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sábado, 8 de março de 2008

Caeremoniale Conimbrigensis
[Parte II] O Capello. Actos da Véspera
Por AMNunes

Nos dias que antecedem a cerimónia devem os candidatos acordar com a Casa Reitoral a calendarização do evento. A Reitoria confia a direcção do cerimonial ao Secretário Geral e envia convocatórias aos charameleiros, Guarda-Mor das Escolas, jardineiro e sineiro.
Inteirado da situação, o Conselho Científico da Faculdade que protagoniza a cerimónia segue os passos seguintes:

a) designa, de entre os doutores mais novos detentores de Insígnias Doutorais os dois Oradores encarregados de abrilhantarem a cerimónia[1]. Mesmo nas Faculdades onde existem múltiplos cursos, como Medicina, Letras, Ciências e Economia, os oradores são convidados em função da data de obtenção da respectiva laurea e não pelo facto de corresponderem ao mesmo curso do(s) candidato(s) à nova laurea;
b) convida atempadamente o Director da Faculdade outorgante para estar presente no acto, tanto mais que é nele que o Rector Magnificus, na sua condição de Magnus Cancellarius, delega a solene Investidura das Insígnias nas cabeças e mãos dos laureandos.

Compete a cada candidato à laurea convidar individualmente o seu «Apresentante», dignitário de certa categoria que terá de adquirir o Anel Doutoral a ofertar ao recipiendário. Não existe um modelo padronizado para o Anel Doutoral conimbricense, mas é obrigatório que tenha a base em ouro e uma pedra na cor oficial da respectiva Faculdade (annulus cum gema). Ao contrário do admitido para a Borla e Capelo, no Anel Doutoral nunca se misturam cores. Quando uma Faculdade tem duas cores (Carmezim e Branco, de Economia, ou Castanho e Branco de Educação Física), a pedra é bicolor. Nas Faculdades onde está consagrada uma só cor, apenas se pode aplicar uma pedra na parte superior do anel, mas não orlas de diamantes em torno da mesa onde assenta a gema principal. As duas faces do besel costumam ser esculpidas, mas nunca foi obrigatório nelas figurar o Sigillum da Alma Mater nem o emblema de cada Faculdade. Quando um docente é doutorado por mais do que uma Faculdade, dispõe a tradição que possa ter tantos anéis quantas as Escolas por onde se graduou e não um só anel com mistura cromática de gemas.
O «Apresentante» pode ser um doutor de qualquer uma das Faculdades da Universidade de Coimbra, ou docente integrado noutra instituição de ensino superior portuguesa ou estrangeira. Na segunda opção, em vez do Hábito Talar e Insígnias de modelo conimbricense, o «Apresentante» envergará o traje profissional e as insígnias da sua escola, ou da instituição portuguesa ou estrangeira por onde se graduou. Excepcionalmente poderá a escolha do «Padrinho»/«Madrinha» recair em chefes de Estado, eclesiásticos, diplomatas, advogados, magistrados, militares, etc.. Nestas situações o protocolo deve solicitar atempadamente aos Apresentantes o porte dos trajes de gala/uniformes regulamentados para tais dignitários.
Com a devida antecedência e cuidado se preparam os dois Oradores[2]. O Orador dos Novos Doutores deve ser o mais antigo dentre os dois convidados pelo Conselho Científico. Compete-lhe elaborar as biografias e notas curriculares de cada um dos candidatos, elogiando-os um por um, com alguma brevidade O Orador do(s) «Apresentantes(s)», que é o mais novo da sua Faculdade a ter obtido a investidura, recolhe dados biográficos e curriculares relativos a todos os Apresentantes presentes, falando sumariamente das virtudes de cada um[3].
Na gíria académica de Coimbra, Salamanca e antiga Universidade de Alcalà de Henares (=Complutense), os dois Oradores eram designados por Galo (orador mais antigo, ou dos Doutores) e Galinha/Galina (orador mais novo, ou dos Apresentantes), por se travar entre ambos uma espécie de disputa para aferir quem tirava da manga os mais notáveis feitos em prol das ciências e das artes[4].
A Secretaria-Geral prepara as “Cartas” ou “Diplomas”, redigidas em latim, sobre pergaminho, e assinadas pelo Reitor, Chanceler e Secretário-Geral. Conforme já se anotou, para efeitos deste tipo de cerimónia, trata-se de um Certificado de Imposição de Insígnias e não de uma Carta Doutoral tout court.
Compete a cada candidato munir-se do Hábito Talar masculino ou feminino, conforme o costume conimbricense, luvas brancas de tecido fino ou peliça, bem como do Barrete Doutoral e do Capelo[5]. Estas insígnias podem comportar mistura de cores, sempre que o laureando já tenha obtido doutoramento noutra(s) ciência(s). É admissível que a mistura de cores também possa ocorrer quando o laureando tenha obtido doutoramento noutra universidade portuguesa ou estrangeira, o qual se ache devidamente reconhecido pelos serviços académicos.
Na véspera da festividade, entre a tarde e o final do dia, são ultimados os preparativos da cerimónia. É chegado o momento de o Jardineiro decorar toda a balaustrada da Via Latina com festões de louro, em rememoração das coroas délficas de Apollus, Niké, e dos triunfos romanos votados a Júpiter.
Embora alguns candidatos das décadas de 1980-1990 tenham feito depositar na Reitoria a tradicional propina de ovos doces no próprio dia da cerimónia, estipula o protocolo que a manufactura de pastelaria contratada pelos laureandos faça chegar de véspera à casa do Reitor, ao Director da Faculdade, ao Secretário Geral e ao(s) Apresentante(s) os doces nas quantidades prescritas para cada um[6].
Incumbe à Casa Reitoral acompanhar a preparação da Sala dos Actos Grandes para a cerimónia que se avizinha. A parede do topo, por detrás do paraninfo, orna-se com uma sanefa na cor oficial da Faculdade que se presta a outorgar as Insígnias. Do lado direito dessa mesma parede são dispostas a credencia de talha dourada para a Borla Reitoral e a Cátedra Reitoral, que deve ser de espaldar alto e estofada de verde (cor oficial da Casa Reitoral). Logo a seguir, ocupando o meio da parede, são alinhadas tantas cátedras quantos os recipiendários, todas espaldar baixo e forradas na cor científica da Faculdade que realiza a investidura, dispostas conforme as antiguidades de cada doutor. No extremo esquerdo deste arranjo fica a cátedra reservada ao Director da Faculdade que em representação do Reitor outorgará as Insígnias Doutorais a cada um dos candidatos, estofada na cor da respectiva Faculdade, cujo espaldar é inferior ao do Reitor e mais elevado do que os dos laureandos.
Ainda no paraninfo, colocam-se duas mesinhas e duas cadeiras de espaldar, estas também forradas na cor oficial da Faculdade onde se desenrolará o acto, destinadas aos dois Oradores. Em frente, a meio dos degraus do paraninfo, dispõe-se o escabelo do Secretário-Geral que na Universidade de Coimbra congrega as funções de Mestre de Cerimónias.
Em baixo, na teia, são dispostas duas carreiras de cadeiras, numeradas por ordem de antiguidade dos laureandos, estofadas na respectiva cor científica, em quantidade suficiente para que cada «Apresentante» tome assento à mão direita do “seu” recipiendário. Mais raramente as cadeiras poderão não ser dispostas aos pares, isto no caso de um «Apresentante» ser convidado para apadrinhar dois ou mais laureandos.
Ao entardecer, logo após o toque dos tristes pela Cabra, o sineiro fará dobrar festivamente o Sino dos Capelos, anunciando os actos magnos da Alma Mater Studiorum Conimbrigensis e convocando todas as Faculdades a reunir em claustro pleno.
ANOTAÇÕES
[1] Este costume remonta apenas à Reforma Pombalina de 1772.
[2] Na sessão pública de tomada de posse de um novo sócio efectivo da Academia de Ciências de Lisboa, exigia-se que o eleito elogiasse o sócio cuja vaga iria ocupar. Um outro sócio efectivo, designado pela instituição, responderia a este discurso. Cf. Decreto Nº 4.480, de 27 de Junho de 1918 [Estatuto e Regulamento da Academia de Sciências de Lisboa], in Diário do Governo, I Série, Nº 141, de 27 de Junho de 1918, página 1001 e ss., artigo 11º, sendo Secretário de Estado da Instrução Pública José Alfredo Mendes de Magalhães.
[3] Nos estatutos anteriores ao século XVIII apenas se exigia que os doutorandos fossem louvados por homens honrados (distintos). Nos séculos XVI e XVII, tanto em Coimbra como em Salamanca, a apr do elogio, deveria também ocorrer um moderado “vexame” do graduando. Em Coimbra, este costume ancestral do “vexamen” foi mantido pelos estudantes até 1974 com a designação de “Tourada ao Lente”. Com a Reforma Pombalina de 1772, o marquês reformador modificou o protocolo, exigindo que os oradores fossem os doutorados mais jovens da Faculdade outorgante. É de admitir que o Marquês de Pombal se tenha baseado no cerimonial diplomático português, segundo o qual o Introdutor do Núncio Apostólico na Audiência de Apresentação das Credenciais deveria ser o conde mais recentemente titulado pelo Chefe de Estado. Veja-se, comparativamente o “Programma” de apresentação do Núncio Luigi Oreglia em 31 de Julho de 1868, «Diário de Lisboa», Nº 168, 4ª feira, 29 de Julho de 1868.
[4] Designação que remete directamente para a mitologia clássica, dado que o Galo era originariamente o símbolo de Pallas Atheneia como obreira ou promotora do trabalho. São inúmeros os animais integrados na mitologia conimbricense, o que nos permite reportar um autêntico “Bestiário Académico”. Alguns exemplos: Raposa (“chumbo” ou ano escolar perdido), Mocho (Athena Noctua, símbolo do estudo), Touro (Caloiro e Novo Doutor), Serpente (Medicina, Farmácia), Duas Serpentes (Economia)/e Dialéctica, Carneiro (“bicho” ou estudante liceal), Esfinge (História, Arqueologia).
[5] Fazem parte dos acessórios do traje de gala os sapatos pretos de couro, de tipo chinelo, adornados com fivela de prata, entretanto caídos em desuso.
[6] A propina doutoral antiga era obrigatoriamente composta por oferta de vinhos finos, luvas e doces de ovos ao Reitor, Padrinho, Decano da Faculdade (depois de 1910 o Director da Faculdade), Secretário Geral e Orador. Entre 1916 e 1974 o Novo Doutor deveria entregar duas arrobas de doce de ovos, repartindo as quantidades pelos intervenientes. Na actualidade a propina continua a ser de doces de ovos, podendo estes ser revestidos de massa de óstia à moda de Aveiro, divididos em quinhões decrescentes: 2kgs para o Reitor, 1,5kgs o Director da Faculdade, 1kg para o Apresentante, 1kg para o Orador e meio quilo para o Secretário Geral.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Caeremoniale Conimbrigensis
[Parte I]“O Capello”: Imposição de Insígnias aos Novos Doutores
Por AMNunes

Profundamente hostilizado na Europa Continental pelos movimentos abolicionistas filhos da “Illustration”, o cerimonial universitário não parou de sofrer erosões, para finalmente desaparecer com o Movimento Estudantil do Maio de 1968. Já nos países da Commonwealth o abolicionismo produziu efeitos incipientes, ali vicejando afirmações poli-institucionais muito vincadas do cerimonial régio, parlamentar, municipal e de universidades britânicas, canadianas, escocesas ou australianas.
Em finais do século XVIII, as pomposas e caras festividades doutorais espanholas atravessaram um processo de simplificação que culminou no abandono da tourada como parte integrante do ciclo final da cerimónia barroca, enquanto em França o «Decreto de 19 de Setembro de 1793», promulgado pela Convenção, dissolveu as antigas universidades. Reestruturadas no período napoleónico (1808), as instituições universitárias francesas reformadas já não praticavam os cerimoniais de investidura de antanho. As “toges” talares entretanto adoptadas tinham abandonado a antiga e complexa confecção à base de dois corpos talares sobrepostos. O barrete doutoral preto, de formato quadrangular e borla compacta, fora substituído pela “toque” laica, cilindriforme, extraída da indumentária de gala de alguns conselheiros dos velhos parlamentos regionais. Oscilando entre o grande uniforme militar (academias científicas, escolas politécnicas) e a “toge”, a França inaugura um processo de uniformização estadocêntrico da veste profissional, o qual se faz sentir em Espanha (reformas de 1850) e no Portugal republicano (Estatuto Universitário, Decreto 4.554, de 6 de Julho de 1918, sendo Ministro da Instrução Alfredo Magalhães).
Nas universidades históricas italianas nada de substantivo resta do antigo cerimonial que possa servir de base a estudos comparativos com o caso conimbricense. A toga talar e o barrete (“toga e tocco”) são comuns ao universo judiciário, dele se destacando apenas os doutores pelo porte da murça de arminhos ou estola distintiva. Em tempos de laicização, a toga talar judiciária parecia mais aceitável do que as vestes de lastro eclesiástico, pelo que além do caso citado das universidades italianas, o modelo para-judiciário fez moda na oitocentista Escola Médico-Cirúrgica de São Salvador da Bahia[1], na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa (1856), na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, na Academia Polytechnica do Porto (após 1915-1916 o modelo colheu adesões parciais nas novas Universidades de Lisboa e Porto) e desde 1850 em todas as universidades estatais espanholas.
Espanha é um dos poucos países da Europa Continental onde os cerimoniais da coroa, parlamento, municípios, Poder Judicial e universidades, mantém a sua individualidade e esplendor. Portugal, na esteira do paradigma francês, perdeu a diversidade cerimonial intra- institucional e regional, cuja tranche mais significativa se confina desde 1910 ao protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Excluindo a Universidade de Coimbra e algumas confrarias/irmandades (santas casa da misericórdia, festas açorianas do Divino Espírito Santo), o Poder Judicial, os municípios e o parlamento português deixaram perecer os protocolos específicos, optando pelo protocolo executivo-administrativo.
Nos países seguidores do paradigma laico-administrativo, o cerimonial é discretamente remetido para as fronteiras da Casa do Presidente da República e Ministério dos Negócios Estrangeiros. Nas sociedades referidas, a produção de estudos sobre esta matéria é inexistente, porquanto considerada ridícula e desnecessária[2], não havendo distinções protocolares dignas de registo entre a posse de um reitor, governador civil, ministro, director de um banco, presidente do conselho de administração de uma empresa, presidente de um clube de futebol, presidente de câmara municipal ou presidente de um tribunal.
Relativamente a cerimónias de galardoamento de investigadores ou personalidades distintas, os eventos seguem genericamente os mesmos procedimentos organizacionais, não se assinalando diferenças de vulto entre a entrega de uma medalha de mérito por uma determinada câmara municipal, os doutoramentos honoris causa ou os recentes rituais de outorga anual de prémios por parte de certas empresas, clubes de futebol ou cadeias televisivas onde o formato hollywoodiano dos Óscares se assevera paradigma contagiante.
Na Universidade de Coimbra, as marcas do abolicionismo fizeram-se sentir com grande acutilância no período da Revolução Republicana (ca. 1910-1916) e nos anos que antecederam e sucederam a Revolução de 1974 (ca. 1969-1980).
Ao abolicionismo persecutório e radical da derradeira modernidade do século XX sucederam surpreendentes e ainda mal conhecidas vagas de revivalismo, de ne-tradicionalismo e de reformismo. A Igreja Católica Romana, muitas vezes apontada como exemplo de imobilismo, reformou em 1969 as suas vestes, insígnias e cerimonial, em função das orientações do Concílio Vaticano II. Uma das simplificações mais evidentes incide sobre o faustoso e caro ritual de criação e investidura dos cardeais, sendo notório o abandono da capa magna, murça de arminhos e galero escarlate.
O cerimonial de ordenação dos bispos também foi alvo de reformas, especialmente na matéria respeitante às antigas frases rituais latinas. Desde 1969, o cerimonial da Casa Pontifícia não cessou de exibir simplificações, particularmente ao nível dos rituais fúnebres, investidura papal (abandono da coroação e da tiara), trajes dos antigos oficiais camaristas (por exemplo, supressão dos mazzieri, equivalentes dos bedéis) e deslocações em público (musealização da sedia gestatória, flabelos de plumas e sólios).
Algumas universidades francesas deram mostras de retorno à “toge et toque”, às aberturas solenes e doutoramentos honoris causa, com a intelectualidade francesa dividida entre o “velho” abolicionismo vociferante, o desdém pelos cerimoniais britânico e latino (Oxford, Cambridge, Saint Andrews, Salamanca, Coimbra), uma certa vergonha da “toge” e um mal explicado apego à proclamada superioridade do uniforme militar napoleónico de “académicien”[3]. E as incongruências francesas não se ficam por aqui, pois sendo o país da Europa Continental que mais esticou a corda do abolicionismo universitário (as “praxes académicas” foram alvo de proibição legal), é também o país do velho continente que mantém zelosamente no universo dos trajes e insígnias judiciárias a sumptuária de corte anterior ao espírito de 1789.
Em Itália, a “toga e tocco” são vestes comuns à galáxia judiciária, apenas se vendo em momentos honoris causa. O porte de veste profissional encontra-se muito generalizado, mesmo nas universidades italianas de recente fundação. A insígnia de aparato neste país é a murça de peles, e por vezes a estola (Bolonha, Perugia). O cerimonial medieval desapareceu. Cópia significativa de universidades recorre a teatros e anfiteatros para a realização dos honoris causa. Em algumas instituições permanece o costume de honrar os laureados com uma coroa délfica, prática que no século XX se estendeu aos pilotos vencedores dos ralis automóveis.
Em Espanha, o cerimonial universitário viveu anos de grande afirmação, movida reforçada por estudos de protocolo de excelente qualidade. Chefes de protocolo e investigadores fundaram em 1996 a «Asociación para el Estudio y la Investigación del Protocolo Universitário». Entre 1996-2007 foram realizados seis encontros inter-universidades, secundados por publicação de actas, edição de monografias da especialidade (Salamanca, Complutense) e acções de esclarecimento a instituições associadas.
Os antigos países de leste, autonomizados da ex-União Soviética, lançaram-se numa autêntica corrida à invenção de trajes e insígnias, misturando aleatoriamente elementos colhidos nas tradições universitárias francesa, italiana, britânica e norte-americana.
Na primeira década do século XXI, instituições de ensino superior da Suíça, Alemanha, Itália, e de alguns países da América Latina e do Leste Asiático, passaram a reproduzir trajes e cerimónias académicas segundo o paradigma mediatizado pelos EUA (“graduation ceremony”)[4].
Em Portugal, a maior parte das novas universidades surgidas a partir da década de 1970 deu azo à imaginação inventiva, oficializando trajes doutorais ou reformando outros herdados de um passado mais recuado. No caso de instituições como a Universidade [Clássica] de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa, a cerimónia de abertura solene do ano escolar congrega um momento de Imposição de Insígnias aos Novos Doutores que se graduaram no ano lectivo anterior, com porte de traje profissional talar (modelo toga) e entrega de insígnias que visam as mãos e os ombros dos neófitos (diploma impresso, colar, fita), mas não a cabeça[5]. Contudo, em nenhuma das novas universidades portuguesas públicas ou privadas se definiram insígnias ou cerimoniais destinados a mestres e licenciados.
Embora os inimigos do simbólico tenham continuado a olhar com desconfiança e desdém o fenómeno neo-vestimentário[6], a verdade é que a procura de trajes distintivos, insígnias, diplomas e ritos de investidura grassou no Ocidente desde finais da década de 1970. Dos escuteiros às jovens universidades, das maçonarias aos neo-grupos de cavalaria, das ordens profissionais (enfermeiros, médicos, advogados) e confrarias gastronómicas e báquicas às tunas académicas, viveu-se nas décadas de 1980-1990-2010 uma autêntica corrida neo-ritualizante.
Pode mesmo afirmar-se que as vestes talares masculinas de corte, inspiradas na moda em voga nos séculos XV e XVI, nunca deixaram de estar na moda em sectores como a banda desenhada e o cinema de ficção científica. “Star Wars. Episod I. The Phantom Menace”, realizado por George Lucas em 1999, reactualiza diversos trajes talares, utilizados para reforçar no imaginário infantil a ideia de poder e de autoridade (senadores, chanceleres). A batina romana, hostilizada nos séculos XIX e XX, regressou triunfalmente à sétima arte pela mão do actor Keanu Reeves, no filme “Matrix Reloaded” (Irmãos Wachowski, 2003). A influência do guarda-roupa deste filme na moda Ocidental – a viver demorado processo de involução e reciclagem -, foi de tal ordem que nos invernos de 2004 a 2008 proliferaram nos agasalhos masculinos sobretudos pretos com colarinho e carcela do tipo batina romana.
Nos antigos países de leste, o movimento foi mais intenso e abrangente, tendo incidido na reinvenção de togas sincréticas para serviço do universo judiciário. O cerimonial, os trajes e insígnias, antigos, reformados ou recém-inventados, passaram a ser utilizados pelas instituições como instrumentos culturais publicitários aptos a convencerem estudantes e respectivas famílias a optarem pela matrícula numa determinada universidade, bem como a reforçar socialmente a divulgação de uma determinada imagem de prestígio.
O paradigma iluminista uniformizador e normalizador, que no caso de Espanha e de França conseguira levar mais longe o ideal de um só modelo de traje profissional/uma só paleta de cores científicas, vive um autêntico refluxo. No caso de Portugal, a maior parte das universidades públicas e privadas instituídas após 1974 consagrou traje profissional e insígnias distintivas do modelo conimbricense[7], optando assim por processos dissemelhantes de construção identitária. O mesmo aconteceu em múltiplas academias estudantis universitárias e politécnicas, onde a Capa e Batina reportada a Coimbra deixou de constituir o paradigma dominante entre os jovens estudantes portugueses[8].

Embora a Universidade de Coimbra fosse multissecularmente detentora de tradições e rituais específicos, a Reitoria nunca havia recorrido à publicitação deste tipo de produtos para reforçar a sua imagem nos planos nacional e internacional, fazendo jus ao entendimento clássico de que se tratavam de “coisas” ou “curiosidades” dos estudantes[9]. Porém, o decréscimo da procura de matrículas, a concorrência entre instituições de ensino superior e as dificuldades de financiamento, fizeram com que pela primeira vez, no reitorado de Fernando Seabra Santos (2002 e ss.) tenham começado a proliferar nos jornais portugueses mensagens que, além de enfatizarem a qualidade científica da instituição, referiam sem ambiguidades a singularidade de tradições/instituições como a Festa da Queima das Fitas, a Capa e Batina dos estudantes, o ritual da Serenata, a Canção de Coimbra e a possibilidade de ocupação extra-curricular com actividades corais, instrumentísticas e outras ligadas ao associativismo estudantil. Apodadas de reaccionárias na idade clássica dos modernismos eurocêntricos (1789-1968), as tradições e cerimónias foram reintegradas no modus operandi da instituição como signos identitários dotados de positividade singularizadora, de acordo com as estratégias de marketing utilizadas em empresas, arquivos, bibliotecas ou museus (livro do mês, códice raro, pergaminho precioso, cerimónia invulgar, etc..).
O revivalismo neo-cerimonializante vivido no Ocidente e nas jovens universidades portuguesas e politécnicos (novos trajes para docentes, novos trajes para estudantes)[10], não foi acompanhado com idêntico entusiasmo pelas academias científicas e universidades clássicas portuguesas. O traje de académico desapareceu de circulação, contentando-se a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Portuguesa de História com os trajes docentes trazidos pelos seus sócios às solenidades. Ao nível do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o antigo traje de gala de diplomata foi substituído pela casaca vitoriana, por seu turno herdeira da casaca setecentista ou “habit de cour”, vestimenta que na Suécia e na Finlândia se confunde com o traje doutoral e com o traje de grande orquestra.
Na Universidade de Coimbra ficaram bem evidentes os sinais de incapacidade de reforma do Hábito Talar, Insígnias e Cerimonial (inércia de certo modo comparável à situação vivida em Portugal no tocante aos trajes judiciários), num ciclo fini-secular ainda muito marcado pela radicalidade atávica dos discursos “reaccionário” versus “progressista”. Esta visão do sócio-cultural a “duas cores”, excessivamente singela e distorcida, parece colher cada vez menos adeptos, num contexto marcado por revivalismos místicos e operações de patrimonialização de bens materiais e imateriais, onde o paradigma francês do ser-se moderno não tem deixado de evidenciar recuos e fragilidades quando confrontado com os crescentes contactos das elites portuguesas com a cultura anglo-saxónica. A pouco e pouco foi-se tornando claro que campanhas em torno da salvaguarda de bens culturais e simbólicos em risco não são menos dignas do que outras travadas em prol do ambiente ou de espécies animais e vegetais ameaçadas pelos excessos civilizacionais.
Um certo esplendor vivido nos anos da prelatura Rui [Nogueira Lobo] de Alarcão (1982-1998), não ocultou um conjunto substancial de inércias e de interpelações reiteradamente repetidas:

-os impasses da discussão sobre o traje oficial do Reitor e respectivas Insígnias. As propostas no sentido de que o Reitor passasse a envergar Borla e Capelo em verde, cor oficial da Casa Reitoral por herança da antiga Faculdade de Cânones, não frutificaram;
-as sugestões no sentido de que o Conselho Directivo de cada Faculdade adquirisse e guardasse um conjunto completo de Insígnias Doutorais para efeitos de uso protocolar e de empréstimo temporário a determinados docentes, não encontraram acolhimento;
-a questão da falta de espaço nos doutorais da Sala dos Actos Grandes só foi resolvida pelo Senado no Reitorado de Fernando [Manuel da Silva] Rebelo (1998-2002), mediante a fixação de uma quota de assentos para cada Faculdade;
-os projectos apostados na criação de uma oficina anexa à Casa Reitoral apta a confeccionar trajes e insígnias de modelo conimbricense e a preços mais comportáveis, quedou-se por um conjunto de acções exploratórias levadas a cabo em 1992[11];
-nunca se fez integrar no Museu Académico exemplares de trajes nem de insígnias conimbricenses;
-as insistentes reclamações de modernização do cerimonial de investidura doutoral não foram acompanhadas por um trabalho intensivo de pesquisa ou de reflexão[12];
-a parte mais substancial do cerimonial conimbricense, em particular a Imposição de Insígnias aos Novos Doutores, o Cerimonial Fúnebre, a Abertura Solene, a Investidura do Reitor e a Recepção de Chefe de Estado continuaram a escorar-se na tradição oral, com perda muito substancial de informação após a Revolução de 1974;
-o Hábito Talar, modelo masculino e modelo feminino, não foi alvo de reforma nem de revalorização por via de um regulamento escrito apoiado em iconografia, tendo sofrido crescente degradação na era do pronto-a-vestir;
-o cerimonial universitário viveu um crescendo de distanciamento em relação aos estudantes e aos funcionários, não tendo sabido incorporar na sua estrutura novos cargos e funções entretanto surgidos;
-ao contrário de certos movimentos observados nos EUA, Grã-Bretanha, Itália, Suíça e Brasil, o cerimonial universitário conimbricense manteve-se omisso no tocante à aposta na revitalização das cerimónias de formatura de licenciados e de mestres[13], inércia extensiva aos rituais de imposição de insígnias que são específicos destes graus. Por alturas da feitura dos estatutos de 1989 e das comemorações do 7º Centenário da UC, a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, apoiada no antigo cerimonial conimbricense e no Encaenia oxfordiano, intentou propor um protocolo visando a (re)implementação experimental do acto de formatura de licenciado[14]. A proposta não singrou e os estudantes dos anos terminais de licenciatura continuaram a outorgar-se a si próprios uma espécie de falsa formatura apoiada em falsas insígnias como uma cartola (chapéu doutoral na Suécia e na Finlândia), uma bengala e um anel de curso[15], ou mesmo em rituais não institucionais como a “Missa da Benção das Pastas”.

Apesar das inércias enunciadas, a Universidade de Coimbra continuou a ser vista como um paradigma pelas universidades e politécnicos portugueses, cujos órgãos de gestão insistentemente lhe solicitaram informação e minutas de cerimonial. Maior embevecimento se notou por parte das universidades brasileiras, instituições que além de pedirem a Coimbra suporte documental, se afirmam como herdeiras reais ou fictas do legado cerimonializante conimbricense. Aliás, foi nas Faculdades de Direito do Brasil oitocentista que a Borla e Capelo de modelo conimbricense primeiramente se divulgou e consagrou como insígnia distintiva dos doutores, sendo na actualidade inúmeros os derivados deste paradigma[16].
Ao contrário de Salamanca e de outras universidades históricas espanholas que democratizaram a comunicação do seu património protocolar em formato electrónico e através de publicações periódicas (com aflorações compreensíveis no México), Coimbra viveu dilacerada entre o receio da “imitação” e a vontade mitigada de não “deixar morrer” o seu cerimonial. O resultado mais directo destes receios tem-se traduzido num persistente e por vezes incómodo mutismo relativamente aos pedidos de informação/colaboração protocolar suscitados por instituições de ensino superior portuguesas e brasileiras.

O cerimonial conimbricense de investidura doutoral é do tipo “Inceptio”, tendo articulado ao longo dos séculos o primeiro momento da defesa de uma lição (Lectio) com a investidura festiva, competindo ao Cancelário ou ao Reitor a “Creatio” (criação simbólica) e a “Traditio” (entrega das insígnias). Com a Revolução Republicana de 5 de Outubro de 1910 e as reformas então implementadas na Instrução Pública, prevaleceu a opção pelo modelo republicano francês, ou seja a “Disputatio” assente na arguição laica de uma tese ou dissertação científica escrita perante júri acreditado. Apurados os resultados, competiria ao presidente dos júris a proclamação meramente administrativa do Novo Doutor, não sendo requerido que o graduando e jurados envergassem trajes profissionais no transcurso do acto. Posteriormente, cada instituição de ensino superior poderia ou não promover uma cerimónia de Imposição de Insígnias. Na prática, e seguindo os exemplos observados ao longo de novecentos em França e nos EUA, incontáveis docentes optaram (optam) por comprar trajes e insígnias no pronto-a-vestir, envergando-os à margem de qualquer cerimónia de investidura.
Em Coimbra, houve enorme dificuldade em entender a extirpação do simbólico, numa instituição onde o Reitor “criava” ritualística e hierogamicamente os doutores, fazendo-os sair do útero da Alma Mater. O ritual antigo, semelhante em Coimbra, Salamanca, Valladolid, Bolonha e Perugia, era idêntico ao da criação pontíficia dos novos cardeais romanos, competindo aos reitores, cancelários ou papas a gestação ou procriação simbólica, vazada na frase ritual “creo te”, que significa literalmente “eu crio-te” ou “eu elevo-te à dignidade de doutor”. Uma tal homologia nada tem de surpreendente, verificadas, por um lado, as contiguidades entre o cerimonial monárquico, universitário e católico, e por outro, o facto de os cancelários outorgarem os graus de doutor em Teologia e Direito Canónico em representação dos papas.
A propaganda republicana revelou-se extremamente adversa ao cerimonial conimbricense, identificando as insígnias, trajes e rituais como o absolutismo régio de Antigo Regime e com o conservantismo católico. Acusada de “deformar” a juventude, a Universidade de Coimbra era caricaturada como uma anquilosada dama de corte ataviada com adereços barrocos. O processo de hostilização científica, pedagógica, e política, era engrossado pela forma negativa como as elites liam a estética setecentista barroca e “rocaille”, na qual entroncavam as insígnias doutorais. Como se pode constatar, a propaganda republica hiperbolizou no cerimonial universitário os contributos aportados pelo Cristianismo medieval e Contra-Reforma (Missa do Espírito Santo, juramento de fé, investidura, hábito talar) e pela estética barroca (ornamentação das insígnias), tendo omitido toda e qualquer referência ao “Triumphus” romano. Mas, se prestarmos atenção à estrutura do cortejo triunfal, cerca de 50% do cerimonial de investidura doutoral estriba-se na continuidade do “Triumphus” do antigo Império Romano.
O processo governamental republicano, apostado a um tempo na laicização e no abolicionismo, arriscava conquistar poucos adeptos, tanto mais que, como se percebeu em Coimbra nos quatro anos imediatos, a privação do simbólico representava para a instituição conimbricense a morte da sua identidade. A breve trecho, os destrutivos e violentos anos da Grande Guerra, fizeram perceber aos europeus a dimensão de finitude das civilizações e deixaram a nu a niilização resultante dos abolicionismos mais duros. Esvaídos os anos radicais do abolicionismo, começou a tornar-se claro que a reforma da instrução pública também implicara, no caso concreto de Coimbra, um ajuste de contas. Outras instituições detentoras de trajes profissionais e de protocolo, como a Academia das Ciências de Lisboa, ou as escolas politécnicas reformadas e integradas em 1911 nas Universidades do Porto e de Lisboa não sentiram pesar-lhe sobre o pescoço a ameaça da extinção nem foram apodadas de reaccionárias. O receio de represálias governamentais era tal que até 1918 não se realizou em Coimbra a multissecular cerimónia de abertura solene do ano escolar. A partir de 1914 serão os jornais locais, não sem algum bairrismo, que começarão a denunciar a dualidade de critérios dos titulares da pasta da Instrução Pública, reportando nas suas páginas as aberturas de ano académico nas Universidades de Lisboa e Porto, bem como na Academia das Ciências de Lisboa, a adopção da Capa e Batina por assembleias de estudantes de Lisboa e Porto desde 1914, e o uso de insígnias doutorais coimbrãs pelos docentes da nova Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
A partir de 1916 retomou-se o ritual de Investidura dos Novos Doutores, primeiro comedidamente na Sala do Senado (1916-1922), mas confundindo-o duradouramente com a ancestral “creatio”. Reaplicando o disposto nos antigos estatutos, continuou a ser obrigatório para os graduandos do quadro daquela instituição a defesa de dissertação em traje profissional, a presença do Secretário-Geral e do Bedel (a quem competia virar o relógio de areia e proferir o “hora est”) na Sala dos Actos Magnos.
Na prática, Coimbra realizou ao longo do século XX um duplo doutoramento, o administrativo ou profano (proclamado pelo júri e exigido pelo Estado) e o sagrado (pedido ao Reitor, e por ele outorgado através da imposição de mãos e da fórmula «creo te doctorem”).
Esta sobreposição reflecte as idiossincrasias da Universidade de Coimbra e do povo português e tem o mesmo significado da ambivalência grassante desde 1911 entre casamento civil e casamento católico.
Para a esmagadora maioria dos portugueses, mesmo quando não são católicos praticantes, o “verdadeiro” casamento é apenas o católico, realizado em cenário proporcionado por um templo, com o cortejo nupcial e os noivos de fato de gala e vestido branco.
E, não há conservador de registo civil nem alegoria da República que consigam convencer os portugueses do contrário. Da mesma forma que a maioria dos portugueses realiza um duplo casamento (o civil, perante o conservador, e o religioso perante o padre ou pastor), a Universidade de Coimbra promove o doutoramento administrativo (considerado “falso” ou incompleto, porquanto não incorpora a dimensão sagrada e simbólica do ritual ancestral) e o académico propriamente dito, o qual em nada difere do protocolo honoris causa.

O cerimonial conimbricense de investidura ocupa grossa fatia da produção cultural portuguesa, estando referido em obras impressas e trabalhos artísticos: Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Dicionário de História de Portugal, enciclopédias sobre a história do traje em Portugal[17], manuais de protocolo[18], medalhística (Cabral Antunes)[19], painéis cerâmicos (Vasco Berardo)[20], fotografias[21], postais ilustrados[22], revistas ilustradas[23], banda desenhada[24], pintura[25], caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro[26], Francisco Valença[27], Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro[28] e Abel Manta[29], selos de correio[30] e notas emitidas pelo Banco de Portugal[31]. As insígnias são de figuração abundante em estátuas de corpo inteiro[32], bustos[33], peças sacras[34], galeria dos reitores da Universidade de Coimbra, galeria dos reitores da Universidade de São Paulo, retratos da Reitoria da Universidade do Porto, galeria dos Bastonários da Ordem dos Advogados, galeria dos Bastonários da Ordem dos Médicos, colecção de retratos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, retratos a óleo dispersos pela Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, Diocese de Macau, Torre do Tombo, acervos museológicos (Museu Bernardino Machado, Vila Nova de Famalicão)[35], foto-histórias[36], roteiros político-diplomáticos[37], fotobiografias reportadas a docentes de ensino superior, cientistas, estadistas e Chefes de Estado[38], bem como apontamentos fílmicos[39].
Profundamente estigmatizados pela propaganda antimonárquica e anti-Estado Novo, as Insígnias Doutorais e o cerimonial conimbricense tiveram o seu século de obscuridade, posicionável entre o positivismo radical fini-oitocentista e o Maio de 1968, com demoras portugueses para além da Revolução de 1974. Nas décadas mais recentes algo tem vindo a mudar neste discurso. A uma visão estrita e monumentalista do património cultural, estribada em castelos, conventos e museus, sucedeu um entendimento multicultural. O processo de globalização convocou a construção de uma nova consciência patrimonializante, preservadora e responsabilizadora[40]. Em vez de suscitarem sentimentos de vergonha ou de obscurantismo, estes rituais e símbolos afirmam-se portadores de ascestralidade, originalidade, e propiciadores de fruibilidade cultural. Aquilo que durante muito tempo foi alvo de estigmatização, passou a ser concebido como original – a Borla e Capelo são um conjunto artesanal inconfundível no Ocidente, podendo comparar-se a produções culturais europeias únicas como o “galero” dos cardeais romanos ou o “traje de luces” dos toureiros ibéricos; a Universidade de Coimbra é a única instituição histórica europeia continental a manter parte substancial do antigo cerimonial com raízes medievais.

O presente texto não reproduz ipsis verbis a minuta protocolar clássica consagrada entre 1916-1974. Em bom rigor, procede-se à sua adaptação e actualização, tendo em conta o protocolo salmantinense de Investidura de Nuevos Doctores, realizado desde 1984 em conjunto pela Universidade de Salamanca e Universidade Pontifícia de Salamanca no dia do Patrono São Tomás de Aquino (28 de Janeiro). Simultaneamente atende-se a reparos formulados intra-muros nas décadas de 1980-1990, nomeadamente aos dados reflectidos e publicados em 1993 pelo historiador Luís Reis Torgal[41].

Na tradição conimbricense, salmantinense e bolonhesa o ritual medieval de imposição de insígnias doutorais foi considerado no transcurso das centúrias festividade de grande gala (actos magnos), por oposição à prática de ritos de menor expressividade e mais recatado significado como a investidura de bacharéis (actos parvus), congregando toda a Alma Mater e mostrando-se à cidade.
A investidura doutoral, ritual ostentatório, caro e luxuoso, encontra paralelo nas grandes cerimónias europeias de entronização de monarcas, papas, reitores, cardeais, bispos e aristocratas, bem como investidura de cavaleiros.
Os cenários e o aparato das vestes e insígnias deveriam corresponder às exigências do acto solene. Nem sempre as universidades ocidentais dispuseram de espaços condignos para a teatralização deste tipo de cerimónias que, além de reunirem todas as Escolas Maiores que compunham um determinado Studium Generale, implicavam a recepção de altos dignitários militares, judiciais, eclesiásticos e municipais, diplomatas, chefes de Estado e figuras da aristocracia.
Portugal, Itália, Espanha e a Grã-Bretanha recorriam às igrejas de certa categoria e dimensão (catedrais), instalando no transepto um palco provisório, feito à base de madeiras desmontáveis, toalhas, alcatifas, cadeiras de espaldar, escabelos, genuflexórios, sanefas e baldaquinos, reservando as bancadas da nave central para os convidados, familiares e alabardeiros. Tais cenários adequavam-se aos actos académicos de média dimensão (licenciatura/exame privado), bem como aos actos grandes (doutoramentos e mestrados solenes), completando a ligação entre o profano e o sagrado.
Enquanto o Studium Generale esteve em Lisboa, era na Sé Catedral que tinham lugar as mais importantes cerimónias de licenciatura, mestrado e doutoramento. No espaço interno das Escolas Gerais realizavam-se as recepções solenes ao Protector, a colação dos graus de bacharel, a abertura solene das aulas e a eleição e investidura dos reitores. Em Coimbra, os actos grandes de mestrado e doutoramento em Teologia e Cânones tiveram lugar na Sé (Velha), mas entre 1540 e 1834 ocorreram regularmente na Igreja do Mosteiro de Santa Cruz.
No Paço das Escolas Gerais efectuavam-se a abertura solene das aulas (“apertura de curso”), recepções a Chefes de Estado, aceitação dos Protectores, actos grandes de Direito, Medicina e Artes Liberais (Sala dos Capelos), actos de licenciatura (Capela de São Miguel), formatura de bacharéis (salas de aulas dos Gerais), eleição e investidura reitoral, velório de lentes e reitores.
Na actualidade ainda há universidades históricas que recorrem ao aluguer de teatros de certa envergadura (Itália). Outras dispõem de teatro próprio (Oxford)[42]. Outras ainda apostam em anfiteatros (França) e salões.
Os antigos rituais conimbricenses de doutoramento, muito próximos do protocolo de Bolonha e de Salamanca, já não observam o protocolo clássico desde a Revolução Republicana de 1910. Estes rituais tinham sofrido uma primeira severa restrição em 1834, com a nacionalização dos bens da Igreja Católica e incorporação dos bens da Universidade de Coimbra na Fazenda Nacional, tendo o primeiro daqueles actos implicado a expulsão da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Expulsa a ordem monástica, não havia como manter a figura do Magno Cancelário separada da pessoa do Magnífico Reitor. Mesmo que se tivesse pensado em confiar o cargo de Cancelário ao Bispo Diocesano de Coimbra, esta seria sempre uma medida com os dias contados, pois a Universidade vivia crescente escalada de laicização e a prática política deixava adivinhar a separação do Estado da Igreja Católica. Com a supressão da colação dos graus de doutor em Teologia e Cânones em nome e por autoridade delegada dos pontífices romanos, os reitores conimbricenses passaram a colar os graus unicamente mediante “auctoritate regia”, conforme constava no teor de todas as cartas doutorais até 1910.
Suprimidas as grandes cerimónias doutorais de Teologia e de Cânones no Mosteiro de Santa Cruz, em 1834, os doutoramentos breve se restringiram ao recinto do Paço das Escolas Gerais, deixando de ver-se na cidade as famosas cavalgadas doutorais que animavam o terreiro do mosteiro crúzio, a Rua Visconde da Luz (Calçada), Arco de Almedina, Rua das Fangas, Largo da Sé Velha e espaços adjacentes à Alma Mater.
Nas vésperas da Primeira República ainda era costume os moradores da Alta de Coimbra enfeitarem as janelas das ruas próximas da Universidade com vistosas colchas de aparato. Mas o tradicional passeio doutoral já não se via fora de portas. Há muito que a Charamela deixara de ir buscar o candidato a casa, trazendo-o festivamente ao local da examinação/investidura, e idêntico esquecimento acontecia em relação ao toque instrumental que deveria mimosear a Casa Reitoral.
Os préstitos académicos saíam a maior parte das vezes do Observatório Astronómico, edificação setecentista existente ao fundo do terreiro do Pátio das Escolas, atravessavam o recinto pelo lado da Capela de São Miguel, ascendiam o escadório aposto junto ao embasamento da torre sineira, percorriam a Via Latina e penetravam na Sala dos Actos Grandes pela porta fundeira, ouvindo-se por todo o tempo peças instrumentais interpretadas pela Charamela e o incessante dobrar festivo do Sino dos Capelos[43].
Tudo se passava articulada e sequencialmente, misturando-se fé e ciência: a longa leitura dos pontos da tese perante os arguentes, a votação por meio de bolas brancas e pretas, as “cólicas” que antecediam a aprovação ou a reprovação, a solene Missa do Espírito Santo na Capela de São Miguel com o corpo catedrático das Faculdades, Casa Reitoral, oficiais e archeiros, todos em grande uniforme, os juramentos de fidelidade com a mão sobre a Bíblia ao Dogma da Imaculada Conceição e ao Concílio de Trento.
Missa do Espírito Santo terminada[44], a Universidade seguia em préstito de gala para a Sala dos Actos Grandes, reactualizando a parada triunfal dos generais romanos. Nos actos de licenciatura, o percurso era inverso, descendo a Universidade da Sala do Exame Privado para a Capela de São Miguel.
A olhos menos habituados e desconhecedores, o grave préstito talvez pudesse confundir-se com uma procissão religiosa. Não nos deixemos ludibriar. A religiosidade continuava lá, mas já não era a mesma da Missa do Espírito Santo. Cultuava-se agora à Sapiência, ou melhor, a Minerva, transpondo para a Alta de Coimbra (dita “Acrópole” e “Lusa Atenas”) os passos fundamentais das grandes festividades gregas dedicadas a Apollus Laurus, bem como o ritual do “Triunfo Romano” dos grandes generais, em notável sincretização entre o legado greco-romano e a cultura cristã medieval.
Da cultura grega remanesciam a imagem entronizada de Pallas Atheneia, com os códices da cultura, o mocho dos estudos (Athena Noctua), o elmo convertido em barrete laureado e a graciosa figurinha de Niké (Vitória alada) em posição de laurear os homens de ciência e cultura.
Da Hélade sobravam laivos dos Jogos Píticos, realizados de quatro em quatro anos no Santuário de Delfos, em louvor de Apollus Laurus, os quais incluíam provas desportivas e competições poético-musicais. Os vencedores eram coroados de louros na cidade de Tempe. Outra incrustação no passeio doutoral e Imposição de Insígnias era o “Romanus Triumphator”, cerimónia militar e religiosa polarizada pelo Triunfo Romano, grande solenidade destinada a consagrar publicamente os comandantes militares afirmados nos campos de batalha extra-muros.
As analogias entre o Triunfo Romano[45] e o Doutoramento em Bolonha, Coimbra e Salamanca, são por demais evidentes:

-a solicitação do Triunfo ao Senado Romano/à Universidade;
-aprovação do candidato académico perante um júri/aclamação do general pelas suas tropas;
-apresentação de provas académicas e mérito curricular/vitória militar perante exército estrangeiro, matando pelo menos 5.000 adversários;
-espectacular desfile com início no Campo de Marte, passagem pela Porta Triumphalis, Velabrum, Forum Boarium, Circo Máximo, Via Sacra e Monte Capitolino/parada académica entre o Paço das Escolas e a Sé Catedral de Lisboa, ou entre o Mosteiro de Santa Cruz (porta triunfal com anjos trompetistas) e o Paço das Escolas (Porta Férrea e propileus da Via Latina);
-travessia da Via Sacra (Roma)/travessia da Via Latina (Coimbra);
-subida à escadaria do Templo de Júpiter Optimus Maximus (Roma)/ascensão ao paraninfo do Mosteiro de Santa Cruz/Sala dos Actos Grandes;
-a presença de trombeteiros/tocadores de charamelas;
-exibição de insígnias/idem, pelos pajens;
-o general vitorioso fazia-se acompanhar dos seus lictores com os feixes erguidos/o doctorando era ladeado pelo seu Apresentante, levando na frente os bedéis com as maças de cerimónia;
-os despojos de guerra e tesouros conquistados eram exibidos perante Roma/os feitos dos Novos Doutores eram exaltados pelos Oradores;
-o general vitorioso ofertava a Júpiter os louros da vitória/o académico era investido com a laurea pelos “serviços” prestados à causa da Sabedoria;
-o general custeava uma festa ostentatória/o académico suportava a festa;
-terminada a cerimónia pública, o laureado regressava festivamente a casa e convidava os cônsules para um banquete/a cerimónia doutoral rematava com passeio e banquete (prandium).

Analogias, e bem evidentes, se podem assinalar entre o cerimonial doutoral de Coimbra/Salamanca e a Ordenação Episcopal vazada por escrito no pontifical romano. Diferenças? Algumas…

-o Bispo Eleito era “apresentado” por dois bispos ordenantes/o mestre candidato ao grau de Doutor era “apadrinhado” por um Apresentante;
-o rito de Ordenação dos novos bispos dispensava a homilia. O antigo ritual de doutoramento exigia, para Portugal e Espanha uma prévia Missa do Espírito Santo;
-pelo menos desde o século XIII que os bispos ordinandos estavam sujeitos a um interrogatório, reforçado por juramentos de fé ou de fidelidade. Na actualidade são formuladas quatro perguntas, estruturadas de acordo com as orientações do Concílio Vaticano II. Em Coimbra os juramentos de fé e de fidelidade foram abolidos em 1910. Em Salamanca, logo após os ABRAZOS e antes do VÍTOR, ainda se profere juramento perante o Crucifixo e a Bíblia, nos momentos finais do rito de imposição de insígnias. A cerimónia de Investidura de Nuevos Doctores, realizada conjuntamente com a Universidad Pontifícia de Salamanca desde 1984, no dia do Patrono São Tomás de Aquino (28 de Janeiro), começa na “Capilla Universitária” com uma missa solene, seguindo-se o cortejo académico, a cerimónia de investidura e a entrega de prémios a investigadores e mecenas[46];
-o Bispo ordenante principal e os restantes bispos presentes impunham as mãos sobre a cabeça do neófito ajoelhado, verberando “Accipe Spiritum Sanctum”; o Cancellarius ou o Rector, conforme a natureza dos graus, impunha as mãos sobre a cabeça do graduando ajoelhado (de “rodillas”);
-o ordinando recebia o Livro dos Evangelhos, que primeiramente lhe era colocado aberto sobre a cabeça; em Coimbra e Salamanca os Doutores recebiam o “livro da sabedoria”;
-ao novo bispo se entregavam os símbolos da “traditio”, a Mitra, o Anel Episcopal e o Báculo, insígnias que eram benzidas e entregues com falas rituais latinas[47]; em Coimbra e Salamanca os novos doutores recebiam o Barrete Doutoral, o Anel Doutoral e o Livro da Sabedoria;
-se o Bispo fosse ordenado na sua catedral, o ordenante convidava-o a tomar posse da catédra. Se fosse ordenado noutro templo, o ordenante convidava-o a sentar-se no primeiro lugar entre todos os concelebrantes; em Coimbra e em Salamanca o Novo Doutor era conduzido pelo Bedel e Mestre de Cerimónias à sua cátedra;
-o cortejo triunfal dos bispos era concretizado em momento distinto da ordenação, coincidindo com a entrada solene na diocese; em Coimbra e Salamanca, o passeio doutoral antecedia por momentos a cerimónia de investidura;
-conclusão da cerimónia com o “osculo”, mediante o qual o bispo ordenante e todos os prelados presentes acolhem o investido no colégio episcopal; ósculo ou cerimónia dos abraços em Coimbra e Salamanca.

Quanto ao ritual de investidura dos cardeais romanos segundo o protocolo anterior a 1969, evidenciemos:

-investidura de joelhos ante a cátedra papal na Catedral de São Pedro;
-solene imposição papal do galero escarlate de cordões e borlas, estando o investido adornado com a Capa Magna e o capuz da murça deitado pela cabeça (Imposizione del Galero)[48];
-o abraço de acolhimento (Osculum Pacis, Abraccio di Pace);
-imposição do anel cardinalício, em ouro, sendo a gema de safira (Consegna dell’anello);
-a tomada de assento nos cadeirais da Capela Sistina, com cada uma das cátedras sobrepujadas por baldaquino.


Até ao presente não se conhece programa escrito da Cerimónia de Imposição de Insígnias aos Novos Doutores da Universidade de Coimbra. No rescaldo da Revolução Republicana de 5 de Outubro de 1910, em fase de retoma do cerimonial universitário, em 1915-1916, usou-se o mesmo formulário para as situações de Doutoramento Honoris Causa e de Imposição de Insígnias aos lentes do claustro conimbricense que já haviam defendido com aprovação a sua tese científica. A minuta, exarada em 1916, posteriormente dada à estampa na «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira», Tomo IX, s/d, p. 285, menciona apenas “Doutoramento”. No período do Estado Novo falava-se em “Doutoramento Solene”, recorrendo os Serviços Académicos ao mesmo formulário para situações honoris causa e de imposição de insígnias a docentes previamente doutorados. É neste sentido que a minuta de 1916 aparece sucessivamente empregue em trabalhos artísticos[49] ou publicações diversas[50].
Esta confusão protocolar seria severamente criticada após 1974, e com alguma pertinência, pois se nas cerimónias honoris causa se realiza “um doutoramento solene” com adaptações sobre o miolo do ritual multissecular, já no tocante à Investidura de Novos Doutores a cerimónia não pode considerar-se de doutoramento tout court, uma vez que os candidatos à laurea já prestaram provas académicas de doutoramento perante júri administrativa e cientificamente credenciando. O que estes detentores do Grau de Doutor por uma determinada Faculdade da Universidade de Coimbra fazem é requerer à Casa Reitoral e ao Mestre de Cerimónias a realização do ritual clássico de investidura ou outorga das Insígnias Doutorais. Mas, por se entender que eram o Cancelário ou o Reitor a “criar” os novos doutores, prevaleceu em Coimbra a fórmula latina da petição «Peto Gradum Doctoratus in Praeclara Facultatis (…)», bem como na de Salamanca, Studium Generale onde os candidatos continuam a solicitar colectivamente ao Reitor «Peto (…) gradum doctoris». Não deixa de reconhecer-se certa razoabilidade nesta cosmovisão, uma vez que o júri administrativo declara que um graduando é científica e administrativamente doutor, mas não o eleva à dignidade de doutor nem o acolhe como par na comunidade dos doutores. No caso de Coimbra, a situação era de tal modo complexa, que até 1974 os estudantes só acolhiam plenamente um Novo Doutor depois de o terem submetido à Tourada ao Lente, cerimónia burlesca sucedânea do velho “vexame” que rematava com o docente a ser coroado com uma pasta de estudante quintanista fitado.
Na Idade Média, Antigo Regime, Monarquia Constitucional e Primeira República, eram raros os actos colectivos de Imposição de Insígnias. Ainda assim há notícia de algumas excepções: diversas imposições distribuídas por grupos de lentes de certas Faculdades na Reforma Pombalina de 1772; investiduras de grupo em 1916 e anos seguintes na Sala do Senado, as últimas sem observância do protocolo tradicional, o qual só é plenamente retomado desde 1922.
A carestia da cerimónia e das Insígnias fez com que a partir da década de 1930 os novos doutorados pelas várias Faculdades se organizassem em grupos de 3 a 7, partilhando as despesas[51]. De facto, os chamados “doutores de carreira”, ou doutores membros do claustro da UC, são obrigados a arcar com a propina de ovos doces, a aquisição da Borla e Capelo, os honorários devidos aos charameleiros, archeiros, bedéis, oficiais, jardineiro, sineiro e banquete que remata a festividade.
À semelhança do que acontece nas Universidades de Salamanca e Complutense de Madrid, esta cerimónia do Capelo ou de Imposição de Insígnias aos Novos Doutores poderá também ser requerida por doutorados pela Universidade de Coimbra que não integram o seu corpo docente. O protocolo a observar será o mesmo, embora não faça sentido praticar-se, na parte final, a Ostentação na Cátedra, o «Osculum Pacis» colectivo nem a entronização nos doutorais.
Em Salamanca e na Complutense, o ritual de Imposição de Insígnias é realizado anualmente, num determinado dia do calendário académico, estando presentes os Novos Doutores de todas as Faculdades, neles se incluindo docentes do quadro e graduandos exteriores à instituição. No caso espanhol, o número crescente de actos académicos, tem feito aproximar a antiga grande cerimónia doutoral do ritual de bacharelato, da “graduation ceremony” realizada nos liceus norte-americanos e da “formatura” praticada nalgumas universidades brasileiras. Outra diferença de vulto entre Coimbra e Salamanca radica no facto de a Alma Mater Conimbrigensis praticar um cerimonial laicizado, enquanto em Salamanca, apesar de não ser obrigatória a Missa do Espírito Santo, ainda se canta o «Veni Creator» e profere o juramento religioso dos laureandos perante o Crucifixo e a Bíblia.
À Reitoria compete fazer chegar aos membros do Claustro Doutoral convites, mencionando o dia e hora em que decorrerá a cerimónia e especificando ao fundo, em letras reduzidas, “Hábito Talar de gala (=com luvas brancas)[52] e Insígnias Doutorais”.
ANOTAÇÕES
[1] Vejam-se algumas imagens sobre a toga talar dupla, faixa, barrete e romeira dos lentes e directores desta instituição fundada por D. João VI em 18 de Fevereiro de 1808 em Margarida Sousa Neves, «Lugares de Memória da Medicina no Brasil. Faculdade de Medicina da Bahia», http://www.historiaecultura.pro.br/cienciaepreconceito/lugaresdememoria/faculdadedemedicinadabahia.htm. O traje, de cor preta, não parece ser anterior à segunda metade do século XIX, subscrevendo a voga de vestes talares universitárias de figurino judiciário que marcou países com a França, a Bélgica, Espanha, Portugal (excepção feita a Coimbra) e Itália. Países como a Suíça e a Alemanha mantiveram-se próximos da toga calvinista e luterana.
[2] Trata-se também de uma atitude cultural resultante de desconhecimento. Relativamente a um tema contíguo, o das festividades e entradas régias em Portugal, uma falecida investigadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa anotava pela segunda metade da década de 1980 o profundo desfasamento entre a produção europeia e a inércia investigativa portuguesa. Cf. Ana Maria Alves, “As Entradas Régias Portuguesas”, Lisboa, Livros Horizonte, s/d, pp. 7-9.
[3] Uniforme aprovado por Napoleão Bonaparte em 13 de Maio de 1801, era inicialmente constituído por “grand costume” e “petit costume”. O primeiro estava próximo do “habit de cour” laicizado após 1789: casaca escura, colete claro bordado, calções pretos bordados com ramos verdes de oliveira, plastron e “chapeau à la française” (bicórnio de feltro e plumas). O símbolo inicial de académico era uma “cana” ou bastão de um metro de extensão, a qual viria a ser oficialmente adoptada na década de 1850 como símbolo dos reitores de Espanha. No período das campanhas napoleónicas do Egipto, o bastão de académico foi largamente substituído pela espada, moda que se impôs (espada ornamentada). Em momento posterior, o pintor Paul Delaroche acrescentou ao “grand costume” uma capa militar. O antigo calção foi sendo gradualmente substituído pela calça comprida. Esta tipologia viria a ser adoptada em 1856 na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa (sem capa), com derivações pelos conselheiros de Estado que não eram magistrados judiciais, Academia das Ciências de Lisboa, governantes e membros de academias espanholas e tardias consagrações na Academia de Itália (época de Mussolini) e Academia Portuguesa de História. O “grand uniforme” foi feminilizado na década de 1970, mas o porte masculino e feminino está longe de gerar consensos. Em Portugal, o bicórnio era referido na Academia das Ciências como o “abajour”. Apesar da simplificação do “grand costume”, a “Cérémonie Officielle de Remise de l’Épée d’Académicien” colhe mais adeptos e impacto do que as cerimónias universitárias. Alguns textos de apoio e imagens em «Institut de France, Le Parlement des Savants. Les rites et les mythes. L’Habit fait l’Académicien (idem, “L’Épée”), http://www.institu-de-france.fr/rubrique_academie_des-beaux_art__habit_fait__academicien.html?arbo=448&page=87.
[4] Por volta de 2005, a Universidade de Bona realizou a sua primeira mega “Graduation Ceremony” ao estilo norte-americano. Em Itália, a Universittà di Udine levou a cabo em Outubro de 2006 o seu primeiro “Graduation Day”. Em fase de expansão, este tipo de cerimónia globalizante também se realiza no Brasil e em politécnicos suíços.
[5] Não obstante, algumas das universidades surgidas na recta final do século XX prestam atenção ao porte de cobertura de cabeça, exemplificando estas situações as Universidades dos Açores, Algarve, Évora, Minho, Beira Interior e Nova de Lisboa.
[6] Em termos de amostragem significante, haverá que relativizar esta “evidência”, uma vez que a rejeição do simbólico se tem asseverado bastante parcial e portadora de incongruências. O mais frequente é o investigador deparar-se com acérrimos adversários do cerimonial universitário e religioso que paralelamente fazem amplas concessões ao cerimonial judiciário ou político-administrativo, ou resvalam para o porte irracional de símbolos de clubes de futebol (não raro associados a atitudes de xenofobia, racismo, corrupção) ou militância em grupos defensores da acção violenta.
[7] A desconstrução da visão monocultural republicana ocorre oficialmente com a Portaria nº 11.170, de 17 de Novembro de 1945 [Diário do Governo, I Série, Nº 256, p. 256], promulgada pelo Ministro da Educação Nacional José Caeiro da Mata. Tratava-se de regular o traje profissional, as cores científicas e as insígnias da Universidade Técnica de Lisboa. A natureza “politécnica” desta instituição conduziu, na circunstância, não ao uniforme napoleónico de “académicien”, mas a uma toga do tipo francês, completada por epitógio e gorra renascença, solução distanciada do paradigma conimbricense. A entrada “Universidade”, na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Volume 33, ano de 1956, p. 442, dava conta das seguintes diferenças em meio do século XX: a) a Universidade Técnica, com traje profissional, cores e insígnias distintas das três universidades de Lisboa, Coimbra e Porto; b) a Universidade Clássica de Lisboa, cujas Faculdades procuravam seguir em termos de traje e de insígnias o modelo conimbricense, e dentre elas, com peculiar ênfase, a Faculdade de Direito. A Faculdade de Medicina mantinha o antigo traje oitocentista, composto por toga talar preta e barrete redondo, o qual fora aprovado como traje oficial daquela universidade por Despacho de 3 de Junho de 1915; c) a Universidade de Coimbra, com Hábito Talar, Borla e Capelo e Anel, de uso comum em todas as Faculdades; c) a Universidade do Porto, cuja veste e insígnias eram a toga preta oitocentista e o barrete octavado, embora se notasse alguma preferência pela solução conimbricense. Note-se que em Portugal, o Ministério da Instrução/Educação nunca chegou a padronizar uma veste profissional à escala nacional, apenas tendo determinado tal solução para as insígnias de matriz conimbricense: Decreto 4.554, de 6 de Julho de 1918; Decreto 12.426, de 2 de Outubro de 1926; Decreto 18.310, de 10 de Maio de 1930. O facto de o Ministério da Instrução entender que competia a cada universidade escolher o seu traje profissional, não evitou que em 1924 o executivo decretasse a Capa e Batina traje dos estudantes liceais de ambos os sexos. Esta visão nacionalista de um traje ou de insígnias concebidos como totalidade evoluente, claudicou em toda a linha após o Maio de 1968. Sobre o policulturalismo vestimentário e simbólico das instituições portuguesas de ensino superior após a Revolução de 1974, siga-se Armando Luís de Carvalho Homem, O Traje dos Lentes, Porto, FLUP, 2007, pp. 49 e ss.
[8] São em número avultado as Academias cujos estudantes a partir dos alvores da década de 1990 optaram por “trajes académicos” inventados ou reinventados: Universidade do Minho, Universidade de Aveiro, Universidade do Algarve, Universidade da Beira Interior, Universidade dos Açores, Escola Superior Agrária de Coimbra, Instituto Politécnico de Tomar, Instituto Politécnico de Viseu, institutos superiores de Portalegre, Beja, Bragança, Viana do Castelo, etc. Trata-se de um fenómeno ainda não estudado, podendo estabelecer-se um paralelo entre ele a adopção de trajes, rituais e insígnias pelas confrarias gastronómicas portuguesas, francesas e belgas. O movimento não é exclusivamente português, sabendo-se que as tunas de figurino espanhol começaram a proliferar em França e Alemanha (desde a década de 1890 que se conhecem aclimatações em universidades da América Latina).
[9] Esta afirmação carece de ser mitigada, uma vez que a Primeira República e o Estado Novo intentaram anteriormente utilizar selectivamente certos organismos académicos como “embaixadores culturais”. A projecção internacional de certos mitos ou símbolos académicos não sempre foi correctamente descodificada. Assim, aquando da deslocação do Orfeon Académico a Paris em 1924, os coralistas foram inicialmente recebidos com hostilidade, por se crer que fossem “camisas negras” afectas ao regime de Benito Mussolini. Em finais da década de 1950 quando o lente da Faculdade de Direito da UC Braga da Cruz representou, como advogado, no Tribunal de Haia, os interesses do Governo Português contra a União Indiana, houve quem perguntasse “quem era aquele bispo”. O Doutor Manuel Braga da Cruz apresentou-se no Tribunal de Haia em Hábito Talar e Borla e Capelo, fazendo uso de uma antiga tradição portuguesa e conimbricense que permite aos juristas de Coimbra exercer advocacia com as vestes e insígnias doutorais.
[10] Em geral, os trajes inventados ou adoptados pelos estudantes não foram resultado de um processo de escolha partilhado pelos órgãos de gestão do estabelecimento de ensino a que estão afectos os alunos. Não existe assim sintonia alguma entre o modelo de traje e insígnias que a instituição adoptou oficialmente para uso dos docentes doutorados e as vestes/insígnias consagrados pelos estudantes. Nenhuma destas instituições realiza cerimónias de formatura de licenciados, mas caso tal acontecesse, seria curioso averiguar que tipo de vestes indicariam os serviços de protocolo. No tocante ao corpo docente, as vestes escolhidas pela maioria das universidades públicas são esmagadoramente “doutorais”, uma vez que não abarcam ensinantes licenciados nem mestres. Nas décadas de 1980-1990 constituía excepção a Universidade de Aveiro, a qual consagrou vestes distintas para mestres e doutores. Em algumas destas universidades há que entenda que o Hábito Talar de Coimbra, por não passar de uma singela casaca oitocentista recoberta por capa, pode ser usado ocasionalmente como veste pré-doutoral, em sede de arguição de tese doutoral ou até ao momento em que o doutorado ascende a catedrático (passando doravante a envergar toga).
[11] Processo na altura liderado pelo Administrador da Universidade, Dr. José Maurício Lebreiro. Chegaram a ser encetados contactos para que uma das derradeiras artesãs de Coimbra (a bordadeira Leocádia Machado, com oficina em Santa Clara) formasse jovens artesãs.
[12] Alguns dados em Dulce Neto, “As lutas praxistas dos lentes da Universidade. Borla e Capelo são sinónimos de sabedoria?”, in Jornal de Coimbra, de 7 de Junho de 1989, pp. 12-13; idem, “A Praxe dos Lentes”, Jornal de Coimbra, de 14 de Junho de 1989, pp. 14-15.
[13] Em Portugal, a Universidade Católica tem realizado no início do ano escolar uma Cerimónia de Entrega das Cartas de Mestre aos graduandos no ano anterior.
[14] A autora, que em 1989 integrou a Comissão de Revisão dos Estatutos, na qualidade de especialista e conselheira em matéria de Cerimonial Universitário, informa que não chegou a escrever uma minuta protocolar. Propunha uma cerimónia colectiva para todas as Faculdades, no mesmo dia e local, em princípio da Sala dos Actos Grandes. O facto de o Secretário Geral ter objectado que não seria possível ter os certificados de licenciatura prontos, fez abortar a proposta. Assim, a discussão institucional sobre o tipo de insígnias deste grau não chegou a fazer-se (declarações pormenorizadas em 24/01/2008).
[15] Por exemplo, numa medalha produzida em 1983 pelo imaginário local José Maria Cabral Antunes (série de 5, intitulada “Tradições Académicas de Coimbra”), representa-se como “Formatura” o ritual não institucional do “Rasganço”.
[16] Vejam-se algumas imagens e informações em Rosana de Oliveira, “Universidade de São Paulo: seus Reitores e seus símbolos”, São Paulo, Editora Universidade de São Paulo, 2006 (a partir do reitorado de Waldyr Oliva, balizado entre 1978-1982, os reitores passaram a usar apenas a cor branca); “Universidade de São Paulo. Vestes Talares. Reitores”, http://www.usp.br/gr/vestes.php; “Biblioteca Virtual Gilberto Freire (honoris causa na Faculdade de Direito da Universidade do Recife), http://www.bvgf.fgf.br/; “Vestes Talares”, http://pt.wikipedia.org/wiki/Vestes_talares-20k; “Universidade do Oeste de Santa Catarina. Principais informações sobre a Formatura”, http://www.unoescxxe.edu/br/unoesc/estrutura/in_formandos.pdf; “Trajes Talares. Togas e Becas”, http://trajestalares.com/modelos.html-4k.
[17] Cf. Matos Sequeira, “História do Trajo em Portugal. Enciclopédia pela imagem”, Porto, Lello & Irmão, s/d. Esta obra, a preto e branco, reproduz aguarelas de ca. 1830 pertencentes ao Arquivo Histórico Municipal de Coimbra (Torre de Almedina), como o Guarda-Mor (p. 48), o Estudante (p. 49) e o Lente de Medicina (p. 50).
[18] Traduzindo as atenções do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do seu antigo Chefe de Protocolo, confira-se Hélder de Mendonça e Cunha, “Regras do Cerimonial Português”, Amadora, Livraria Bertrand, 1976, anexo II, pp. 167-172.
[19] Veja-se a medalha em bronze realizada por imaginário local José Maria Cabral Antunes (1916-1986), para a Medalhística Lusa-Atenas no ano de 1984. Esta medalha integra a série “Tradições Académicas de Coimbra”, mostrando na outra face o interior da Sala dos Capelos. Agradeço a datação desta obra ao Sr. Fernando Simões Ribeiro. Divulgação desta medalha no catálogo “Cabral Antunes. Escultor e Medalhista”, Coimbra, 1987, autor que também retratou em medalha, e envergando Insígnias Doutorais, “Prof. Doutor Bissaya Barreto. 1886-1974”, “Eugénio de Castro. 1869-1969”, “Prof. Doutor João Porto. 1891-1967” e “Doutor Mendes dos Remédios. 1867-1967”. Terá ainda realizado um busto de Maximino Correia, com Capelo pelos ombros.
[20] Bedel, Archeiro, Pajem e Lente de Direito, painel cerâmico de Vasco Berardo, assente em 1990 no Centro Cultural D. Dinis, nos baixos do antigo Colégio das Artes. Reprodução a cores em Manuel Augusto Rodrigues, “A Universidade de Coimbra. Marcos da sua história”, Coimbra, AUC, 1991, p. 335.
[21] Lentes e funcionários com insígnias desde a década de 1850: Alexandre Ramires, “Passado ao Espelho. Máquinas e imagens das vésperas e primórdios da Photographia”, Coimbra, Museu de Física da Universidade de Coimbra, 2006 (lente Joaquim Simões; imagens colhidas no álbum de J. David, “Universidade de Coimbra. 1880-1881”); idem, Alexandre Ramires, “Revelar Coimbra. Os inícios da imagem fotográfica em Coimbra (1842-1900)”, Coimbra, Museu Nacional de Machado de Castro, 2001 (contínuo, guarda-mor, archeiro, estudante); António Manuel Nunes, “A Alma Mater Conimbrigensis na fotografia antiga”, Coimbra, Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, 1990 (estudante, lente, reproduções do álbum de J. David, de 1880-1881).
[22] Lente com insígnias, archeiro, guarda-mor, préstito de um capelo a sair do Observatório Astronómico, divulgação em Carlos Serra e Berta Duarte, “O postal ilustrado. Contributo para a imagem de Coimbra. Exposição no Edifício Chiado. 28/6 a 15/7, Coimbra, Edição da Câmara Municipal de Coimbra, 1986.
[23] Citem-se as notáveis reportagens fotográficas de Joshua Benoliel, relativas a deslocações de académicos de Coimbra a Lisboa, a presença de uma comitiva de lentes na cerimónia de aclamação do Rei D. Manuel II, ou a visita de D. Manuel II a Coimbra, com edição na “Illustração Portugueza” referente aos anos de 1907-1910. Com muito menor intensidade e perda de qualidade gráfica, a mesma publicação registará momentos do período republicano como a presença de uma deputação da UC no funeral do Presidente Sidónio Pais e a primeira cerimónia honoris causa realizada em 1922.
[24] Veja-se o desenho crítico de Carlos Botelho, alusivo às festividades de 1937, editado em “Ecos da Semana”, de 12 de Dezembro de 1937, com reprodução em João Paiva Boléo (e outros), “Coimbra na banda desenhada. Catálogo 2003”, Porto, Edições Asa, 2003, p. 44. As comemorações da transferência joanina (1537-1937), celebradas sob a égide do Estado Novo, originaram algumas visões satíricas. Botelho figura os archeiros como pescadores e a Borla doutoral como um pincel ou apagador de cultura. Outra figuração de interesse, embora pouco credível, respeita à fundação da Real Academia das Ciências de Lisboa. José Garcês, autor da BD, sugere um grupo de academistas com toga e insígnias de Medicina. Cf. A. Do Carmo Reis, “História de Portugal em BD. A Restauração da Independência”, 3º volume, Porto, Edições Asa, 1992, p. 47.
[25] Além de inúmeros retratos a óleo, noticie-se a pintura de D. Diogo de Reriz, com reprodução minimalizada a preto e branco em Octaviano de Sá, “Nos Domínios de Minerva”, Coimbra, Arménio Amado Editor, 1939.
[26] Rafael Bordalo Pinheiro, “Álbum das Glórias. Edição comemorativa do centenário da morte de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905)”, Lisboa, Expresso, 2005, p. 75. A corrosiva caricatura “Alma Mater. A Mãe dos Bacharéis”, vem acompanhada por um violento texto assinado por Ramalho Ortigão.
[27] “De Profundis”, relativa ao chumbo de José Dias Ferreira em actos magnos na Faculdade de Direito, no dia 28 de Fevereiro de 1907, “História da República”, Lisboa, Editorial O Século, 1960, gravura anexa à p. 270.
[28] “R.R.R. A Universidade”, caricatura republicana virulenta, publicada na sequência da reprovação de José Dias Ferreira (1882-1953) em actos magnos pela Faculdade de Direito, no dia 28 de Fevereiro de 1907, acto que esteve na origem directa da Greve Académica de 1907. Republicação em “História da República”, Lisboa, Editorial O Século, 1960, ilustração anexa à p. 282.
[29] Nomeadamente “Recepção Académica” e “Salazar Jovem”, “João Abel Manta. Caricaturas Portuguesas dos anos de Salazar”, 2ª edição, Porto, Campo das Letras, 1998.
[30] Selos de $50 e de 1$00, alusivos aos “200 anos do nascimento de Félix de Avelar Brotero”, editados em 1944, reproduzindo a estátua do Jardim Botânico; selos de 1$00 e 2$30, dos “100 anos do nascimento do Professor Doutor Gomes Teixeira”, editados em 1952 (este conhecido Reitor da UP era doutorado em Matématica pela UC, dele existindo retrato com insígnias na galeria reitoral da UP); selo de 1$50, “Emissão Comemorativa do Nascimento de Egas Moniz”, colocado no mercado em 27 de Dezembro de 1974; selo de 80$00, celebrativo de “Vultos da Medicina Portuguesa”/Egas Moniz, posto a circular em 1999; selo evocativo de “Vultos da História da Cultura Portuguesa (1851-1901)”/Carolina Micaelis, emitido em 2001. Exemplares disponíveis on line em Selos de Portugal, http://paulosalvado.no.sapo.pt/indice.html-5k.
[31] Cite-se a antiga nota portuguesa de 1000$00, editada em sucessivas séries entre 2 de Agosto de 1983 e 3 de Março de 1994, com Teófilo Braga (1843-1924) envergando capelo da Faculdade de Direito de Coimbra. Este político republicano, investigador e docente do Curso Superior de Letras era formado pela Faculdade de Direito da UC, tendo realizado nesta mesma instituição o seu doutoramento.
[32] Estátua de Avelar Brotero, por Soares dos Reis, no Jardim Botânico da UC; estátua de Júlio Henriques, por Barata Feyo, no Jardim Botânico da UC; estátua de um doutor sentado, por Jorge Barradas, no painel cerâmico da sala de leitura da Biblioteca Geral da UC; estátua de Fernando Bissaia Barreto, por Vasco Berardo, na rotunda fronteira ao Portugal dos Pequenitos; estátua do Doutor Levy Maria Jordão, por António Duarte, no Tribunal Judicial de Chaves; estátua de António de Oliveira Salazar, por Francisco Franco.
[33] Busto de Carolina Micaelis no jardim da Escola Secundária Carolina Micaelis (Porto, escultor José de Sousa Caldas), busto de Guilherme Moreira (jardim municipal de Santa Maria da Feira, por Henrique Moreira), busto de José Alberto dos Reis (jardim do Tribunal de Celorico da Beira, escultor António Duarte), busto de Manuel Rodrigues Júnior (Tribunal de Santarém, escultor António Duarte), bustos de Antunes Varela (Palácios de Justiça de Coimbra e Porto), Busto de António de Sena (portadas da Faculdade de Medicina da UC). Fotografias de alguns dos bustos referidos foram reproduzidas em António Manuel Nunes, “Justiça e Arte. Tribunais Portugueses”, Lisboa, Secretaria Geral do Ministério da Justiça, 2003.
[34] Temos conhecimento de um “Santo António Doutor Evangélico”, com túnica de franciscano e capelo doutoral, na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, cidade de Lamego, e de um Santo Ovídio, com loba, capelo e barrete, na Igreja do Colégio da Esperança, Cidade do Porto, sita nas imediações da Biblioteca Municipal. As duas primeiras são esculturas em madeira, depois estofada e policromada. Contudo, na Igreja do Carmo, da cidade de Coimbra, existe um São Ivo (protector dos advogados e juristas), vestido com túnica franciscana e um exemplar completo de Borla e Capelo de Cânones.
[35] Elzira Machado Rosa, “Museu Bernardino Machado. Exposição permanente”, Vila Nova de Famalicão, Edição da Câmara Municipal de VNF, 2002 (capa, batina e insígnias de Bernardino Machado).
[36] Por exemplo, Fernanda Rollo, “Salazar através da fotografia”, in Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989; Maria Filomena Mónica, “A Queda da Monarquia. Portugal na viragem do século”, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1987, p. 336.
[37] Serve de exemplo o Doutoramento Honoris Causa concedido pela Faculdade de Direito ao Presidente do Brasil, Café Filho, no dia 24 de Abril de 1955. Reportagem ilustrada, da autoria do fotógrafo Firmino Santos, divulgada na obra “Diário de uma Viagem de Amizade”, Lisboa, Oficinas da Editorial Ultramar, 1955 (11 fotografias). A descrição do protocolo, pp. 167-181, revela algumas curiosas “heterodoxias” e um certo grau de desinformação. Citem-se o tratamento de “Cancelário” tributado ao Vice-Reitor e a confusão entre “ostentação” e presidência do paraningo.
[38] Oliveira Salazar será o caso mais mediatizado. Visualize-se a obra de Fernando Dacosta, “Salazar. Fotobiografia”, Lisboa, Notícias Editorial, 2000; ou o in memoriam “Depoimentos. Guilherme Braga da Cruz (1916-1977)”, Coimbra, Tenacitas, 2006; também, Júlia Leitão de Barros, “Afonso Costa. Fotobiografias do século XX”, Lisboa, Círculo de Leitores, 2002.
[39] No filme português “Fátima, Terra de Fé”, de ca. 1943, consta uma reportagem sobre uma cerimónia de Abertura Solene da Universidade de Coimbra, cujo protagonista é o “Doutor António Silveira”, uma espécie de sósia do Fernando Bissaia Barreto convertido aos ideais do Estado Novo. Cf. Álvaro Garrido, “Coimbra nas imagens do cinema do Estado Novo”, in O Cinema sob o olhar de Salazar, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, pp. 274-303.
[40] O outro lado da moeda destes movimentos tem-se saldado em atitudes que não raro redundam na banalização, fundamentalismos e guerras bairristas entre municípios. Casalta Nabais, “Introdução ao Direito do Património”, Almedina, 2004, pp. 19-22 cita os exageros que rodearam a preservação integral das gravuras rupestres do Vale do Côa e as manifestações contra a alienação do Coliseu do Porto. Outros exemplos de falta de ponderação foram a luta pela produção do chamado “Queijo Limiano”, que é um produto oriundo da Holanda, e a “guerra” que se instalou entre alguns municípios da Beira Litoral (anos de 2005 e ss.) para determinar qual seria a “capital da chanfana” (averiguação impossível, por ser receita comum a vários municípios). Por seu turno, a UNESCO tem sido literalmente invadida com enxurradas pouco criteriosas de candidaturas a património mundial.
[41] Luís Reis Torgal, historiador e Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. O seu ensaio reflexivo traduz as polémicas terçadas ao longo da década de 1980 entre os doutores anteriores a 1974 e a nova geração que reivindicava o direito a sentar-se nos doutorais da Sala dos Actos Grandes sem porte de Insígnias. Este trabalho, realizado numa época em que o assunto não tinha adquirido dignidade historiográfica, é conhecido em Espanha e citado pelo Gabinete de Protocolo da Universidade de Salamanca, conforme tive o ensejo de confirmar em 2007. Cf. “Quid Petis?”, Revista de História das Ideias, Nº 15, 1993, pp. 177-316.
[42] O edifício do Sheldonian Theater, edificado entre 1664-1669, utilizado na realização das mais importantes cerimónias universitárias.
[43] Até meados do século XX era costume a Charamela tocar o Hino Académico de Coimbra durante o trajecto que conduzia à Sala dos Actos. Este hino oitocentista, não se confunde com o chamado “Hino Académico Internacional”, vulgarmente conhecido por “Gaudeamus Igitur”, adoptado pela Universidade Clássica de Lisboa em 1960, sendo Reitor Marcello Caetano. O “Gaudeamus” era conhecido em Coimbra, na década de 1960, dado integrar o repertório artístico do Coro Misto, mas só a partir de 1979 é que começou a ser difundido em saraus académicos de forma mais generalizada pelos Coro Misto, Orfeon Académico e Coro da Capela da UC. A Tuna Académica manteve a versão instrumental do “Hino Académico de Coimbra” e ao nível da Charamela e das grandes cerimónias na Sala dos Actos Grandes, o “Gaudeamus” não havia sido admitido pelos até às comemorações do 7º Centenário (1 de Março de 1990). Contudo, na década de 1990 seria interpretado durante a cerimónia dos abraços. Em Espanha, o “Gaudeamus” foi consagrado como masterpiece nas cerimónias universitárias.
[44] Esta missa era comum às universidades espanholas e italianas. Também se celebrava em Portugal e em França na abertura solene dos tribunais, tendo a cerimónia portuguesa terminado com a extinção da Casa da Suplicação em 1833, mas com realização continuada em França até ao ano de 1900 (“Messe Rouge”). Entre 1826 e 1910 a Abertura Solene das Cortes era precedida de Missa do Espírito Santo na Igreja Patriarcal de Lisboa. Cf., a título de exemplo “Instrucções que regulão o Ceremonial para a Abertura da primeira Sessão Real das duas Câmaras reunidas” [programa em 25 artigos, publicado em 8 de Outubro de 1826, Collecção de todas as Leis, Alvarás, Decretos, etc., Impressos na Officina Typographica. 1º Semestre de 1826, Lisboa, Na Impressão Régia, 1826, pp. 39-42. Este programa foi elaborado por uma junta nomeada em 6 de Setembro de 1826]; idem, “Programma” [para a abertura da sessão ordinária das Cortes Gerais, no dia 2 de Janeiro de 1866], Diário de Lisboa, Nº 297, segunda-feira, 31 de Dezembro de 1866 [a Missa foi realizada pelas 10:00h da manhã, na Sé Catedral].
[45] Siga-se William Ramsay, “Triumphus”, in Diccionary of Greek and Roman Antiquities, London, John Murray, 1875, on line apud http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Toman/Texts/secondary/SMIGRA/Triumphus.html.
[46] Mais dados em “Festividade de Santo Tomás de Aquino”, http://www.usal.es/gabinete/protocolo/santo_tomas.htm.
[47] Pelo pontifical velho, no momento da imposição da mitra, o ordenante referia-se aos dois cornos que ornavam a cabeça de Moisés quando desceu do Sinai. Com efeito, a mitra é um chapéu oriental, rematado por dois bicos (“Ut duobus cornibus utriusque testamenti terribilis appareat”). Após o Vaticano II esta fórmula foi considerada ridícula e reformada: “Accipe mitram, et clarescat in te splendor sanctitatis, ut, cum apparuerit princeps pastorum, immarcescibilem gloriae coronam merearis”.
[48] A partir do Concílio Vaticano II, os papas passaram a impor sobre a cabeça dos cardeais romanos o barrete quadrangular escarlate (sem borla), em substituição do antigo galero de borlas. Relativamente à cerimónia de investidura papal, Paulo VI foi o último pontífice romano a ser coroado com a tiara e a usar a sedia gestatória nos préstitos solenes. No Museu de Arte Sacra da Sé de Lisboa existem réplicas da sedia e dos flabelos papais.
[49] Veja-se a medalha de José Maria Cabral Antunes, intitulada “Doutoramento”, editada em 1984 pela Medalhística Lusa Atenas. Informação prestada pelo Fernando Simões Ribeiro.
[50] No folheto informativo e publicitário de 1984 que acompanha a referida medalha de José Maria Cabral Antunes; na obra do antigo Diplomata e Chefe de Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros Hélder de Mendonça e Cunha, “Regras do Cerimonial Português”, Amadora, Bertrand, 1976, p. 167 e ss.; brochura alusiva ao “Doutoramento Honoris Causa de Gladstone Chaves de Melo e Vergílio Ferreira”, Porto, FEAA, 1996, p. 53 e ss. (minuta em uso nas décadas de 1980-1990); publicação “Fernando Aguiar-Branco Doutor Honoris Causa em Letras”, Porto, FEAA, 2002, p. 28 e ss. (português, francês, inglês, alemão). Agradeço à Administração da Fundação Eng. António de Almeida a amável oferta das brochuras publicadas por aquela instituição.
[51] Para os Doutoramentos Honoris Causa e Cerimónias de Imposição de Insígnias Doutorais, vejam-se os números e nomes relativos ao período 1930-2000, no site “Imposição de Insígnias. Universidade de Coimbra”, http://www.uc.pt/depacad/pedagogica/Imposicao_insignias/-18k; dados semelhantes em http://www1.ci.uc.pt/sacad/rep_ped/Imposicao_Insignias.htm-13k. Entre a última grande cerimónia (Honoris Causa de Laureano López Rodo, Fac. de Direito, 21/11/1973), a retoma (Honoris Causa de Karl Larenz, Fac. de Direito, 17/07/1980) e a difícil década de 1980, muitos foram os doutorados que usaram insígnias sem recurso à cerimónia de investidura, tendo apenas requerido aos Serviços Académicos que constasse do Livro de Termos que tinham sido autorizado pelo Reitor a usá-las. Daí que as listas acima referidas não incluam os nomes dos docentes que se furtaram à realização da cerimónia.
[52] Na tradição universitária britânica os convites mencionam “Convocation Dress”. Em situações mais recuadas, a veste de gala era muito próxima da Loba de corpos duplos de Coimbra e de Salamanca.