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quarta-feira, 29 de agosto de 2018


Questões dos nossos leitores
Nas cerimónias de colação de graus em Artes Liberais (no período em que o Real Colégio das Artes/Faculdade de Artes Liberais esteve sob administração da Companhia de Jesus), os graduandos envergavam hábito jesuítico ou hábito talar de loba e mantéu? Obrigado pelo esclarecimento. em
em 18-06-2018
Resposta:
Dependia da sua condição civil ou clerical.
Se fossem membros da Companhia, obrigatoriamente o hábito da sua ordem, composto por sotaina preta de um corpo e mantéu preto sem gola nem cabeção. Este tipo de sotaina era uma túnica talar, de confeção singela, que tinha uma pequena carcela aberta entre a base do pescoço e o diafragma, pelo que se vestia e despia pela cabeça. Se não fosse de corte trapezoidal era o cabo dos trabalhos para conseguir enfiar os braços e deslizar o pano pelo corpo abaixo. E bem pior ainda seria para despir a dita cuja.
Se os graduandos fossem alunos de condição civil, teriam de escolher entre traje de loba ou traje de abatina, que se usava desde o dia da primeira matrícula pelo menos. Como se sabe, esta escolha só se tornou possível a partir de 1716-1718, altura em que a abatina se começou a generalizar como traje corporativo civilizado e progressista face à antiga loba.
Se fossem membros de outras ordens religiosas, logicamente que usavam os hábitos prescritos pela tradição e pelos estatutos (regras), os quais são referidos mas nunca verdadeiramente descritos em tecidos, feitios e dimensões.
Aspeto a não perder de vista, todos os eclesiásticos graduados podiam: misturar as científicas das várias ciências em que fossem graduados, tanto no capelo como no barrete, mas não nos aneis, tradição que ainda é mantida em Coimbra e nas universidades espanholas; dispensar o uso do capelo, usando apenas o barrete em todas as galas, cerimónias e arguições metido sobre o solidéu.


Questões dos leitores

Sou obrigado a confessar que ainda não percebi o facto de Santo Ovídio dever ser representado com as insígnias doutorais de Medicina e não com as de outra especialidade científica, como Artes ou Leis. Atendendo a que, segundo a sua hagiografia, Santo Ovídio não exerceu Medicina (ao contrário dos Santos Cosme e Damião), por que é que as suas insígnias doutorais deveriam ser da cor desta ciência? Estaria relacionado com o facto de ser invocado como patrono contra os males da audição e, desta forma, ser "médico celeste" junto dos seus devotos? Obrigado pelo esclarecimento. em
em 18-06-2018

Resposta:
Do ponto de vista da argumentação, tem toda a razão. A associação cromática às ciências médicas deveu-se apenas ao facto de se tratar de um santo com poderes curativos numa lógica providencialista das maleitas e das mezinhas. Há outros santos/santas que não aparecem com insígnias médicas mas apenas com os símbolos na mão ou ao colo, caso de Santa Ágata/Águeda com os seios numa taça, ou de Santa Luzia/Lúcia com os olhos numa bandeja.
Santo Ovídeo exibir insígnias de Teologia, Leis, Cânones ou Artes Liberais não faria sentido.
No panteão espanhol e mexicano os paradoxos ainda são mais enigmáticos. A maioria dos santos doutores da Igreja Católica não detentores de graus aparece com insígnias de Teologia (branco) ou de Teologia e Filosofia (branco e azul). No caso de São Tomás de Aquino é fácil, mas nos casos de Santa Teresa de Ávila, São João Nepomuceno e São João Escoto… temos umas quantas dúvidas e muito gostaríamos de saber quem terão sido os eclesiásticos que aconselharam os santeiros.
Para mim o caso português mais enigmático é o de Santo Ivo da Bretanha que na ordens terceiras franciscanas de Coimbra e Vila do Conde ostenta insígnias verdes de Cânones e em Ovar e no Porto borla branca e verde (Teologia e Cânones). E na irmandade de Mafra já confirmei insígnias verdes e vermelhas muito singelas (Direito Civil e Direito Canónico) para o mesmo santo. E na irmandade de Aveiro um capelo de modelo assaz pouco convencional, verde e branco!