Virtual Memories

quarta-feira, 25 de maio de 2011



Formatura do médicos na Universidade de Adelaide, 1891. Entre os graduandos encontra-se a primeira mulher formada pela Universidade de Adelaide, Austrália, Laura Fowler, que usa o mesmo traje dos seus colegas.

Coimbra, Universidade de Coimbra, década de 1890: Domitila de Carvalho frequenta vários cursos e apresenta-se à cerimónia de tomada de grau à civil. Ouvido o governo, a Reitoria determina que use traje civil. Em fotografia de época, Domitila de Carvalho enverga vestido comprido, capa e pasta com fitas. Não se pode dizer que isto seja novidade em Portugal. Em 1884 matriculara-se na Academia Politécnica do Porto Maria Leite da Silva Tavares, de Santa Maria da Feira, de que remanesceu fotografia com vestido comprido, capa traçada e pasta com fitas. Maria Tavares antecedeu o paradigma glosado por Domitila. Mulheres em busca da construção de uma imagem e de uma identidade no ensino superior. Uma capa deitada sobre indumentária civil? Bom mas isso era em muitas terras de Portugal um dos trajes domingueiros mais apreciados e valorizados, sendo algumas dessas capas ricamente ornamentadas. A resposta institucional mais adequada? Considerando a resposta dada pelas universidades anglo-saxónicas, a resposta conimbricense parece-nos francamente limitada, sexista e conservadora. Antes de 1938 as alunas não farão parte de organismos culturais estudantis nem franquearão as portas da sua associação académica. Eis uma lacuna um pouco difícil de explicar numa associação de estudantes cuja memória está intimanente ligada a valores republicanos e progressistas.



Alunas com toga e barrete formadas em 1896 pela Universidade de Saint Andrews, na Escócia.

A primeira aluna matriculou-se nesta universidade em 1892 e graduou-se em 1895. À semelhança do que estava a acontecer nas demais universidades anglo-saxónicas - EUA, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Grã-Bretanha - Saint Andrews transformou o traje tradicional masculino em traje unissexo, o mesmo acontecendo com as insígnia dos graus.

A resposta anglo-saxónica à entrada das mulheres para o ensino superior estendeu-se às actividades culturais e desportivas. Na década de 1890 várias foram as universidades que incentivaram ou reconheceram institucionalmente a existência de clubes femininos e de equipas desportivas (ténis, remo, basquete). Estas soluções estão muito distanciadas das respostas dadas pelos estabelecimentos de ensino superior portugueses à presença feminina.

domingo, 22 de maio de 2011




Retrato do estudante da Faculdade de Direito e poeta António Feijó (1859-1917)

Ficou bacharel em 1883. Carte visite em capa e batina e pasta de luxo com as sacramentais fitas em vermelho moiré. O colarinho da batina é talhado propositadamente muito baixo para fazer sobressair os colarinhos altos das camisas e não raro os plastrons.

Cartaz promocional do filme Capas Negras, 1947
Em evidência a guitarra de Coimbra de morfologia anterior à reformação levada a cabo por Artur Paredes.

Acervo do Museu Académico de Coimbra

Cartaz ilustrado do fime de costumes Capas Negras



Estreado em 1947, o filme e a banda sonora conquistaram imediato sucesso nos auditórios nacionais e internacionais. Parcialmente filmado em Coimbra, Capas Negras integrava elementos do imaginário popular e académico, mas conferindo-lhes um tratamento que apesar de alinhado com a política do espírito proposta pelo Estado Novo não traduzia o modus vivendi académico. Este desacerto entre o "espírito académico", a sacralidade inerente à prática da serenata, e o guião do filme, suscitou um coro de protestos em todos os quadrantes culturais e políticos da Academia de Coimbra cujos ecos chegaram à década de 1980 e só agora se começam a esbater. Poucos serão os estudantes vivos que presenciaram as filmagens. Um deles será o Dr. Augusto Camacho Vieira. Só muito recentemente, já dobrada primeira metade da década de 1990, é que a Canção Avril au Portugal deixou de ser um tema maldito para se converter num símbolo mediático da Academia de Coimbra posmoderna.


Os clamores em torno dos argumentos fílmicos emergem sempre que são abordados temas melindrosos ou quando o autor do guião não tem o cuidado de se documentar satisfatoriamente sobre as especificidades dos retratados. No limite, o resultado pode parecer-se perigosamente com os filmes de pintura da história cultivados em Hollywood nas décadas de 1950-1960, ou com os tarzans de estúdio, cujos actores, falas, cenários e visuais cheiravam em demasia ao star system. Hollywood nunca foi boa a fazer filmes históricos. Vejam-se os protestos suscitados pelos "África Minha" (1985) e "1492. A conquista do paraíso" (1992).


Há um pormenor estético muito curioso neste cartaz que tem passado despercebido. Olhando o cartaz com mais atenção, divisa-se por detrás de Alberto Ribeiro e de Amália Rodrigues uma massa compacta de estudantes ou "muralha" com as capas traçadas. Ao primeiro olhar, parece um simples pormenor confirmado pela mais vetusta e veneranda tradição académica. Porém, esta forma rígida de traçar a capa só começou a implantar-se nas representações estéticas estudantis a partir de 1937, ano decisivo de afirmação do Estado Novo no contexto das celebrações do 4.º centenário da transferência joanina do Studium Generale para Coimbra. Trata-se de uma nova forma colectiva e grupal de autopresentação inspirada na estética da falange espanhola de Franco que os estudantes de Coimbra foram apoiar em combóio especial de distribuição de mantimentos. Nos anos da Segunda Guerra esta estética de tipo falangista, que pretendia ventilar uma imagem de força indomável e de reserva energética ao serviço da causa anticomunista, generaliza-se na Academia de Coimbra, nas formações de Canção de Coimbra, nas equipas de direcção dos organismos culturais académicos e nas comissões centrais da Queima das Fitas. Subsistem fotografias de comissões centrais da Queima das Fitas tiradas na década de 1950 no Pátio da Universidade que mostram os representantes das várias faculdades perfilados em coluna compacta, com aspecto hirto, tipo força de intervenção. Este ideal estético foi permanecendo e na década de 1950 também aparece documentado em fotografias de comissões da Queima das Fitas da Universidade do Porto. Pode admitir-se que a maior parte dos estudantes do tempo tivesse um consciência reflectido do significado e leituras que este visual poderia suscitar.


Este é seguramente um assunto melindroso. Ainda estão vivos muitos antigos estudantes que viveram esses anos, que deles guardam memórias pessoais e intergrupais muito positivas. Uns têm consciência reflectida sobre o que foi a realidade histórica e lidam bem com ela. Outros negam a influência do Estado Novo na cultura universitária e hostilizam qualquer esforço problematizador sobre a questão. É preciso dar tempo ao tempo.



Vinhetas de tipo selo postal ilustrado que se desenharam, imprimiram e venderam como produtos de merchandising nas festividades promovidas pelos estudantes da Universidade de Coimbra em 1899 com a designação de Centenário da Sebenta. Até prova em contrário, deviram desta iniciativa as vinhetas coloridas que reproduzem anualmente os cartazes da Queima das Fitas e se costumam colar no interior das pastas académicas.

Os membros da Comissão do Centenário da Sebenta conceberam um programa recheado de momentos imaginativos, alguns dos quais perduraram integrados nas festividades da Queima das Fitas. Contrariamente ao mito circulante, que resulta apenas da falta de investigação, a Queima das Fitas de Coimbra não tem origem no Centenário da Sebenta nem é possível datá-la com o mínimo de rigor. Foi sendo construída a partir de uma estrutura festiva arcaica cujos esteios são os mesmos dos charivaris populares realizados na Europa desde a Idade Média. O próprio cortejo alegórico das Faculdades, à base de viaturas engalanadas de flores nas cores das especialidades científicas, é anterior ao Centenário da Sebenta e toma como referente matricial os cortejos alegóricos carnavalescos das batalhas das flores: viaturas ornamentadas, figurantes fantasiados, lançamento de bolinhas de cera recheadas de cheiros e serinhas de jactos, confetis e serpentinas, que se usavam para simular batalhas e lançar sobre a multidão. A confecção artesanal e arremesso de limas de cera recheadas de líquidos era um divertimento nobiliárquico que foi apropriado pelas classes populares, havendo resquícios deste costume nos carnavais realizados na cidade de Ponta Delgada.