunos e alunas, em diversas actividades, ladeando Minerva e Apolo, mas sempre em traje civil da época. Apesar de civil, e de os estudantes andarem de cabeça descoberta (na passagem da década de 1940 para os anos 50 o chapéu de feltro e boné começam a rarear no Ocidente, mantendo-se em pleno na União Soviética), algum formalismo se nota no fato masculino.
O código vestimentário do Estado Novo está lá, as alunas e professoras de saia, os professores e os alunos de fato. A calça comprida feminina intentará a sua entrada nos liceus e universidades já depois do Maio de 1968, e sempre com os reitores/reitoras e directores de faculdades muito reticentes.
O fato masculino, não sendo obrigatório para ir às aulas, era de bom tom que fosse usado nos actos de exames. Ir fazer um exame oral à Fac. de Direito sem fato civil e gravata era considerado uma ofensa à moral, aos bons costumes e aos mestres. Tudo isto parece estranho, como que a remeter para um mundo que acabou. Talvez sim talvez não, ou melhor, não completamente. Os advogados norte-americanos não pressionam ainda hoje os seus clientes e testemunhas para que se desloquem aos tribunais com fato e gravata ou roupa formal para impressionarem os juizes e os jurados? As escolas de gestão não ensinam os candidatos a futuros gestores a usarem indumentária formal o mais parecida possível com aquela que vestem os patrões e chairmans, num rito de apropriação do poder por antecipação? Não se sendo ainda aquilo que se deseja vir a ser, simula-se a vontade de ser através do culto das aparências, num estranho retorno da cultura barroca de corte, que como é sabido, não concebia o existir social sem demontração pública através de signos de poder e de riqueza como os tecidos de luxo, as jóias, o património imobiliário e os elevados níveis de consumo praticados.
Se a capa e batina, tinha algum grau de implantação na UL na década de 1950, essa radicação não está declarada na obra artística que Almada deixou na reitoria. Conclusão, se a comissão de obras aprovou os cartões de Almada onde constam grupos de estudantes à civil, ou bem que a capa e batina tinha escassa presença na UL (pelas informações de que dispomos era percentualmente muito inferior à prática de uso na UPorto e em qualquer liceu da época), ou bem que esse uso residual não foi considerado relevante para a afirmação da identidade corporativa da instituição.

sexta-feira, 30 de julho de 2010


Apolo, deus da luz, da cura, da espirutualidade, inspirador de poetas e de artistas
A seus pés, uma pouco cognoscível estrela de cinco pontas, ao gosto de Almada, e do outro um galo. O animal é mais frequentemente associado a Hermes/Mercúrio, símbolo do comércio/economia. Almada terá optado pela sua figuração, visto tratar-se de um símbolo solar por excelência.

Dracma ateniense de prata com a Athena Noctua


Atena com elmo, lança e corujinha no regaço dá de beber a Hércules


Vero aspecto da Athena Noctua


Minerva ou Palas Atheneia com elmo, lança e escudo
A inseparável corujinha, conhecida na orla mediterrânea por Athena Noctua. Esgrafitado de Almada Negreiros. A alegoria da sabedoria está rodeada por grupos de estudantes, cujo contorno a poluição foi delindo. Minerva, que em Coimbra é mais conhecida como Sapiência, está representada em inúmeras universidades. No período das ditaduras, a faceta guerreira da deusa foi acentuada, como se pode comprovar na estatuária produzida para a Cidade Universitária de Roma e para a Cidade Universitária de Coimbra (Leopoldo de Almeida).
Uma figuração erudita destes elementos fazia parte da insígnia da Academia das Ciências de Lisboa.


A coruja de Minerva
Estamos nos túneis do metropolitano e aproximamo-nos da Cidade Universitária de Lisboa. Nas obras de 1988, a pintora Vieira da Silva recebeu uma generosa encomenda de painéis de azulejo para esta estação. A ave de Minerva, que simboliza o saber e a vigilia meditativa que conduz à produção do conhecimento, anuncia a transição dos espaços. Ao sairmos do túnel, desembocamos nas imediações do palácio reitoral, síntese dos saberes construídos e reproduzidos em todo o complexo pavilhonar. Há uma atmosfera de sacralidade comedida que, no caso específico da reitoria, remete para a ideia de templo do saber ou de morada da matria do saber, Minerva.
Os pórticos da reitoria e da aula magna são majestosamente demarcados e o acesso impõe um percurso ascensional, cuja função M. Eliade evidenciou. Os registos artísticos assentam numa metalinguagem que podemos considerar património comum às universidades de raiz ocidental.
As artes aplicadas no edifício da reitoria não evocam propriamente personagens ou representações dos saberes do século XX. A narrativa pensada e aprovada oficialmente pela comissão radica na convocação sistemática de motivos heraldísticos (distinção, capital de nobreza), figuras da mitologia greco-romana (os arcanos dos saberes clássicos), alusões a uma filiação genealógica avoenga (o selo dionisiano e a questão do Studium General) e re-invenções dos saberes universitarios.
Estas obras de arte destinavam-se a afirmar publicamente a imagem corporativa da instituição, a inculcar sentimentos de temor reverencial e a ensinar uma história apoiada na visualização imediata (arte figurativa) e na leitura (legendagem epigráfica).


Retrato do professor e bispo de Cuenca, Espanha, D. José Florez Osorio
Este retrato veio publicado no site Cerimonia y Rúbrica de la Iglesia Española, http://liturgia.mforos.com/1696414/8027266-birrete-episcopal/, com sugestão de tratar-se do bonete de picos ou barrete com borla episcopal verde. Até poderá ser assim, mas a interpretação levanta dúvidas. Em primeiro lugar porque a borla verde de tipo pompom é tradicionalmente usada em Espanha pelos cónegos das catedrais e não pelos bispos. O barrete de cantos, comum às universidades e diversas hierarquias eclesiásticas ibéricas, não obedecia exactamente aos mesmos códigos cromáticos que o galero pontifical ou sombreiro verde dos bispos. Em segundo lugar, a ornamentação da copa do barrete apresenta uma espécie de pequeno florão, no que se aproxima do modelo dos doutores da Universidade de Coimbra, e uma franja de seda verde excessivamente longa. Este tipo de franja, tal e qual, está abundantemente representada em vários retratos de reitores da Universidade de Coimbra do século XVII e primeiros anos do século XVIII, na Sala do Exame Privado.
Não será este bonete um barrete doutoral? De acordo com dados biográficos colhidos por José Luís Barrio Moya - El leones D. José Florez Osorio, obispo de Cuenca durante los reinados de Felipe V e Fernando VI. In Revista de la Diputación Provincial, Volume 29, n.º 75, ano de 1989, acessível em http://www.saber.es/web/biblioteca/libros/tierras-de-leon/htm/75/4/leones.pdf, e http://dial.net.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=663937, Florez Osorio (1674-1759) estudou em Valladolid e Salamanca e na Universidade de Valladolid regeu desde 1711 as cátedras de Direito Civil (Leis) e de Direito Canónico.

Sammlung Philippi na Wiki/en la Wiki

Já aqui tínhamos dado notícia detalhada do importante site de Dieter Philippi, em língua alemã, que gere em linha a maior colecção mundial de chapelaria eclesiástica e religiosa, a que não faltam cobre-cabeças de algumas universidades.
Não por acaso, este site é diariamente consultado e lido por milhares de investigadores de todo o mundo que não encontram resposta nos museus.
Em 2009 o gestor da colecção editou um catálogo ricamente ilustrado, também aqui noticiado, a que demos contributo.
Dieter Philipe acaba de dar um novo passo, no sentido de tornar os textos multilingues. Para já, inglês e espanhol, com algumas possibilidades de tradução de legendas em português.
Uma primeira incursão na WIKIPEDIA acaba de ser tentada através da comunicação SAMMLUNG PHLIPPI, acessível no endereço http://www.dieter-philippi/wiki/Sammlung_Philippi

quarta-feira, 28 de julho de 2010


Edifício da FL/UL
Alto relevo em pedra com figuração das musas greco-romanas das artes e letras, Clio, Erato e Calíope. No período de criação das universidades, as musas foram amplamente tratadas pelos canteiros que trabalharam nas catedrais e pelos iluminadores de códices. Porém, as abordagens realizadas no âmbito das disciplinas do Trivium e do Quadrivium não respeitavam os cânones clássicos nem sequer os atributos das musas. Novas figurações emergem para a música, astronomia, aritmética, gramática, retórica e dialética. Na transição para o Renascimento, em Itália, as alegorias medievais dos saberes são apropriadas pelo comércio das cartas de jogar. Um dos mais notáveis é o chamado Tarot de Mantegna. Na lição da FL/UL, os escultores regressam aos atributos romanos.
A FL/UL conserva um acervo artístico bastante significativo, que evoca o Curso Superior de Letras (estátua de vulto de D. Pedro V), viaja pelos arcanos clássicos e aflora trechos bíblicos, a gesta de Prometeu, a Divina Comédia, Hamlet, D. Quixote ou os Maias de Eça.


António Duarte, na fachada da FD/UL: Moisés, a Justiça e a Família num registo hierático e talhe duríssimo, cuja evidente influência ideológica o autor tentou negar já depois de 1974


Alto relevo figurativo na fachada da FD/UL alusivo à Lei e à Paz


O Código de Hamurabi e o êxodo hebraico no Egipto
Recriação narrativa, com arrumação em quadros diacrónicos dispostos em estratos verticais e leitura linear da esquerda para a direita. Reactualização de formas comunicacionais amplamente testadas nos templos faraónicos e nas catedrais medievais.


A História do Direito começa na Suméria
Peristilo da Faculdade de Direito da UL. Com assinatura e esgrafitos de Almada Negreiros sobre placas de mármore serrado, a narrativa do Direito e das Leis começa na Suméria com Hamurabi e o acto demiúrgico de Samash. Segue-se longo cortejo de figurantes, com trânsito pela Grécia, Roma, Idade Média, Renascença, Modernidade e Liberalismo Constitucional.
Os contributos da Revolução Francesa e o republicanismo serão esquecidos, ou pelo menos tratados com alguma discretude.
Datadas de 1958, as obras de arte da FD/UL sacralizam no bronze, na pedra e noutros materiais considerados nobres, bem como no constante registo epigráfico a mensagem político-pedagógica que o Estado Novo reproduzia sobre o papel social da universidade. Nem sempre os cenários e guarda-roupa estão correctos, pormenor técnico que à luz da época não era considerado fulcral para a credibilização do objecto. Hollywood também cometia anacronismos frequentes em cenários e guarda-roupa e ninguém levava a mal no jogo dos simulacros e simulações. O filme histórico hollywoodesco como que encontra na decoração dos edifícios públicos dos regimes autoritários europeus uma espécie de réplica. Seja como for, as artes aplicadas do período áureo do Estado Novo não permitem descodificações ambíguas.
O programa decorativo da FD/UL contém informação relevante sobre a ideologia do regime político de então e as representações mentais do professorado do ensino superior. Desde logo reflectindo uma prática discursiva metódico-positivista, assente na concatenação linear de factos, na evocação dos grandes reformadores e reformas notáveis, que lia a história como a marcha de um combóio sobre uma linha a direito. Não era uma história das instituições, mas antes uma narrativa político-jurídica letrada, que ainda se prolongaria no após 1974 em certos manuais da especialidade. Alguns dos quadros e temas narrados neste pórtico ocorrem também em edifícios de tribunais construídos entre as décadas de 1940-1970, mais não seja pelo facto de artistas como Almada, António Duarte ou António Lino terem trabalhado na Cidade Universitária de Lisboa e em palácios de justiça.