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quarta-feira, 31 de março de 2010

Vida em Oxford, VI


Docentes em convocation habit
A Universidade de Oxford está entre as mais antigas do Coimbra Group. É dentre todas as históricas aquela que patenteia o mais completo e rico sistema cerimonial integrado. Ocupa posição privilegiada na produção do saber e os seus trajes, insígnais e costumes são imitados em diversos países.
Se houvesse um prémio para distinguir as universidades do Coimbra Group que melhor se destacam pela originalidade, diversidade e riqueza do seu património identitário e simbólico, não hesitaríamos em atribuir a Oxford o galardão do primeiro lugar no ranking do "universitatis splendore".
Este é bem visível em categorias como:
-informação em linha sobre os hábitos académicos e respectivas normas de uso;
-abundante divulgação de eventos em novos suportes mediáticos (ex: youtube);
-produção de merchandising com reflexos positivos na economia local e na imagem da instituição;
-programação e gestão de um calendário cerimonial e cultural repleto de actividades sintonizadas com o ritmo do ano escolar;
-capacidade de integração dos corpos constitutivos do Studium Generale (órgãos de governo, docentes, estudantes e funcionários, associação de estudantes);
-excelente distinção entre hábitos ordinários e hábitos de gala;
-sistema cerimonial integrado com capacidade de resistência à mediatização e à massificação;
-adaptabilidade das tradições académicas à vida civil contemporânea;
-originalidade e diversidade de símbolos e insígnias;
-relação saudável e positiva com a herança multissecular;
-forte capacidade de animar o centro histórico da cidade com ritmos, sons e cores;
-relação positiva com o município e a população civil;
-valorização das actividades estudantis associativas e extracurriculares como imagem de marca internacional da instituição (ex: regata anual).


O cancelário com o pajem


Os bedeis

O virgiário com o bastão de prata na abertura do préstito do encaenia

O encaenia corresponde ao Dies Academicus de Coimbra e das universidades helvéticas.
Trata-se da mais solene cerimónia académica. Ocorre habitualmente na última quarta feira do mês de Junho. Festeja-se a data da fundação, evocam-se os benfeitores, faz-se um balanço das actividades do ano que finda e colam-se graus honorários.
Na manhã do dia da função, o cancelário é acolhido pelos principais e dirigentes dos colégios e brindado com peras, morangos e champanhe. Organiza-se de seguida o préstito público, com os bedeis, o cancelário, o reitor, autoridades académicas, oficais maiores e docentes.
A entrada no Sheldonian é assinada por uma charanga de trombetas, semelhante à usança de Coimbra e Salamanca. Os laureandos não integram o cortejo, aguardando que os bedeis os vão chamar à Divinity School. Conduzidos ao teatro, estes são apresentados pelo Public Orator. Cabe-lhe perorar em latim sobre os benfeitores e actividades desenvolvidas (crewein oration). Em tempos mais recuados, esta oração comportava trechos chocarreiros que nos fazem lembrar o "vexamen" ibérico. Em anos alternados, a segunda parte da oração pode ser realizada pelo Professor of Poetry.


Uma prova do safari dos caloiros (freshman)


O trashing, exemplo de uma praxe praticada em alguns colégios oxfordianos (libações báquicas, enfarinhamento, exibição de objectos bizarros)


Festejando o fim dos actos
Tradicionalmente os escolares de Oxford celebravam o fim dos actos com flores e autênticas regas de champanhe. Nos últimos anos a polícia tem tentado interditar os banhos de champanhe na via pública. Caso para dizer estranha proibição, quando a vemos tão aplaudida no ciclismo e no automobilismo (fórmula 1). Em Coimbra, os banhos de vinho, cerveja e espumantes desde há décadas que são alvo de críticas moralistas.


Os remadores de Oxford festejam com champanhe, 2005


O bote de Oxford, regata, 2005

segunda-feira, 29 de março de 2010


Regatta entre Oxford e Cambridge, 1873
Um dos acontecimentos desportivos de renome mundial associado à imagem de marca dos estudantes de Oxford é a competição fluvial com a equipa de Cambridge que tem lugar nas águas do Tamisa.
O torneio começou a ser realizado em 10.06.1829 e ainda no século XIX alastrou ao Canadá e aos EUA. A regata académica tem vindo a ser replicada na Suécia (Uppsala) e na Austrália.
Na segunda metade do século XIX as universidades da Grã-Bretanha e EUA estavam apetrechadas com ginásios que faziam corar de inveja e vergonha os estabelecimentos de ensino portugueses. Os docentes da Faculdade de Ciências da UC, entre eles Teixeira Bastos, mostraram-se muito bem informados sobre os ginásios, modalidades e equipamentos desportivos existentes nas universidades dos EUA.
A reforma universitária de 1911 tentou implantar em Lisboa e Coimbra escolas de educação física, sem sucesso. Em conferências proferidas por 1919, o próprio Teixeira Bastos defendeu que a Associação Académica alargasse a sua oferta de modalidades desportivas de modo a disponibilizar mais do que a prática do futebol.
Em 1911 o reitor Manuel de Arriaga fez esforços para fomentar a prática do ténis. No século XIX havia bastantes estudantes a praticar em Coimbra modalidades desportivas que abrangiam o jogo do pau, esgrima, levantamento de pesos e outras modalidades gímnicas. Nas memórias estudantis do tempo há um engraçado relato sobre a gabarolice de um estudantes detentor de músculos de aço que se exibia perante dos colegas e os desafiava a darem-lhe beliscões. Um dia, um beliscador ferrou-lhe a unha com tal gana que o mister músculos ficou com um feio hematoma e ainda por cima teve de morder a língua para não gritar com as dores.
Ao contrário das universidades norte-americanas que na década de 1890 já tinham equipas femininas de hóquei e de basquetebol, Coimbra manteve as suas alunas excluídas da vida associativa extra-curricular. Curiosamente foi nas camisolas dos atletas universitários ingleses e norte-americanos que surgiram os primitivos emblemas pintados e bordados que se pensa que germinaram nas capas dos tunos espanhóis. As fotografias de época são bastante elucidativas a este respeito. Em 1872 aparecem as primeiras camisolas de futebol amador inglês, cujas equipas se distinguem pelas cores adoptadas (football shirts). Uma fotografia de 1872 mostra a Scotland Team com emblemas rudimentares aplicados no peito das camisolas. Os primitivos emblemas desportivos consistiriam predominantemente em letras pintadas, mas rapidamente derivaram para distintivos inscritos no interior de bolas desportivas.
À semelhança dos futebolistas amadores, as equipas de estudantes inglesas e americanas exibem desde os alvores da década de 1890 emblemas cosidos no peito das respectivas camisolas. A Académica, equipa de futebol amador da Associação Académica de Coimbra, fará o mesmo a partir de 1928-1929, emblema que depois passaria a ser usado como símbolo da própria associação de estudantes e pelos estudantes que na década de 1930 o começaram a coser no interior das suas capas.
Sendo o primeiro emblema dos universitários conimbricenses, o célebre losango da AAC não foi o primeiro emblema usado na Universidade. Muito antes, em 1772, os doutores de Matemática começaram a usar nos respetivos capelos o emblema da sua ciência.
Se não usavam emblemas pintados ou bordados, então o que exibiam os tunos de oitocentos e inícios do século XX? Fitas de cetim multicolores na extremidade do braço dos seus instrumentos de corda e laçarotes de tipo comunhão solene no ombro ou no braço da batina.
Se não cometo erro, parece que a Tuna do Liceu de Évora ainda usa o velho laçarote verde. Não deveria a TAUC reabilitá-lo?

Vida em Oxford, V


Corte dianteiro e forro da sobreveste (ou chamarra) do hábito de gala

Hábito doutoral de grande gala (convocation habit)


Capelo de doutor em Música


Capelo de mestre orlado e ferrado de seda carmesim

Capelo de bacharel orlado de pele de coelho, peça de 1970
Fonte: fotografias de peças originais da coleção da Burgon Society, divulgadas no sítio http://www.burgon.org.uk/Society/Wardrobe/uk.php


O escritor norte-americano Mark Twain no dia seu seu doutoramento honoris causa, 1907


Vice-chancellor, bedeis e virgiário, gravura de ca. 1813


Proctor


Virgiário


Um escolar


Bedel da Faculdade de Artes Liberais

Doutor em Leis (Direito Civil) ou em Medicina


Bacharel em Teologia
(Colecção de postais ilustrados editados em 1906)

domingo, 28 de março de 2010

Vida em Oxford IV, Actos de colação dos graus


Novos doutores em hábito de gala
Os actos de colação dos graus em Oxford encontram-se amplamente estudados em monografias especializadas, em língua inglesa, e disponíveis em filmes no youtube.
Alguns exemplos:


Durante o acto de formatura, interior do Sheldonian Theatre


Após a formatura, bachareis em Artes Liberais


Degree day, no exterior do Sheldonian

No dia da formatura
Degree day, a caminho do Sheldonian
Actos de Formatura em Oxford
A época contemporânea foi marcada no Ocidente pela abolição das culturas e práticas tradicionais, pela imposição de condutas burguesas normalizadas a partir de centros políticos detentores de poderes de supra-infra ordenação e pelo julgamento condenatório (P. Bourdieu) do ócio e dos ritos festivos que faziam parte integrante da gestão dos calendários das instituições políticas, militares, religiosas, caritativas, judiciárias e de ensino.
O liberalismo económico clássico mostrou-se inimigo dos feriados festivos e das suspensões do ritmo de trabalho, actividades que foram consideradas prejudiciais à produtividade. Por seu turno, o poder político crescentemente centralizado, que a pouco e pouco instaurou o primado da monoburocracia laica sobre o monoteísmo, entendeu que as instituições públicas não deveriam dar sinal de quaisquer práticas distintas do protocolo do poder executivo, abolindo oficialmente ou desacreditando todas as identidades que não aceitaram diluir-se na esfera do estado.
A haver cerimónias civis nos organismos sob tutela da administração pública, estas só seriam toleradas intramuros, sem o aparato de foguetes, fogo de artifício, toques de sinos, bandas musicais, cortejos, luminárias, exibição de insígnias ou participação da população por via do lançamento de flores ou colocação de colchas e pendões nas janelas. As universidades, os liceus, os institutos superiores, os tribunais, os hospitais, existiam para trabalhar e não para festejar. A rua era vista como espaço da ordem, do recato e da inibição dos sentidos, crescentemente policiada pelas forças de segurança.
Quem se manifestava festivamente extramuros eram a Igreja Católica e casa real, pelo que o estado laico desejava ser o primeiro a dar o exemplo do recato e da frugalidade.
O puritanismo liberal e demoliberal não foi o único a desconfiar das cerimónias públicas. Pode dizer-se que a ofensiva de moralização dos costumes começou a ser lentamente construída pelos bispos diocesanos alinhados pelos cânones do Concílio de Trento. Nos séculos XVII e XVIII, os bispos e os visitadores eclesiásticos tomaram medidas restritivas a respeito das procissões dos flagelantes e das danças e saracoteios que integravam a procissão do Corpus Christi, chegando a interditar os gaiteiros e os foliões do Espírito Santo de entrar a tocar e a bailar nos templos. No final do século XVIII, ainda sob os auspícios do despotismo esclarecido, o cerimonial barroco da Universidade de Salamanca é alvo de depurações. A Universidade de Coimbra desde 1834 que deixou de realizar o passeio doutoral pedestre e equestre entre o Mosteiro de Santa Cruz e a sala dos actos grandes. 1910 ainda vinha longe.
Após a Queda do Muro de Berlim, a interpelação da cultura burguesa veio por a nu vulneralibilidades que já haviam sido fortemente increpadas pelos movimentos estudantis e hippies da década de 1960.
No final do século XX, a Unesco voltou-se decididamente para a identificação e defesa dos resíduos das culturas orais e regionais que tinham conseguido sobreviver nos séculos XIX e XX às ofensivas de desacreditação, erradicação e estandardização perpetradas pelas elites burguesas. Esta mudança de paradigma não coloca em causa apenas os discursos cultivados pelas elites urbanas letradas. Chama a atenção para a atitude negligente dos docentes e investigadores de muitas universidades que até às décadas de 1970-1980 militaram abertamente a favor dos abolicionismos e perpetuaram fragmentos requentados do velho discurso que via as culturas comunitárias tradicionais como sinónimo de atraso.
A título de exemplo, na passagem do século XIX para o século XXI, alguns países ocidentais vivem festivamente a reabilitação das línguas regionais que haviam sido reprimidas pelas universidades, liceus, escolas primárias e por reformas político-administrativas. Aconteceu na Alemanha, em Itália, nos países membros da ex-URSS, na Espanha de Franco, em França e em Portugal. Terá a batalha da uniformização das línguas decretadas oficiais justificado os milhões de palmatoadas e castigos infligidos às crianças nos bancos das escolas de primeiras letras? Em França, as políticas da III República, acentuadamente imperialistas, nacionalistas, centralistas e uniformizadoras, são postas a nu pelos próprios investigadores e pelos grupos de defesa dos bens culturais e saberes-fazeres ameaçados de extinção.
A pósmodernidade não celebra apenas a afirmação dos movimentos tribais (M. Maffesoli). Já não se trata simplesmente de ler os grupos de hip-hop, os hippies, os punks e os devotos das tatuagens e percings como “novos bárbaros” que invadem as ruas das cidades, dando continuidade ao discurso excludente que via nos grupos não integrados no sistema vigente perigosos ou potenciais marginais.
Um pouco por todo o lado emergem fenómenos de tribalização alimentados por elites letradas que não se conformam com a dessacralização definitiva da vida social nem se identificam com os ritos e liturgia disponibilizadas pelos partidos políticos. Ilustram esta situação os adeptos das confrarias gastronómicas e vinícolas, os grupos cívicos apartidários, as tunas académicas e os movimentos de estudantes de ensino superior que consagram trajes institucionais e festividades de forte impacto comunitário e ancoragem etnográfica. Eis o policulturalismo. Melhor andara a Igreja Católica que pregando o monotéismo soubera integrar as práticas pagãs e o folclore dos povos bárbaros convertidos sob a forma de religiosidade popular.
Contudo, os fenómenos tribais de maior densidade mística e ideológica continuam a ser polarizados pelas claques dos grandes clubes de futebol. Ao contrário de outras formas de agregação social, as claques de futebol não radicam numa visão elitista da cultura. Embora assumindo de forma veemente a representação de uma região ou localidade, as claques caracterizam-se essencialmente pela indiferenciação sócio-profissional dos adeptos. Associados de diferentes profissões, partidos políticos, formação escolar e credos religiosos podem convergir na afirmação de um amor sem restrições por um determinado clube de futebol. Este amor chega a implicar sacrifícios pessoais e familiares para manter as quotas em dia, comprar merchandising (camisolas, cachecóis, bonés, blusões, mochilas) ou obter bilhete de acesso a determinado jogo. As estratégias de fidelização de clientes englobam a venda de lugares sentados a troco de contrapartidas contratualizadas.
Um dos traços comportamentais menos evidentes das elites associadas num clube de futebol passa pela aparente contradição entre os valores ventilados socialmente e os valores intimamente ou grupalmente assumidos. O associado pode assumir-se social e politicamente como um abolicionista radical, fazendo exactamente o contrário na relação com o seu clube/claque com o qual mantém uma relação místico-litúrgica. À luz desta ambiguidade maniqueísta, considerará acéfalas as músicas interpretadas por uma tuna estudantil, mas não as canções entoadas em coro pela sua claque de futebol. Descodificará as vestes e insígnias de uma confraria gastronómica como reaccionárias, mas vestirá o boné, a camisola e o cachecol do seu clube. Adjectivará de “bárbaros” alguns costumes estudantis, mas participará em batalhas de claques ou proferirá palavras de ordem xenófobas contra outros povos ou cidades. Olhará com desprezo para certos grupos de defesa de bens culturais ameaçados, mas militará com afinco em causas ecológico-ambientais ortodoxas.
Uma outra dimensão da cultura contemporânea, em processo de emergência, como que procede à reabilitação das traves mestras da cultura de consumo, ócio e ostentação festiva da época barroca. Perdidos os registos nobiliárquico e eclesiástico, as vivências neo-barrocas estão a ser reapropriadas pelas elites burguesas e empresariais ocidentais de inícios do século XXI. As estratégias de apropriação passam pelo uso de espaços mediáticos de afirmação de grupos ociosos (jetset), pela ostentação de vestuário civil de marca (alta costura, imitação de marcas), pela exibição de objectos de prestígio (viaturas de alta cilindrada e topo de gama, tecnologia audiovisual e informática) e pela criação de estruturas de atribuição de prémios de desempenho profissional totalmente autónomas das universidades e politécnicos.
Estes prémios, que no início do século XX eram bastante raros e cobiçados, começaram por abarcar escritores (Pullitzer), poetas, cientistas (caso do Nobel sueco) e artistas de cinema norte-americano (Óscars). Na actualidade, o fenómeno de autopremiação não conhece fronteiras, funcionando como instâncias certificadoras júris instalados em ministérios, clubes de futebol, empresas, academias de cinema, televisões privadas, associações de jornalistas desportivos e academias de música.
A banalização da premiação fez proliferar a produção de galardões para todos os gostos. As formas, símbolos e materiais adoptados resvalam frequentemente para as representações kitsch. Funcionando como instrumentos de legitimação do mérito de novos grupos sócio-profissionais em processo de ascensão social, este tipo de eventos tem fomentado a procura de manuais de etiqueta e de boas maneiras que fornecem informação comportamental, vestimentária e convivial. São eventos civis, crescentemente apoiados pelas tecnologias de ponta e pela sofisticação audiovisual onde o culto do corpo e a exibição de vestuário de alta cultura são colocadas ao mesmo nível de importância do reconhecimento dos méritos dos candidatos mais votados.
Bem vistas as coisas, as universidades já não estão sozinhas na atribuição de certificados de formação ou no reconhecimento público do mérito. As que mantiveram os seus sistemas simbólicos e patrimoniais, no todo ou em parte, como Oxford, Cambridge, Saint Andrews, Coimbra, Uppsala, Salamanca, Budapeste, não podem concorrer em posição de igualdade com os eventos mediáticos dos Óscars, Grammys, Palme d’Or, Bota de Ouro, Bola de Ouro, nem com as festas de premiação de empresários e gestores. Mas será que devem fazê-lo, pondo em causa a sua própria identidade?
As universidades ocidentais que viveram o abolicionismo mais duro começam a ensaiar a produção de eventos mediáticos de certificação pública dos seus formandos (França, Alemanha, Roménia). Tentam fazê-lo em alinhamento com as doutrinas neotayloristas, segundo as quais os formandos são produtos cuja integração no mercado depende da capacidade de impressionar ou convencer os potenciais clientes (empregadores). O paradigma em adopção oscila entre a graduation ceremony praticada na maior parte das universidades norte-americanas, os eventos de atribuição de prémios a gestores e as cerimónias de galardoamento produzidas pela indústria cinematográfica, musical e televisiva.
As universidades anglo-saxónicas históricas mantiveram o antigo cerimonial de formatura de bacharéis e licenciados, como que imunes às investidas dos movimentos abolicionistas que entre 1789 e o Mai 68 dessacralizaram as universidades da Europa continental. Nestas, os rituais de apropriação e ordenação dos sentidos do quotidiano foram considerados incompatíveis com a “marcha civilizacional” unilinear e com as conquistas científicas e tecnológicas.
A partir da Grã-Bretanha, a “graduation ceremony”/”graduation degree” migrou para o Canadá, EUA, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Índia. Profundamente massificados e banalizados, alguns ritos da cerimónia britânica alastraram um pouco por toda a América Latina, Japão, China e universidades de países emancipados da tutela da ex-URSS (Roménia, Rússia), passando desde 2005 pela França, Alemanha e Itália.
Mais do que as universidades, os grandes clientes da cap and gown e da graduation de modelo estandardizado norte-americano são as business schools e as managements schools, cujos presidentes e formandos defendem que serão tanto mais credíveis quanto replicarem algumas das universidades dos EUA de maior sucesso no mercado global.
Nos EUA e no Brasil, a graduation chega a mobilizar anualmente milhares de alunos, centenas de docentes, profissionais de casas de confecção de pronto-a-vestir, empresas de organização de eventos, venda de souvenirs, mascotes, anéis, filmes de curso e música pré-gravada. Estádios e pavilhões desportivos são especialmente preparados para as graduations, em particular nos EUA, onde a cerimónia parece traduzir crescente influência do mediático formato dos Óscars cinematográficos e dos Grammys da world music.
Um evento de certificação civil, a meio caminho entre a graduation norte-americana e as cerimónias de atribuição de galardões a desportistas, actores, políticos e gestores, é a entrega de diplomas de conclusão de determinados cursos. A entrega de diplomas tem alguma tradição em Portugal. Pode dizer-se que remonta ao século XIX no caso dos estabelecimentos de ensino politécnicos e liceus. No século XX, a entrega de dipomas sofreu ampla generalização, sendo praticada por colégios, escolas de ensino médio e profissional, centros de formação, associações de direito privado (ex: ordens profissionais), municípios e fundações. Nas situações mais documentadas, os actores envolvidos apresentam-se em indumentária civil, constitui-se uma mesa de presidência, os premiados são chamados em voz alta, procede-se à entrega de um diploma, cheque ou troféu e cumprimenta-se o recipiendário (aperto de mão, aplausos).
Este tipo de cerimónia tem vindo a ser progressivamente generalizado nas universidades públicas e privadas portugueses e também em alguns institutos politécnicos, conforme testemunham notícias de imprensa. A entrega de diplomas pode ocorrer no dia oficial da fundação da universidade ou no dia da abertura solene do ano académico. Em determinadas universidades, a cerimónia não parece estar generalizada em todas as faculdades/departamentos, realizando-se com mais intensidade nas especialidades ligadas a Economia, Gestão de Empresas, Ciências Empresariais e Ciências da Comunicação.
Para o arco temporal posicionado entre 2000-2009, tornou-se possível documentar a entrega anual de diplomas a formandos nas seguintes instituições:

-Universidade Lusófona do Porto
-Universidade Atlântica
-Universidade Católica Portuguesa
-Universidade Autónoma de Lisboa
-Universidade de Aveiro
-Universidade do Minho
-Universidade do Porto (ex: http://tv.up.pt/videos/xp5r2488)
-Universidade Nova de Lisboa
-Universidade do Algarve
-Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Na Universidade de Coimbra, durante o reitorado de Fernando Rebelo (1998-2002) há notícia de entrega de diplomas no auditório da reitoria, no Dies Academicus (1 de Março). A instituição não parece interessada em apostar na revitalização da cerimónia de formatura, ao contrário do que tem vindo a acontecer em Salamanca desde 2000. A opção pela entrega de diplomas revela desconhecimento daquilo que foi a cerimónia de formatura e das potencialidades que encerra enquanto instrumento de reafirmação da identidade corporativa e estratégia de markting institucional. A tentação pelo mais fácil e barato, acaba por sacralizar uma espécie de auto-amnésia, na medida em que a entrega de prémios foi uma importa cerimónia realizada anualmente no dia 8 de Dezembro. Abolida em 1910, há que realçar os aspectos pioneiros e positivas desta solenidade que tinha lugar na sala dos capelos, estruturada no discurso do reitor, na chamada em voz alta dos alumni que se tinham distinguido no ano lectivo anterior, na entrega de um diploma de premiação (pergaminho) e na realização de um baile de gala (conhecido por "baile dos ursos maiores e menores"). Parece no mínimo preocupante que uma universidade centenária como Coimbra entregue diplomas no seu Dies Academicus, confundindo cerimónia de formatura com cerimónia de entrega de prémios.
Em Oxford, a cerimónia de formatura resistiu à massificação. A solenidade tem lugar no fim dos trabalhos escolares, no Sheldonian Theatre e constituiu um dos momentos paradigmáticos de afirmação da identidade e prestígio da Alma Mater oxiniana.
A cerimónia congrega todas as faculdades, a saber Teologia, Direito Civil, Medicina e Artes Liberais. Os momentos estruturantes do rito são os seguintes:

Entrada solene do vice-chancellor e oficiais da sua casa no Sheldonian
Abertura da congregação
Confirmação dos nomes dos formandos
Leitura da súplica (pedido de concessão dos graus)
Desfile dos proctors
Entrada dos formandos e sua apresentação ao vice-chancellor pelo director de cada colégio
Exortação dos graduandos pelo Proctor Júnior
Colação do grau
Regresso dos novos graduados com hábito de gala
Encerramento da congregação
Préstito de saída do Sheldonian
Banquetes comunitários

No dia da cerimónia de formatura, os graduandos vestem o sub fusc, conforme determina o regulamento dos hábitos oxinianos. As turmas dos graduandos aguardam nas imediações do Sheldonian a chamada dos bedéis.
Abertas as portas do edifício, começa a tocar o órgão de tubos, cuja música sublinha a entrada do vice-chancellor (reitor) e da sua comitiva. Este é antecedido pelos bedéis com as suas maças de prata alçadas e acompanhado pelo secretário-geral (registrar) e pelos proctors, todos em hábito talar de festa.
É antigo costume que a congregação seja reunida por chamada de um dos bedéis, que em latim chama «Magistri, intretis in convocationem, per fidem intretis». O vice-chancellor saúda a congregação e explica aos presentes o significado e importância do acto que vai desenrolar-se. Após uma curta oração inicial, onde explica o sentido da cerimónia, o vice-chancellor passa da convocação à congregação ou claustro: “Dissolvimos hanc convocationem. Fiat congregatio”.
O registrar corteja o vice-chancellor e informa publicamente que a chancelaria/secretaria observou todas as formalidades habituais (registos, propinas, assinatura de documentos, conclusão das cadeiras).
A súplica ou pedido de colação do grau é feita em latim por um dos proctors, segundo uma fórmula que confirma a conclusão dos estudos prescritos e solicita a admissão dos graduandos na respectiva faculdade: “Supplicat venerabili congregationi doctorum et magistrorum regentium (…) baccalaureus Facultatis Artium e collegium qui complevit omnia (…) quae per satuta requirentur (nisi quatenus cume o dispensatum fuerit) ut haec sfficiatt quo admittatur ad incipiendum in eadem facultate”.
O proctor lê os nomes dos formandos em voz alta, de acordo com uma lista que costumava ser afixada publicamente no exterior do teatro. Finda a súplica, os dois proctors que estavam sentados à direita e à esquerda do vice-chancellor erguem-se, vão até à porta de entrada e regressam aos seus lugares, acto que rememora a antiga votação de aprovação dos candidatos. Novamente sentados, um dos proctors desbarreta-se e diz em voz alta: “Haec gratiae concessae sunt et sic pronuntiamus concessas” (As graças foram concedidas [pela Universidade]).
Dois dos bedéis presentes, dirigem-se à porta lateral do teatro, acompanhados pelo director de faculdade/colégio, abrem as portas e chamam em voz alta as turmas de formandos. Os cursos entram por ordem e com os bedéis na frente encaminham-se para o corredor central e param em frente ao vice-chancellor que se encontra sentado na cátedra e ladeado pelo Proctor Sénior e pelo Proctor Júnior.
O director de colégio/faculdade, posicionado na frente do grupo, pelo lado esquerdo, segura a mão do aluno que está ao seu lado direito e todos fazem vénia ao vice-chancellor com as cabeças descobertas. O costume estatutário determina que sejam feitas quatro reverências, rito conhecido por “debita reverencia”.
O vice-chancellor e os proctors desbarretam-se e cumprimentam os alunos e o seu padrinho com uma inclinação de cabeça. O director profere uma fala latina mediante a qual pede a concessão do grau aos alunos. Tradicionalmente só se apresentava um formando de cada vez, com uma frase latina, cujo sentido é “Most emienent vice-chancellor, and excellent proctors, I presente this BA to you for admission to incepit in the Faculty of Arts”: “Insignissime Vice-Cancellarie, vosque egregii Procurators, praesento vobis hunc bacaulaurem in Facultate Artium, ut admittatur ad incipiendum in eadem facultate”.
A apresentação dos candidatos e o pedido de admissão terminam com duas reverências dirigidas ao vice-chancellor.
Devido ao aumento dos alunos matriculados, a apresentação individual dos formandos deixou de ser observada na década de 1950. Os formandos passaram entrar em coluna e a ser apresentados em grupos de cinco. Como o decano só pode segurar o braço do formando que lhe está mais próximo, os restantes voltam um dedo da mão direita na sua direcção. Os graus são colados por ordem de precedência: Teologia (doutores), Direito Civil (doutores), Medicina (doutores), Teologia (bacharéis), Cirurgia (mestres), Direito Civil e Medicina (bacharéis), Letras ou Ciências (doutores), Artes Liberais (mestres), Letras ou Ciências (bacharéis), e Artes Liberais ou Musica (bacharéis).
Segue-se a ode de exortação aos graduandos, conhecida por “proctorial charge or oathe”. O proctor junior distribui livros do Novo Testamento que são entregues aos formandos pelos bedéis. Nos graus de mestre e de doutor, há lugar a uma pergunta que remata com um juramento, “You will swear to observe the satutes, privileges, customs and liberties of your University”, etc., devendo estes responder “Do fidem”. Na concessão dos graus de bacharel, a pergunta formulada é a seguinte: “You will swear to observe the satutes, privileges, customs and liberties of your University, as far as they concerne you?», cuja fórmula era mais densa para os bacharéis de Teologia. O proctor exortava os restantes membros da turma, respondendo estes individualmente “Do fidem”.
Passa-se ao momento da admissão, melhor dizendo, da colação do grau. Os formandos, com a indumentária própria, ajoelham num genuflexório posicionado frente à cátedra reitoral e inclinam ligeiramente as cabeças. O vice-chancellor toca as cabeças dos formandos com o livro fechado do Novo Testamento, mas não impõe nenhum barrete, ao contrário do rito medieval que contemplava imposição de barrete, a entrega de anel e o beijo da paz. Por todo o tempo, o vice-chancellor mantém a cabeça coberta com o motar board preto, frequentemente designado por “justinianeion”, numa alusão ao imperador romano Justiniano. A fala latina proferida pelo vice-chancellor no momento da colação do grau é a seguinte: “For the honour of our Lord Jesus Christ, and for the profit our holy molher, the Church, and of learning, I, in virtue of my own authority and that of the whole University, give you permission to incept in the Faculty of Arts (etc.), of reading, disputing, and performing all the other duties wich belong to the position of a Doctor/Master/ in the same faculty when the requeriments of the satutes have been complied with, in the Name of the Father, the Son, and the Holly Ghost”.
Os graduandos, se forem mestres ou doutores, saem da sala, contornam o edifício, entram novamente e cumprimentam o vice-chancellor com um aperto de mãos, posto o que se sentam nas cadeiras reservadas aos membros do corpo docente.
Terminada a cerimónia, o vice-chancellor profere: “Dissolvimos hanc congregationem”.
Organiza-se o préstito de saída, semelhante ao de entrada, ao som do órgão de tubos.
Nos colégios costuma haver banquetes de gala após a cerimónia. À semelhança do ritual outrora praticado na Universidade de Coimbra, Oxford não entrega diplomas no acto de colação do grau.