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quinta-feira, 29 de agosto de 2019



Dúvidas sobre os trajes de bedel (sécs. XVII e XVIII)

Caro João Durães

Não há uma resposta única para o que seriam os trajes de bedel na Europa e na América dos séculos XVII e XVIII.
No caso dos auxiliares de cerimónias religiosas católicas importa ver com cuidado o significado de opa. Tanto eram opas túnicas sem mangas vestidas pelos membros das irmandades, como também eram opas as complexas vestes de seda das santas casas de misericórdia. Existem gravuras coloridas de época e fotografias do século XIX que documentam em Itália, Espanha, Grã-Bretanha e França como eram as antigas vestes de bedel nas universidades, sinagogas e catedrais. No geral eram vestes do tipo toga / túnica com barrete e insígnias da arte. No caso específico da Universidade de Coimbra, as antigas vestes de bedel que constam nos Estatutos não eram o traje palaciano de capa e espada mas sim a loba, uma complexa veste talar de dois corpos sobrepostos que admitia pelo menos 3 variantes morfológicas. No caso de Espanha, pelo menos nas procissões do Corpus Christi alguns cabidos catedralícios mantiveram a indumentária específica dos maceiros e dos pertigueros (bedéis, porta-varas). Nas catedrais anglicanas essa tradição ainda mantém acentuado vigor.
Espanha: Leia informação complementar em https://liturgia.mforos.com/1699102/8004367-pertigueros-maceros-y-pajes-de-hachas/. Para o contexto anglo-saxónico pode pesquisar "cathedral vergers").
Alemanhahttp://philippi-collection.blogspot.com/2011/04/barett-of-kirchenschweizer.html
O traje usado na atualidade pelos bedéis da UC não é minimamente fiável para fins comparativos, uma vez que o que se vê nos filmes do youtube e em fotografias editadas na internet é um vulgar traje de passeio com uma capa que não corresponde às caraterísticas do traje de capa e espada requerido pela etiqueta.

A "opa de bedel" sinalizada nos documentos poderia ter alguma semelhança com os hábitos dos camareiros e oficiais da corte papal, por exemplo, com o traje de porta sedia (sediari) que se usou até finais da década de 1970:

Fotografia storica militare / la corte e i cardinale / famiglia pontifícia, https://myarchiviostoricofotografico.com/2019/01/cardinali-e-personaggi/


Bedéis de igreja com maças de prata, vestindo os hábitos talares do ofício e barrete. Cortejo fúnebre de Carlos XIII, duque da Lorena, em Nancy, no ano de 1608. No essencial corresponde à morfologia observada para a mesma época em trajes italianos, espanhóis, franceses e portugueses para uso em universidades, tribunais e catedrais. A "verger gown" anglo-saxónica ainda mantém as linhas básicas desta veste. Já divulgamos neste blogue este tipo de veste, tendo em conta um exemplar completo que pertenceu a São Vicente de Paula. Cópia oitocentista do original, anunciada para venda, https://www.akg-images.com/CS.aspx?VP3=SearchResult&VBID=2UMESQ5G2XA5V9.

Reitor, decanos e bedéis da Universidade de Perpignan, França, finais do século XVIII (ca. 1787), disponível em https://www.mairie-perpignan.fr/fr/culture/patrimoine/monuments/lancienne-universite

O traje referenciado no documento pode ser do tipo supra, neste caso loba fechada de dois corpos, barrete de Teologia/Filosofia e beca de ombros, conforme usança nos colégios maiores de algumas universidades espanholas (ex: Valladolid), e em colégios superiores da América espanhola que concediam graus académicos. Como traje de alguns seminários episcopais sobreviveu em Espanha até à década de 1960. A sobreveste podia ser preta, vermelha, azul e castanha (pardacenta), em tecidos que iam da lã fina, à sarja, ao adamascado e à seda lavrada. É a este tipo de indumentária que se referem os velhos estatutos da UC quando mencionam lobas para bedéis.
Retrato setecentista integrado no Museu del Virreino / Universidad Nacional de México, http://pem.facmed.unam.mx/index.php/salas/pinacoteca-virreinal


A referência documental deve reportar-se ao tipo de indumentária fixado nesta imagem. Bedel (pertiguero) da catedral e basílica de Barcelona com a antiga veste talar e maça de prata do ofício. Traja chapéu quinhentista à Filipe II (ainda hoje usado pelos maceiros municipais de Pamplona), loba de dois corpos (a interna em veludo escuro; a sobreveste em seda lavrada de padrão banco?), beca de compridas pontas dorsais e gorjeira à século XVII. Nos acessórios, luvas brancas, calções, meias altas e sapatos pretos de fivela de prata. Fotografia de 1916.




terça-feira, 27 de agosto de 2019


Representações de São Cosme e São Damião

Imagens sacras em madeira entalhada, estofada e policromada de São Ivo e São Cosme, venerados como santos médicos. São por vezes figurados na arte sacra luso-brasileira e hispano-americana como médicos com vestes talares universitária e insígnias doutorais de Medicina.
Estas duas imagens parecem replicar outras duas, do século XVII (?) existentes na igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da cidade do Recife / Brasil.
Ostentam os barretes com franjas de seda amarelas, cor científica da Medicina em Portugal e em Espanha. Vestem o famoso traje talar multissecular de loba fechada (ou cerrada), composta por duas amplas túnicas pretas, ou uma em preto e a outra em castanho, de vestir e despir pela cabeça. A veste de baixo, designada sotaina, tinha carcelas sobre o peito e nas bocamangas. A sobreveste (beca, garnacha fechada) tinha largas cavas para a saída dos braços e falsas mangas pendentes.
Sinalização não identificada, disponível em http://santossanctorum.blogspot.com/2010/09/sao-cosme-e-sao-damiao.html

 As imagens recifianas, já anteriormente editadas.


Imagem sacra (Mafra)

Imagem de vulto, de Santo Ivo (?) com hábito de coro e insígnias doutorais conforme as usadas na Faculdade de Direito Canónico da Universidade de Coimbra. Altar, igreja do convento de Mafra, Portugal, século XVIII. Capelo de duas murças, com capuz e alamares. Barrete quadrangular com láurea barroca e pega.


 Exemplo de trabalho de passamanaria em fio de ouro, aplicado em frontal de altar, museu de arte sacra, convento de Mafra / Portugal. Ornamentação com galão de florinhas, franjas torsas e de pingentes florais, comum ao barrete doutoral conimbricense.