Virtual Memories

sábado, 10 de setembro de 2022

Mistura de cores /mezcla de colores academicos

 

Na tradição das universidades ibéricas e ibero-americanas fundadas até finais do século XVIII foi habitual a mistura de cores distintivas das várias ciências, as quais deveriam estar visíveis nas insígnias correspondentres aos graus de bacharel, licenciado, mestre e doutor. Neste caso, quadro a óleo proveniente do México / século XVIII, relacionado com um doutor em Leis e Cânones pela Real e Pontífica Universidade do Vice Reino da Nova Espanha / México, com distinção das cores verde+vermelho no barrete e no capelo (representação de São Raimundo de Penaforte).



terça-feira, 6 de setembro de 2022

Alterações no dress code de Oxford e Cambridge


Por cá patina-se na maionese. Os dress codes elaborados por grupos ad hoc de estudantes consagraram um mundo de disposições vestimentárias assentes no princípio clássico da discriminação de género segundo o qual homem que é homem veste calças e mulher que é mulher veste saias. Esta visão é relativamente recente, remontando apenas ao século XIX, inspirada pela uniformologia militar. Nos finais do século XX foi alimentada por propostas de designers nem sempre as mais felizes e por um impressionante conjunto de proibições que na era liberal seriam insuscetíveis de regulamentação. Chega a ser ridículo o que se pretende proibir e regulamentar.

Em Coimbra ficou célebre a resposta dada pelo bispo e professor D. António Aires de Gouveia ao reitor Basílio de Sousa Pinto. Gouveia usava bigodaça numa época em que a Polícia Académica fiscalizava os bigodes por ordem do conselho de decanos. Tampouco era bem visto socialmente que um padre ou um bispo usassem barbas, andando em geral os elementos do clero de caras escanhoadas. Interpelado pelo reitor, Gouveia ficou famoso por ter respondido "Na minha cara mando eu!"

Vem tudo isto a propósito de em 2012 a Universidade de Oxford ter reformado oficialmente o dresse code associado aos atos e cerimónias académicas que envolvem estudantes. Tradicionalmente as peças básicas do traje académico (toga, barrete, capelo) eram usadas com traje civil preto, calças compridas para os alunos, saia para as alunas. Respondendo a um pedido de estudantes que visavam acabar com a discriminação de género, o saio ou as calças compridas passaram a ser utilizadas pelos estudantes independentemente do seu género. No ano seguinte, em 2013, e seguindo a posição adotada por Oxford, a Universidade de Cambridge alterou o seu dress code. Não deixa de ter graça lembrar que na escocesa Univ. de Saint Andrews o saio já era usado nos atos académicos solenes.

Que se saiba, nenhuma destas alterações foi referida em Portugal, cujas academias continuam alegremente a seguir disposições integradas em articulados que nunca foram discutidas nem aprovadas oficialmente pelos órgãos de governo das universidades e institutos politécnicos. Basta fazer uma pesquisa em "estatutos" associado às palavras universidade e politécnico. Publicações disponíveis na internet confirmam que na Academia do Minho, o organismo estudantil "Cabido dos Cardeais" aprovou em 05.07.2021 um resolução segundo a qual o traje académico pode ser vestido por qualquer estudante matriculado independemente da dicotomia clássica masculino / feminino. A decisão é pioneira e interessante, mas lida com matéria complexa, se tivermos em linha de conta que o traje do tricórnio instaura no momento alfa da sua origem uma vincada dicotomia M / F assente na diferenciação de peças nucleares básicas como sejam saia / calções. Seria seguramente mais fácil discutir a situação quando as peças nucleares são unissexo como acontece com os corpos discentes das universidades, magistraturas judiciais e ordens de advogados onde a toga / beca é a mesma.

Nos idos de 1988-1990 tentamos sensibilizar um grupo restrito de alunas para a importância de se proceder ao debate dos seguintes desafios: a) seguindo o exemplo das universidades anglo-saxónicas, converter as peças nucleares do traje em elementos unissexo; b) quanto às peças secundárias do traje, começar a generalizar o uso de calças compridas, pelo menos nos meses de inverno, tendo em conta que várias corporações profissionais ocidentais já tinham generalizado os uniformes femininos com calças compridas; c) quanto aos tecidos e formas, pensar em soluções funcionais (confortáveis) e esteticamente felizes. O resultado destas conversas foi dececionante. Que não estava no código. Que era melhor não armar problemas. 

E pronto, enquanto uns se ocupam com tatuagens, piercings e brincos, outros resolvem problemas relacionados com a discriminação. Aqui, vamos pelos britânicos.

Retrato de desconhecidos

 

Retrato de estudantes da Universidade de Coimbra, não identificados, finais do século XIX. Cliché de Sartorio / Coimbra / Rua de Sub-Ripas n.º 14 / sem data. [entre 1870-1880]. Presentes dois estudantes do sexo masculino com capa e batina. Abatina de golas, muito comum nas décadas de 1870-1880. Relógio de bolso visível. Capa debruada. No verso: "Adelino Novais ao centro da photographia".



segunda-feira, 5 de setembro de 2022

D. António Alves Martins

 

Raríssima fotografia do bispo de Viseu /Portugal, D. António Alves Martins (1808-1882), professor, político liberal, religioso católico e coordenador de serviços de enfermagem.

Carte-visite realizada em Lisboa (?) na década de 1870.

A indumentária corresponde à versão portuguesa do traje de abatina para elementos do clero secular romano: sapatos pretos de fivela de prata; meias de seda cor-de-rosa; calções pretos de seda avivados; redingote preto de seda avivado nas bainhas e orlas (colarinhos, bocamangas, portinholas dos bolsos); colete preto, de seda; cabeção preto e volta branca; solideu episcopal; mantéu romano curto à francesa, em seda preta, com cós plissado; capelo romano (saturno) de castorina, com cordões e bolotas verdes (?); cruz peitoral em ouro. Esta fotografia serviu de base a uma caricatura desenhada por Bordallo Pinheiro no Álbum das Glórias (1881), e foi a fonte direta da estátua de bonze deste prelado ereta em Viseu.

Há três elementos neste conjunto indumentário que confirmam o ideário liberal constitucional de D. António Alves Martins e a sua vontade de distanciamente do clero ultramontano romano: a abatina curtinha e desabotada; o capelo romano de aba curtinha, dito saturno, que desde as décadas de 1850-1860 vinha a substituir o antigo chapeirão de abas (tricórnio); o não uso da chamarra romana na via pública, hábito privado que na década de 1850 fora generalizado na corte pontifícia.