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sábado, 4 de fevereiro de 2012

Património académico: Capa de lente da Univ. de Coimbra
Integra o acervo do Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, n.º de Inv. AZ 476, disponível em http://www.matriznet.ipmuseus.pt/. O preenchimento dos diversos campos da ficha de inventário em linha suscita-nos grande reserva. Quanto à "supercategoria", troco de bom grado "etnologia" por indumentária profissional  ou mesma alfaitaria. Quanto à denominação, "capa" não informa convenientemente. Mais rigor há em "capa de lente da Universidade de Coimbra". Aceita-se a cronologia proposta, primeiro o século XX, e dentro destas balizas 1953 para a data de entrega da obra manufaturada pelo alfaiate Pinto de Figueiredo ao Prof. Jorge Dias. Nada a acrescentar de importante sobre o tecido, salvo que a sarja não é textil próprio para vestes de gala, desvalorização patrimonial que decorre do processo de vulgarização do hábito talar da Universidade de Coimbra nos inícios do século XX. Sobre as medidas registadas na ficha de inventário, novas reservas. Altura tirada em que ponto (frente, centro das costas, do rebordo do ombro à bainha inferior) e largura medida em que partes (bainha inferior, perímetro dos ombros, base do colarinho)?? O registo de medidas deve ser efectuado exatamente conforme os procedimentos de alfaitaria, não cabendo ao técnico de museu inventar para pior práticas multissecularmente consagradas. Passando ao campo "descrição", não subscrevo o texto.
Diríamos de olhos fechados: 1) capa talar composta por dois panos costurados à máquina, colarinho degolado (cós é nas saias, calças e calções) e cordão de borlas; 2) embainhada e pespontada na bainha inferior e nas bainhas verticais dianteiras; 3) colarinho raso, entretelado e pespontado, sem orla nem gola; cordão preto de sirgaria, em seda, unido na frente por argolinha forrada e rematado por duas borlas franjadas (tradicionalmente encomendados nas casas de passamanaria e retrosarias do Porto); 4) trata-se do modelo de capa habitualmente usada pelos docentes da Universidade de Coimbra, extensível à equipa reitoral; 5) esta capa é sempre usada em conjunto com a batina de lente ou abatina que no acervo do Museu Nacional de Etnologia tem o n.º de Inv. AZ 475 e vem referenciada como "casaca"; 6) o modelo de capa referenciada é conhecido desde o século XVI, tendo sido usado pelos jesuítas e padres de diversas congregações como abafo do hábito ordinário; 7) em Espanha esta peça de indumentária é designada por "manteo español", reducionismo nacionalista de que discordo pois foi usada em Portugal, Espanha, Itália, França e até nas missões ultramarinas; 8) são conhecidas duas variantes do "mantéu espanhol": a capa talar deltóide, de pregueado muito amplo, que se podia traçar (ou terciar) e apanhar na dianteira mediante junção das pontas das abas (já se detalhou o modo de confecção quando se abordou a capa do Prof. Bernardino Machado); o meio mantéu, de corte semicircular, costurado apenas com dois panos, com pouco panejamento, sendo mais dificil de traçar ou terciar; 9) a capa conimbricense patente na fotografia, atentas as suas proporções e volumetria, é claramente um meio mantéu; 10) o cordão fixa-se sempre no forro do colarinho, mas apenas na linha do cachaço, sendo que para vestir a capa se enfia da cabeça para os ombros; 11) o segredo de confecção desta capa reside na capacidade de moldar os ombros, afeiçoar o pano ao colarinho e acertar a horizontalidade da bainha inferior (nem embicada na frente, nem pingona atrás, nem de meia anqueta, aleijões que dizem de quem a faz e do esmero do portador); 12) o gracioso efeito de repuxado sobre o ventre era feito graças à junção das pontas dianteiras das duas abas ou ao lançar da aba direita sobre o ventre como se fora avental, cujas pontas de enrolavam na mão esquerda (não explicarei aqui a técnica de embiocar ou embuçar a capa que se fazia a partir da fixação do colarinho sobre a testa e do cruzamento das pontas das abas).
Sobre a "origem" desta peça, o texto disponibilizado não faz sentido.
Peças relacionadas:
-o mantéu grande ou de gala está totalmente caído em desuso no clero católico português mas ainda é confecionado e usado em Espanha;
-o meio mantéu está completamente caído em desuso entre os clérigos espanhóis, apenas subsistindo entre o professorado da Universidade de Coimbra, com alguma derivação na Universidade Católica Portuguesa (a título de hábito ordinário para prestação de provas de doutoramento e em fase inicial de carreira académica, sendo depois substituído por uma toga corporativa), na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e em alguns docentes da Universidade do Porto (ex: Fac. de Letras);
-existem exemplares originais do mantéu grande no Museu Bernardino Machado/VNFamalicão (pertenceu ao hábito talar do Prof. Bernardino Machado enquanto docente da Fac. de Filosofia Natural da Univ. de Coimbra) e no Museu de História Natural da Fac. de Ciências da Univ. do Porto/edifício da Reitoria (pertenceu ao traje de Venceslau de Lima, doutorado pela Univ. de Coimbra e docente da Academia Politécnica do Porto).

Património académico ibérico: retrato do Padre Doutor Landislau Gil de la Serna y Martín Blas, conhecido por Manuel Gil Martín (1876-1936), nascido e formado em Toledo. Padre e professor em Toledo. Fuzilado em 1936. Fotografado em hábito talar romano (batina talar e manteo español), luvas brancas (guantes), muceta e birrete laureado. Nas universidades históricas da Pensínsula Ibérica os hábitos talares do clero regular e os hábitos talares do clero secular são para todos os efeitos equivalentes às vestes professorais e reitorais, podendo usar-se com as respetivas insígnias. Na atualidade esta tradição está praticamente caída em desuso, embora seja expressamente referida na legislação universitária espanhola e nas tradições orais da Universidade de Coimbra. A única diferença entre a tradição espanhola e a tradição de Coimbra é a seguinte: os graduados espanhóis costumam usar insígnias completas com o hábito talar religioso, enquanto que em Coimbra os graduados têm privilégio de uso de barrete com dispensa de capelo. Daqui vem a "misteriosa" tradição dos reitores e vice-reitores de Coimbra usarem borla sem capelo, costume consolidado durante séculos por reitores eclesiásticos. Tudo o mais que se diga e escreva sobre o referido costume é pura fantasia.
Fonte: http://www.persecusionreligiosa.es/toledo/

Recordação de Coimbra (2): Doutor em Medicina pela Universidade de Coimbra com hábito talar e insígnias doutorais. Posição erecta de desfilante em cortejo. Acervo do Museu de Arte Popular, ficha de Inv. CER 164/83, com as mesmas lacunas apontadas ao professor de Ciências Naturais na postagem seguinte.

Recordação de Coimbra (1)
Figurinha de vulto, em barro moldado manualmente e pintado a pincel, oriunda de oficina de olaria conimbricense. Integra o acervo do Museu de Arte Popular, n.º de Inv. CER 162/83. Disponível em http://www.matriznet.ipmuseus.pt/. Ficha muito incompleta e com erros.
Quanto à "Supercategoria", em vez de "etnologia" é mais correto registar artesanato. Quanto à "Categoria", fica mais escorreito "escultura cerâmica vernácula". Relativamente à data, confirma-se o século XX, e mais especificamente o modus faciendi das décadas de 1930-1940, dado que nas décadas de 1950-1980 a produção destas figurinhas entra em rarefacção e as que subsistem para a tipologia "estudante de Coimbra" vegetam numa exercitação kitsch de gosto duvidoso. A própria pigmentação, grossa e baça aponta para um tempo anterior à década de 1950, a última crescentemente marcada por pigmentos industriais, brilhantes e de textura fina.
No campo "Dimensões", haverá que precisar melhor os dados. 16,5cm de altura inclui a peanha? 5,5com é tirado junto da peanha, da bainha da capa, dos cotovelos, dos ombros ou da cabeça?
O campo descrição é o menos conseguido e contém erros resultantes de desconhecimento do conjunto indumentário, do conjunto insigniário e do património simbólico da Universidade de Coimbra. O texto existente é o seguinte: «Figura masculina, sobre peanha baixa de fundo esverdeado, com os lados pintados de preto. Num dos lados da peanha (frente da figura) está pintado a branco: "RECORDAÇÃO DE COIMBRA". A figura tem sapatos pretos. Capa e batina também preta. Estola azul. Capelo com borla também em azul. As mãos seguram na barriga parte da capa enrolada».
Vejamos:
1-A figura masculina é um Doutor em Ciências pela Universidade de Coimbra;
2-Enverga hábito talar masculino, conforme ao modelo adotado pela Universidade de Coimbra em 1915, que resultou da reforma republicana de outro mais complexo usado durante o período da Monarquia Constitucional;
3-O hábito talar está corretamente figurado, apresentando as duas peças principais (capa talar+abatina ou batina de lente), e as peças secundárias que são obrigatoriamente harmonizadas com as principais (sapatos pretos de pele, meias pretas, camisa branca sem gravata alguma, e luvas, sendo as últimas de porte facultativo);
4-O hábito talar referenciado é de porte comum a todas as categorias de docentes da Universidade de Coimbra, do monitor ao assistente e ao catedrático, apenas divergindo numa das peças secundárias do conjunto (saia para professoras, calças compridas para professores, podendo os professores de dignidade eclesiástica usar calções com batina romana se assim quiserem);
5-Estando o hábito talar corrente figurado conjuntamente com as insígnias doutorais, conclui-se que nessa peculiar circunstância tem equivalência a traje profissional de gala, pese embora o fato de ser confeccionado em lã e botões de massa, traduzindo assim a flexibilização da etiqueta clássica que exigia confeção em pano de boa seda e botões forrados;
6-Não há estola nenhuma nesta escultura, nem das insígnias dos graus académicos da Universidade de Coimbra constam estolas. Até 1834 existiram becas em alguns colégios, semelhantes às dos colégios universitários e seminários católicos de Espanha, mas a diferença técnica entre beca e estola está de tal modo clarificada que não merece delonga;
7-Não existe estola mas existe capelo doutoral na cor institucional da Faculdade de Ciências (excluídas as áreas afetas a Matemática), insígnia multissecular própria dos que colam o grau de doutor, de confecção artesanal em seda, cetim e passamanaria armada na frente da murça e da sobremurça. Por conseguinte, a insígnia que adorna os ombros da escultura é o capelo de dupla murça e capuz dorsal e não uma "estola". A cor científica é o azul claro, pois que o azul escuro está reservado institucionalmente às Artes Liberais (humanidades);
8-"Capelo com borla também em azul" não existe. O que existe é o barrete doutoral cilindriforme, adornado de passamanaria e laurea de borlas, rematado com pega superior, também em azul claro;
9-Capa repuxada na dianteira e presa sobre o ventre, modo caraterístico de segurar e de desfilar em cortejo dos clérigos e académicos ibéricos.
Campos relacionados: no acervo do Museu de Arte Popular existe ainda um doutor de Medicina, proveniente da mesma oficina de olaria conimbricense, cuja ficha de inventário contém erros. Coleção mais completa e de marcada originalidade pode ser visitada no Museu Académico de Coimbra, onde não falta a assinatura de António Augusto Gonçalves, com possibilidade de rastrear os primórdios oitocentistas deste tipo de bonecos posicionados algures entre a verve de Bordalo Pinheiro e a veia criativa de Honoré Daumier. Figurinha graciosa, bem proporcionada, de traço naturalista (tirado por obervação visual e por fotografia ou postal ilustrado), traduzindo o artesão correto conhecimento da cultura académica local.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

IX Encuentro de Responsables de Protocolo de Universidades Españolas
III Encontro Hispano-Luso de Protocolo Universitário
Cartaz promocional do encontro agendado para a Universidad Católica de San Antonio de Murcia nos dias 25 a 28 de abril de 2012.
Mais informação sobre alojamento, contatos e programa: http://www.ucam.edu.congresos/xi-encuentros-protocolo/

Estudante da Universidade de Coimbra envergando capa e batina. Postura erecta, com guitarra ao colo. Escultura em madeira pintada. Os braços e a guitarra são amovíveis. 19cm de altura. Trabalho da autoria do artista D. Thomaz de Mello (1906-1990), conhecido por Tom. Incursão inscrita nas abordagens de temas populares, etnográficos e "castiços" aceitáveis pela produção cultural oficial do Estado Novo. Caricaturista, cenarista, autor de bd, Tom colaborou intensamente com António Ferro e o SNI. Na afloração dos trajes ditos "típicos" produziu diversos bonecos ataviados com trajes regionais. Há notícia de mais do que um estudante da Universidade de Coimbra/tuno, assinados por Tom, posicionados nas fronteiras da iconografia consagrada desde o naturalismo de finais de século XIX. Não obstante o escorso minimalista, são sempre figurinhas reconhecíveis mas não redutíveis ao exercício kistch então imperante nos barros e "bonecros" de vestir. O exercício iconográfico é em geral marcado pela falta de rigor epocal: num caso boina espalmada sobre a cabeça em vez do velho gorro de manga; em todas as situações conhecidas, batina de carcela fechada e bainha pela meia perna, de belo efeito visual mas falseando a realidade.
No acervo do Museu de Arte Popular existe um boneco idêntico (n.º Inv. OBJ ART DEC COM 50/04), disponível em http://www.matriznet.ipmuseus.pt/

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Retrato de Fray Domingo de Santo Tomás (Sevilha, 1499; La Plata/Bolívia, 1570), datável de circa 1560. Figuração do barrete doutoral laureado com borlas brancas de Sagrada Teologia e pega superior.
Fonte: acervo do Museo de Arte de San Marcos

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Património académico ibérico e hispano-luso: retrato a óleo do Doutor Florencio Ballarín y Causada (1801-1887). Licenciado em Filosofia e Letras, doutor em Medicina, Farmácia e Ciências Naturais. Foi professor catedrático na Univ. de Huesca e reitor da Univ. de Zaragoza. Veste toga preta talar com punhos de renda branca. Murça de cetim com capuz dorsal, em azul (azul escuro de Ciências). No regaço, barrete doutoral laureado, com mistura de cores (azul de Ciências e amarelo de Medicina), estando omisso o roxo (morado) de Farmácia. O barrete mantém a antiga pega ou florão que sobreviveu nalgumas universidades espanholas até finais do século XIX (caso de Sevilha) e nas faculdades de Teologia do sul de Espanha.
Fonte: acervo patrimonial da Univ. de Zaragoza, http://moncayo.unizar.es/web/patrimonioartistico/

Retrato do reitor de Huesca, Pedro María Ric y Monserrat, revestido com a antiga toga talar de dois corpos. Barrete doutoral quadrangular forrado de passamanaria à base de franjado e pega (se não soubessemos tratar-se da Universidade de Huesca, facilmente diríamos ser o barrete doutoral conimbricense que a reforma pombalina preteriu).
Fonte: Fonz/Hijos Ilustres, http://www.fonz.es/

Património académico ibérico: barrete doutoral com franjado e pega conforme modelo barroco usado nas universidades da Espanha continental, Coimbra e universidades da América espanhola. Pertenceu a Pedro María Ric y Monserrat (1776-1831), aluno, docente e reitor da Universidade de Huesca (Aragão).
Fonte: acervo museológico do Palacio de los Barones de Valdeolivos. Fotografia de Arturo-José Muñoz, http://www.asociacionlossitios.com/

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Retrato de Don Juan Alvarez Cordero, dirigente político em Tui (onde foi alcalde) e notabilidade galega, aqui com a toga judiciário-académica e o barrete hexagonal de licenciado em Farmácia (estrutura cartonada forrada de tecido preto, borla de tipo pompom em seda roxa [morado], dado que os barretes laureados estão tradicionalmente reservados aos doutores). Toga com estolas de veludo e mangão sem o convencional balão que vinha da costura dos ombros até aos cotovelos.
Fonte: http://albumdeprensadeallbertoestvespia.blogspot.com/

domingo, 29 de janeiro de 2012

Estação Ferroviária de Lisboa-Santa Apolónia: resquícios do antigo fardamento corporativo correspondente a modelos oitocentistas/novecentistas.
Fotografia captada em 23.11.2011